|Capítulo 40 - Conselho De Amigo|

- Meu filho, você está bem? - disse a mulher de cabelos avermelhados, segurando o ombro de Laerte e também sustentando-o perante àquela situação.

O rapaz assentiu e engoliu em seco, o nó mais amargo de toda a sua vida desceu pela garganta, carregando todo o peso daquela cena tão difícil. Fora o primeiro minuto do dia em que ele não pensara em Aveta, apenas no que aquela porta escondia para além de sua madeira pintada de branco.

- Venha. Esse aqui é amigo da família? - perguntou o homem de cabelos encaracolados, que segurava uma prancheta.

- É meu filho - mentiu a mulher.

O médico franziu a testa e olhou para os dois, percebendo a clara falta de semelhança entre os dois.

- Parece muito com o pai - explicou, para fortalecer o engano. - Eu pedi que viesse comigo porque eu não consigo passar por isso sozinha.

- Tudo bem. - O doutor expirou e passou a mão direita sobre o rosto. - Venham comigo.

Assim que ele empurrou a maçaneta, que rangeu ao seu toque, os outros dois puderam ver a imagem tão diferente daquele homem que sempre esbanjara vitalidade e simpatia.

Laerte pôs a mão sobre a boca e sentiu seu ácido estomacal vir à garganta. Ele nunca estaria realmente pronto para aquele momento.

- A senhora já decidiu se irá permitir que nós desliguemos os aparelhos?

Cecília apertou a mão de Laerte, que estava para baixo, e ele retribuiu o gesto da mesma maneira.

- Posso ficar sozinha com eles um pouco antes de informar minha decisão? - ela pediu.

- Claro - disse o médico. - Volto daqui a pouco.

O homem saiu da presença deles, deixando o príncipe livre para lamentar o estado em que o pai se encontrava: tão pálido, magro, com a cavidade ocular funda e os cabelos ralos. O rapaz aproximou-se e tocou aquela pele fria.

- Ôh, meu pai. - Acariciou os cabelos já com vários fios grisalhos. - Como eu vou me virar aqui sem você, hein? - Uma lágrima escorreu pela bochecha de Laerte em sincronia com o movimento de seu pomo de Adão.

As mãos do príncipe foram vagarosas até o braço fino que estava coberto por um lençol, nada mais.

- Eu sei que você não iria querer ficar assim - ele disse. - Só me ajuda a ter coragem de deixar você ir embora - completou, jogando o próprio corpo sobre o leito do pai, tomando cuidado para não interferir nos tubos e fios que o mantinham vivo. Então se acalmou um pouco e segurou a mão do pai com cuidado. - Eu conheci uma pessoa. - Laerte deu um pequeno sorriso constrangido entre as lágrimas. - O senhor iria gostar tanto dela. Ela é tão inteligente, bonita... - Relembrou os traços da princesa. - Ela também iria gostar tanto de conhecer você - exprimiu. - Me perdoa, por favor. Eu não queria que acontecesse assim. Não queria ter que tomar essa decisão.

O príncipe encarou os traços faciais do pai, ainda mais demarcados. Notou um brilho incomum surgir no canto dos olhos do doente, parecia uma lágrima. Ela desceu solitária pela têmpora esquerda dele e desapareceu entre os ralos fios de cabelo. Depois, o rapaz viu o queixo do pai mover-se um milímetro para baixo, seria quase imperceptível se ele não estivesse tão concentrado na face do progenitor. Ele sabia o que tinha de fazer, mesmo que se culpasse pelo resto da vida.

O jovem se afastou da cama hospitalar e juntou-se a Cecília, que assistia a cena, emocionada. Os seus olhos claros estavam envoltos em nuvens vermelhas.

Os dois escutaram a porta ser aberta, e a figura, já conhecida por eles, entrou.

- Me perdoem - disse. - A senhora já se decidiu?

Cecília olhou para Laerte, que estava ao seu lado, com os braços juntos aos seus, como se fosse realmente um filho. Ela moveu a cabeça para cima e para baixo, suavemente. Laerte apenas copiou o movimento, indicando que ele concordava.

- Eu... permito - ela murmurou.

- Pode assinar aqui, por favor? - O médico estendeu a prancheta e esperou.

Cecília levou os dedos trêmulos à caneta e escreveu letra por letra, com um pesar na alma e um vazio no peito. Era como ser a assassina de alguém, ela não queria ser a responsável, mas precisava assumir aquele fardo.

- Vocês podem se retirar, se quiserem - falou ele.

- Vamos? - a mulher chamou o príncipe.

- Acho que alguém deve ficar com ele nessa hora - Laerte retorquiu. - Pode ir a senhora, eu vou ficar.

- Olha, é um momento delicado, rapaz - falou o doutor, tentando convencê-lo a se retirar.

- Eu aguento. Não é humano deixar um homem como ele morrer sozinho. - Apertou a mão de Cecília, ao seu lado. - Vá tranquila. Diga a Aveta que eu já vou - ele pediu.

- Eu vou ficar um pouco aqui fora, perto da porta, qualquer coisa, me chame - ela respondeu.

