|Capítulo 38 - Logan, Um Herói Desconhecido|
O céu escuro da noite era banhado por incontáveis estrelas cintilantes. O tom agradável do clima não era tão bom aos que estavam dentro daquela casa. A densidade da tensão que pairava no ar era quase tateável. A pequena garotinha estava aninhada perto da porta, com as mãos juntas, presas em frente ao joelho. No meio da sala, a mulher andava de um lado para o outro, o homem, com o telefone sem fio nas mãos, respirava profundamente. A corrente de ouro que ficava sempre escondida por baixo das vestimentas já lhe irritava a pele naquele movimento de subida e descida pelo inspirar ofegante. A notícia recebida há pouco não era das melhores.
— Jonathan, é muito arriscado.
— Lorelay, é a única chance que nós temos — rebateu ele, devolvendo o objeto à sua base.
— E onde eles estão?
— Meus irmãos já saíram do Castelo das Pedras. Estão com um dos nossos guardas de confiança. Ou melhor... da confiança da Pérola.
A mulher esfregou as mãos no peito.
— E como ela está? Imagino que deva estar morrendo de medo.
Pérola era a irmã do meio de Jonathan, e também sua maior cúmplice. Lorelay e ela tinham uma amizade secreta, já que o rei imaginava que os filhos não tinham qualquer tipo de contato com a família bastarda do filho mais velho. Por conta desse amor fraterno que havia entre as tais, Lorelay decidira dar à filha, além do primeiro nome, o nome da cunhada. Esta, por sua vez, tinha uma paixão também enclausurada por um dos guardas do reino de Salazar. E esperava apenas que tudo se resolvesse para que fosse embora com ele para outro continente, onde o fardo da coroa não lhe fosse tão pesado.
— Eu não sei. Não estávamos preparados para uma mudança de planos. Pensávamos que teríamos ao menos mais um mês. — Jonathan expirou com as mãos na cintura e os olhos vagando pelo chão.
— Tem certeza que ele não desconfia que estão indo ao reino de Lidium? — retorquiu a mulher.
— Não tem como ter certeza de nada, mas precisamos arriscar. — Ele aproximou-se da mulher de cabelos compridos. — Vai ficar tudo bem, Lorelay. — Pôs as mãos sobre as bochechas rosadas dela. — Eu prometo. — Jonathan aproximou-se e beijou-lhe os lábios com doçura.
Em seguida, o homem desprendeu-se dela e caminhou até a pequena que observava a tudo, atenta. Não parecia temer, a curiosidade estava expressa em seus olhos miúdos.
— O papai precisa ir agora, meu amor. — Ele acariciou a bochecha dela com o polegar.
— Quando volta?
— Agora vai demorar um pouco mais — começou. — Eu vou pra muito, muito longe, com o seu tio Hugo e a tia Pérola. E quando voltarmos, você e sua mãe vão morar comigo, naquele castelo bonito e bem grande que você vê quando vai para o colégio.
— E precisa ser assim? — perguntou. Ela não queria se afastar do pai, ele era a pessoa em quem ela mais confiava no mundo.
— Eu não queria que fosse — lamentou. — Mas, sim. Precisa. Daqui um tempo, você vai vestir um vestido bem bonito, vai usar uma coroa de princesa. — Passou os dedos por entre as mechas ralas dos fios de cabelo da pequena. — E nós vamos jogar xadrez juntos, todas as tardes.
— A tia Pérola também?
— Claro. — Jonathan sorriu mesmo sabendo que era uma mentira, já que a irmã planejava deixá-los. — A tia Pérola também. — Deu um beijo na testa de Aveta. — Agora eu quero que cuide da sua mãe para mim. Pode fazer isso?
A criança assentiu com um pouco de dúvida, mesmo amando a mãe, sentia um pouco de raiva por todas as vezes em que ela encerrava os encontros com seu pai, antes mesmo de os dois terminarem as partidas de Xadrez.
— Eu te amo, Aveta. Te amo com todas as forças que existem no meu coração. — Jonathan puxou a mão diminuta da garota e levou ao seu peito.
— Eu também amo você, pai. Toma cuidado no caminho — pediu. Seus olhos brilhantes coruscavam.
O príncipe Jonathan despediu-se de Lorelay, pôs sobre o corpo a capa preta, que ele sempre usava quando saía do palácio às escondidas, e deixou a residência. Parecia envolto por uma aura depressiva. Era como se seu corpo fosse sugado para o interior da terra, como um mau presságio. Jonathan olhou para o céu e pediu para que aquilo fosse só o temor agindo em seu corpo.
Depois da prece afoita. O homem embrenhou-se na trilha atrás da capela. Era uma mata muito densa, mas era o único caminho que o levaria até a estrada de terra batida por onde seus irmãos passariam. Foram longos minutos de uma caminhada dificultosa até que viu o clarão que revelava o trajeto. Mas junto dele, também surgiram vozes... Vozes desesperadas.
— Solte-nos! — bradava a mulher, o capuz de sua capa já estava caído sobre os ombros, acima dos braços presos pela corda firme que a deixava com o corpo colado ao dos outros dois.
— Sinto muito, princesa Pérola — disse o homem de lábios avantajados, enquanto aproximava-se da moça com um punhal encaixado na mão direita.
— Somos seus líderes. Precisa nos obedecer!
