|Capítulo 42 - Atirando No Escuro|

    Era constrangedor. Dois dias se passaram com Laerte ignorando completamente a princesa, que não tentava nada para trazê-lo para perto. Não se sentia no direito de cobrar algo dele, nem mesmo seu amor. Todavia, o próprio príncipe submeteu-se aos seus pensamentos e decidiu carregá-la até aquela cena. Parecia uma prova, ou algum tipo de teste, mas não era. Os corpos, outrora em sintonia perfeita, agora estavam afastados, separados por alguns metros de espaço vazio. Permaneciam sentados, o peso daquela conversa não os permitia ficar de pé. Os lábios avermelhados e nervosos queriam começar as explicações antes mesmo das perguntas. Contudo, em sua frente estava o motivo de toda aquela euforia reversa, a vontade de dizer tudo e o medo de dizer demais. Ele a encarava, pensando no que falaria primeiro, em que parte da ferida ele iria tocar para iniciar a conversa. Decidiu ir para um dos pontos que mais o incomodou desde o começo de suas desconfianças, esse ponto tinha um nome:

     — Elijah.

     — O quê? — Aveta franziu o cenho.

     Esperava qualquer pergunta, sobre sua descendência, sua vida, mas não sobre o "motorista".

     — Sabe que eu tenho um poder de dedução bem apurado — Laerte comentou. — O que ele significa pra você?

     — Sabe que eu fui criada com a minha madrinha. Mal via pessoas de outros lugares e...

     — Aveta! — Ele foi firme. — O que ele significa pra você?

     A princesa olhou para o chão, depois para o teto e por fim voltou a encarar o príncipe.

     — Elijah é um aliado de meu pai. Príncipe de Lidium.

     — Quase ninguém conhece a nobreza daquele reino. Eles nunca vão a lugar nenhum.

     — Exatamente. Era o lugar perfeito para meu pai se refugiar. — Ela movimentava as mãos em frente ao tronco enquanto falava. — Nas raras vezes em que eu conseguia escapar para ver o meu pai, ele estava acompanhado pelo Elijah. Desenvolvemos uma espécie de fraternidade, e foi só isso.

     — Você já teve alguém? — ele perguntou.

     Aveta ficou quieta, pensando na melhor maneira de entrar naquele assunto.

     — Teve?

     Ela balançou a cabeça em confirmação.

     — Se você só via o Elijah, então foi ele, não foi?

     — Eu estudava também, Laerte. Eu não sou nenhuma extraterrestre — rebateu.

     — E por que acabou?

     — Não sou a pessoa mais carinhosa e amorosa do mundo, pelo menos, não o tempo todo. Essa pessoa queria muito de mim, coisas que eu não consigo forçar. Sentimento pra mim tem que ser espontâneo. Eu queria ter uma experiência com ele, e ele queria que eu fosse a futura mãe dos filhos dele. Enfim... Era só isso que queria saber?

     — E esse cara não era mesmo o Elijah? — insistiu o jovem.

     — Não. Não era. E se interessa, ele me convidou inúmeras vezes para ir morar com eles no Castelo de Lidium, eu que não quis aceitar. Satisfeito?

     — Preferiu ficar morando com a sua madrinha? Por quê? Ela te fazia tanto mal.

     Aveta gaguejou. Seus pés, que antes estavam fixos no chão, tornaram-se agitados. As mãos entrelaçaram-se uma na outra e ela juntou a saliva na boca, engolindo de uma só vez.

     — Laerte... Por favor. Eu preciso que me faça perguntas relevantes. Estou disposta a sanar suas dúvidas, mas seja objetivo.

     Laerte ajeitou-se sobre o colchão.

     — O que vocês pretendem? Vão matar alguém? Vão abrir uma guerra, pôr a vida das pessoas em risco?

     — Não. — Aveta levantou-se e foi até ele, sentando-se ao seu lado. — Queremos que seja o menos destruidor possível. Os soldados de Lidium, junto com alguns outros aliados de Salazar, irão dar apoio físico para que meu pai consiga entrar no castelo, no dia da última prova. O portador, que provavelmente serei eu mesma, irá levar os documentos com as provas principais de tudo o que coletamos ao longo desse tempo. Então planejamos que Homero seja preso pela Guarda Continental Unificada, em seguida, meu pai tomará seu lugar.

     — E depois? E todos nós? Os que foram embora, os que passaram por essas provas à toa?

     — Eu planejo ajudá-los, como farei com todo o reino. Eu, meu pai e o núcleo do reino de Lidium temos grandes planos. Só precisamos pegar de volta o que é nosso por direito.

     — Então aquela história de ficar comigo, desistir do reino e tudo mais, era só uma tentativa de me fazer ficar.

     Aveta pôs as mãos sobre as dele, por impulso. Ela temia que ele não a aceitasse. Mas, mesmo sem corresponder, não se afastou.

     — Eu estou disposta. Isso não quer dizer que eu vou abandonar meu pai e tudo o que planejamos para esse lugar. — Ela inclinou o corpo para frente e sua face ficou bem perto do rosto de Laerte. — Minha promessa continua a mesma. A sua também? — questionou a princesa.

     “Atirar no escuro”

     Laerte encostou sua testa na da princesa misteriosa e desprendeu uma das mãos para levá-la ao seu pescoço, sobre seus cabelos. Ela fechou os olhos.

     — Você mexe tanto comigo — Laerte sussurrou.

     Aveta sorriu.

     — Eu sei que posso me arrepender amargamente — continuou —, mas eu estou contigo, princesa. — Deu um beijo no topo da cabeça dela. — Estou contigo... em todos os sentidos.

     Aveta ergueu a cabeça para tocar os lábios do príncipe, que a receberam com saudade.

     Enquanto estavam naquele reencontro de almas, a princesa sentiu o aparelho de telefone vibrar dentro do suporte escondido no vestido. Desvencilhou-se, então, do príncipe, com um olhar envergonhado.

     — Eu preciso atender, é o meu pai — murmurou, depois  pressionou uma tecla qualquer para atender o diminuto telefone. — Oi. — Ela escutava com atenção o que lhe era dito. — Claro, pai. Eu já disse que posso fazer isso. Não se preocupe. — Ela deu alguns passos no cômodo, falando baixo. — Como assim, que coisa?... Oh, meu Deus. — Levou as mãos ao peito. — Ma-mas como? Pai, eles vão me odiar.

     Laerte escutava apenas os ruídos, ao longe.

     — Tudo bem — disse ela, por fim. — Se o motivo é esse, eu faço. Eu também te amo. Por Salazar.

     Aveta desligou o celular e o enfiou de volta no suporte do vestido.

     — O que foi? — inquiriu o príncipe.

Era fácil notar a expressão confusa de Aveta. Ela parecia pensar em algo, seus olhos vagavam perdidos.

     — Preciso fazer uma coisa. — Ela suspendeu a barra do vestido e caminhou em direção à porta, mas parou antes mesmo de chegar à metade do quarto. — Laerte — Virou-se para ele —, consegue descobrir uma coisa pra mim? — perguntou.

     — Depende, princesa. O quê?

     — Preciso saber se...

     — Se?

     — Se Kaya e John já fizeram — Gesticulou com a cabeça e as mãos, movendo-as no ar, como se desenbolassem um novelo invisível — , alguma vez... Preciso saber se eles já ficaram juntos.

     — O que pretende fazer com essa informação?

     — Bem, algo que vai fazer com que me odeiem. Pelo menos por enquanto.

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