Laerte assentiu e os dois se desvencilharam. O médico chamou dois enfermeiros para que o ajudassem, então deu início ao desligamento dos aparelhos. O príncipe manteve a postura, tentando prender dentro do corpo todo aquele vulcão de tristeza que se apoderava dele. Não fora fácil ver o bip se tornar uma linha contínua, informando que a essência de seu pai tão amado já não habitava mais ali. Talvez ainda estivesse no ar, dispersa, entregando-se ao céu ou ao universo, mas não era possível tocá-la. O príncipe abaixou a cabeça e fungou, limpando a umidade dos lábios e do nariz, em seguida olhou para o falecido e sussurrou quase que internamente:

- Vai em paz.

Não esperou que o pedissem para sair, deu meia volta, abriu a porta e deixou o cômodo. Cecília não estava mais perto da porta, presumiu que havia saído havia algum tempo. Os passos dele foram firmes até o corredor, e de lá conseguiu enxergar o seu porto seguro, a única que poderia aliviar um pouco da dor que ele sentia, sem dúvida alguma do que fazia, o jovem correu até seus braços. Despejando nela toda a sua dor.

- Ei - chamou o rapaz bem alinhado, que carregava uma pulseira dourada no pulso. Não era ouro, mas parecia.

Laerte, que estava imerso nestes pensamentos, olhou para ele e deu um meio sorriso. Estava sentado perto do chafariz, com os olhos fixos na água.

- Um dos criados me deu o recado de que queria falar comigo. Tão cedo, cara. Aconteceu alguma coisa? - perguntou John, enquanto tomava um lugar ao lado do outro príncipe. - Rapaz, você dormiu? Que cara é essa? Já sei! - Bateu as mãos nas pernas e apontou para Laerte. - Brigou com a Aveta.

- Antes fosse só isso - lamentou o jovem de olhos acinzentados, olhando ainda as gotas se despejarem naquela imensidão azul.

- Quer me contar? - John pôs a mão nas costas de Laerte e deu dois tapas de cumplicidade.

"Não vai contar nada a ele, vai?" relembrou as palavras da princesa.

- É que... Não é nada, só estou nervoso. Ser um dos escolhidos é bem desgastante. Essa sensação de que você não sabe o que vai acontecer. Precisava conversar com outra pessoa que pudesse me entender.

- Aveta não lhe entende? - replicou John.

- Aveta tem uma forma diferente de pensar e agir. Tem uma blindagem contra sentimentos. Precisava conversar com alguém mais "humano".

O príncipe John deu uma risada discreta, sacudindo a cabeça para os lados.

- Kaya tem razão.

- O quê? - Laerte perguntou confuso.

- Ela me diz que sente que essa implicância de vocês tem cara de amor. E eu não duvido.

- Se você soubesse... - Laerte molhou os lábios, sem tirar os olhos da água que caía em sua frente. - Eu não quero falar mal da princesa Aveta. Seria um hipócrita se dissesse que não sinto nada. Mas, no momento, eu não sei se isso é bom ou ruim. Gostar das pessoas é uma coisa muito complicada. - Laerte pegou uma folha que estava jogada no chão e começou a movê-la em sua mão, de maneira aleatória.

- Concordo. Kaya tem alguns problemas também. Sabe, ela conheceu um rapaz antes de entrar aqui e disse que não sabia se gostava dele ainda, no primeiro dia. Mas hoje, hoje eu sei que eu não quero outra rainha do meu lado, e ela também não quer que seja outro ao lado dela. - O rapaz olhou para cima, como se contemplasse o que acabara de dizer.

- John - Laerte chamou sua atenção. - Se Kaya contasse a você uma coisa que te fizesse ficar enfurecido, mas explicasse os motivos e eles fossem plausíveis para ela ter agido daquela forma. Mesmo magoado, você a perdoaria? Digo, seria capaz de tratá-la da mesma forma, mesmo sabendo de um segredo muito pesado?

- Olha, não entendi muito bem o que você quis dizer. Mas se ela me dissesse algo que a obrigou a agir de determinada maneira, mesmo chateado, eu entenderia. Companheirismo tem dessas coisas, meu caro. Atirar no escuro, sem mirar, só esperando que a outra pessoa seja a curvatura que muda o caminho da sua bala.

- E se, na verdade, você for o atingido?

- É um risco que temos que correr. - John escorou-se no ombro esquerdo de Laerte e se levantou. - Eu vou tomar um café, você vem?

- Obrigado, eu... - Laerte olhou para o lado do castelo onde podia-se ver a janela do próprio quarto - vou daqui a pouco.

- Até mais, então. - John gesticulou com a cabeça, pôs os braços para trás e saiu em direção à entrada lateral do palácio.

Laerte agora tinha que pôr a mente no lugar, ponderar sobre tudo. Sua razão dera-lhe um mapa, mostrando exatamente a rota principal pela qual seguir, mas seu coração insistia em cortar caminho e mostrar-lhe que as trilhas e atalhos também podem ser caminhos viáveis.

- Ai, ai, Aveta. - Ele apoiou a testa nas mãos e soltou o ar pela boca. - Por que fez isso comigo?

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top