O homem soltou uma risada aterradora e deu a volta, os outros dois que o acompanhavam monitoravam o acesso àquele local. Jonathan escondeu-se atrás de um carvalho e pensou nas formas que ele dispunha para salvar a vida dos irmãos e do guarda.
— Não estou a serviço do reino, cumpro ordens de Gérard, em particular.
— O que quer? Dinheiro? — questionou Hugo, enquanto empurrava as cordas com o peso do próprio corpo, tentando, em vão, desprender-se das amarras.
— Nada, príncipe Hugo. — O homem virou-se para os seus capangas e caminhou até eles.
Jonathan fez menção de aparecer para lutar, tentar de alguma maneira tomar a frente da situação, mas, percebendo sua presença, Pérola sacudiu a cabeça para os lados, discretamente, em negação. Depois murmurou sem voz, fazendo seus lábios dançarem para que ele compreendesse perfeitamente cada palavra, mesmo de longe:
— Ele sabe de tudo.
Depois a moça desviou o olhar para que seu algoz não desconfiasse da presença de Jonathan ali.
— Podem começar — ordenou o que parecia ser o comandante de tudo.
Em meio aos urros ensandecidos, clamantes pela vida, os outros dois homens colocaram sacos de pano sobre a cabeça dos três. Jonathan ajoelhou-se no chão, com cuidado. Suas pernas não suportaram o peso daquela visão. Ele não podia fazer absolutamente nada, estava de mãos atadas. Além do punhal, o homem carregava também uma arma calibre trinta e oito na cintura. Jonathan presumiu que os demais também estavam armados.
— Hugo — disse a voz abafada pelo choro e pelo tapume que lhe escondia a face. — Eu estou com medo. — Sussurrou a moça, era possível perceber que estava com a boca repleta de saliva e também de lágrimas.
— E-eu prometo que não vai sentir nada — respondeu o irmão com dubiedade, tentando confortá-la, mesmo carregando a mesma angústia.
— É disso que tenho medo — continuou. — De quando eu não puder sentir mais nada — exprimiu entre os soluços sofridos. — Logan, consegue me ouvir? — perguntou ao guarda que estava junto deles.
O homem apenas grunhiu em afirmação.
— Não conseguimos viver nosso sonho.
— O meu sonho era ter o seu amor, princesa — disse ele, pesaroso. — E eu consegui. Minha morte vai ser a prova maior do quanto eu amo você.
— Se puderem dar a honra do vosso silêncio. — O homem que os sequestrara reprimiu-os. Depois engoliu em seco e fechou os olhos, olhando para cima.
Jonathan abaixou a cabeça e sentiu as gotas de água penderem de seus olhos sobre os folículos. Apenas ouviu o barulho da primeira morte dolorosa, reconhecia os gemidos de sofrimento, eram de Pérola. Não duraram muito, mas deram lugar aos gritos dilacerantes de Logan, quando o punhal fora cravado em seu peito. Por último, o som do sangue invadindo as vias respiratórias do irmão mais novo, que não gritou no momento em que a arma lhe acertara, apenas sentiu a vida deixar-lhe devagar.
Jonathan levou as mãos à boca, tapando os suspiros sôfregos que brotavam em meio ao caos e à dor.
— Queimem os corpos — ordenou o assassino, enquanto limpava a lâmina do punhal com a barra do casaco pesado que vestia.
O corpo do príncipe primogênito estava escorado contra o carvalho, tentando não ceder àquela sensação podre que se instalava.
— Agora que os três príncipes estão mortos, o que faremos? — perguntou um dos capangas, ao mesmo tempo em que pegava um galão repleto de álcool e despejava sobre as três pessoas desfalecidas no chão.
— Vamos pegar o que nos foi prometido e iremos embora daqui. Para o mais longe possível, onde nem mesmo se conheça o nome de Gérard — respondeu o líder.
Jonathan estava abalado, mas conseguiu perceber um equívoco na fala daquele ser desprezível. Ele tinha convicta certeza de que quem havia sido morto ali, era o príncipe mais velho, não sabia que era um guarda. Com toda certeza não os conhecia plenamente e cometeu um engano.
Jonathan esperou cada segundo passar, carregando o seu fardo sobre os ombros. Viu a chama iniciar-se, o trio de assassinos ir embora e depois o fogo cessar vagarosamente, como uma tempestade que abranda após os trovões. O cheiro era insuportável, e aquilo o fez regurgitar quase que sobre os próprios pés. Quando notou que o fogo consumira o que fora possível e já não mais queimava, arrastou os passos embebidos em rancor até onde os três e tentou identificá-los. Ainda era possível ver os resquícios do tecido do vestido longo da irmã, ao seu lado, o broche cravejado de Hugo, e por fim o corpo de Logan, sem nada que o identificasse. Por mais que fosse doloroso, ele precisava fazer aquilo, e tinha de ser rápido.
Jonathan arrancou a corrente de ouro do pescoço e jogou-a, arrebentada, sobre os restos mortais do guarda, o amado de Pérola.
Não havia tempo. A imagem de Lorelay e Aveta percorreu sua mente, imaginou que o pai poderia fazer algo igual ou pior com sua filha e ele não poderia permitir. Qualquer lugar que alguém tivesse ciência da descendência da garota seria um perigo. Então o príncipe voltou às pressas à casa de onde saíra, tropeçando nos obstáculos do caminho. Ele tinha que proteger a vida de quem ainda restava, não havia mais tempo para lamentar o sacrifício de quem partiu.
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