|Capítulo 31 - O Plano Sobre O Tabuleiro|

    


     Laerte abriu os olhos, ainda um pouco tonto. Quando percebeu que estava dormindo, surgiu um imenso vazio, um medo de tudo não ter passado de um sonho.

     — Aveta. — Foi a primeira coisa que sua boca quase sem voz fora capaz de pronunciar quando viu a moça sentada em sua cama, com uma das pernas dobradas e o corpo inclinado para frente, movendo algumas peças de xadrez sobre o tabuleiro.

     — Bom dia, Laerte — respondeu ela com um sorriso no canto dos lábios, ainda mais destacados pelo coque mal feito que deixava entrever suas linhas faciais em meio aos ralos fios soltos.

     O rapaz esfregou as pálpebras, sentou-se, olhou para ela com a face contraída ainda pelo sono e bocejou.

     — Já venho — disse ele.

     Depois se levantou e foi até o banheiro, onde lavou o rosto e escovou os dentes. Em seguida, voltou para o quarto, estava ansioso para ter a prova real de que tudo aquilo não havia passado de um delírio. Ele se aproximou da cama da princesa, sentou-se ao seu lado e foi surpreendido por um beijo rápido e estalado nos lábios.

     — Não sei se ouviu, eu disse "bom dia" — ela falou e voltou a movimentar o cavalo que estava em suas mãos, para o lado da rainha no tabuleiro.

     O príncipe, ainda meio abobado com o que acabara de acontecer, piscou os olhos rapidamente e perguntou:

     — Treinando novas estratégias de jogo?

     — Não. Estou montando um plano... para você e eu sairmos daqui essa noite.

     — Eu e você o quê?

     — Nós dois vamos sair daqui. Não sair de desistir. Sair de fugir por uma noite.

     — E pra quê?

     — Vou levar você para ver o seu pai — disse a princesa.

     Laerte sentiu um nó incômodo descer pela sua garganta.

     — Eu moro longe daqui, não daria certo.

     — Todos os jogadores são de um raio de cem quilômetros, se você morasse dez quilômetros depois dessa divisa, ainda conseguiríamos chegar.

     — E nós vamos de quê?

     — Ora, essa, Laerte. De ônibus. — Aveta virou o tabuleiro para ele. — Veja. A guarda é trocada às nove da noite, é quando os soldados em serviço usam o cartão magnético para confirmar as horas trabalhadas. — Ela retirou a fileira de peões brancos e pôs na borda do tabuleiro. — E só depois de o último soldado em serviço passar o cartão, é que o substituto vai para a fila, para registrar o seu horário de entrada. Isso deixa a cabine e o portão livres por exatos... — A moça deixou uma das casas vazias para indicar o tempo. — Quarenta e três segundos.

     — Não dá tempo de ir da saída principal até o lado de fora.

     — Nós não vamos passar pela saída principal. Vamos usar a saída secreta, atrás da biblioteca.

     — Saída secreta? E como você sabe que...

     — Não me pergunte. Só presta atenção aqui — ela rebateu. — Às nove e quarenta e cinco da noite, passa a última leva de coletivos a seiscentos metros do portão. Se a gente andar rápido, conseguimos embarcar para... Onde você mora mesmo?

     — Vila Residencial Setenta e Cinco.

     — Isso.

     — Aveta, isso não tem como dar certo. O primeiro ônibus de lá pra cá é seis e meia da manhã. Não vamos chegar a tempo da troca de soldados matinal.

     — Eu pensei nisso também. E você vai ter que confiar em mim.

     — Como assim? — Laerte cruzou os braços.

     — Não posso falar ainda. Mas vai dar certo. — Aveta girou o tronco na direção de Laerte. — Só mais uma coisa. O seu pai está onde?

     — No hospital quinto de Salazar. É meio quilômetro depois da nossa casa.

     Aveta pressionou os lábios, indicando que aquilo era um problema.

     — Tem algum parente? Um primo, um amigo?

     — Não. Mas tem o filho da vizinha, a mulher que eu deixei cuidando dele no hospital antes de vir.

     — Ótimo. Você vai se passar por ele, e eu vou ser a namorada. Não podemos ser nós mesmos, se descobrirem que estamos lá fora, já era.

     — Não vai dar tempo de fazer tudo isso. Vamos precisar dos documentos pra entrar. Não é assim, Aveta.

     — Ela é sua vizinha — a princesa insistiu. — Vamos passar na porta da casa deles e explicar a situação para o rapaz.

     — E se ele não estiver lá — redarguiu Laerte. Ele estava mais pessimista que o habitual.

     — Então eu encontrarei outra forma de você entrar. — Ela deu a mão para ele. — Eu garanto que você vai conseguir vê-lo... uma última vez.

      A princesa arrependeu-se de dizer aquilo no mesmo instante. Talvez devesse ter escolhido outras palavras, uma forma melhor de se expressar. Ela não costumava se preocupar com os sentimentos das pessoas à sua volta, era estranho ter todo aquele cuidado com alguém que conhecera há pouco tempo.

     — Me perdoe, eu...

     — Não. Na verdade, eu fico lisonjeado que queira fazer isso por mim, mas eu não quero que você perca essa chance, a chance de ser rainha, por minha causa.

     — Existe muito mais que um trono e uma coroa. São só objetos. Eu serei sempre eu, você será sempre você. Isso não vai mudar por causa de um pouco de ouro em cima da nossa cabeça. — Ela deu uma curta risada que poderia ser classificada como encorajadora. — Você aceita quebrar essa regra comigo, príncipe Laerte?

     O rapaz inspirou profundamente, depois deixou a cabeça pender e a repousou sobre o ombro esquerdo da princesa. Ele sabia que ela estranharia o gesto, mas o fez mesmo assim.

     — Sinceramente, eu não sei como eu fui me encantar por você — brincou, deixando a situação mais leve. Ele tinha esse dom natural. — Tem cada ideia...

     — Deve ser meu charme de Aquariana. — Ela deu dois tapinhas na mão dele, que estava sobre sua perna.

     — O quê? — O príncipe de levantou e a encarou dentro dos olhos. — Mas você disse que... Aveta, você me enganou. — Sacudiu a cabeça. — É claro! Como não pensei nisso antes? Aquário faz muito mais sentido que capricórnio. Claro que peixes nunca teve nada a ver. Mas Aquário, Aquário sim.

     — Não vai anotar no seu caderno? — perguntou ela, abanando as mãos em direção à cômoda dele.

     — Não quero mais escrever nada sobre você. — Laerte empurrou o tabuleiro para os pés da cama e jogou o corpo sobre Aveta. — Quero descobrir seus mistérios de outras formas.

     A princesa ajeitou-se na cama e cedeu à investida do príncipe, segurando em seu pescoço e deixando as faces bem próximas. Ainda era possível sentir o hálito de pasta de dente que se tornara quente pela respiração descompassada. O primeiro beijo foi lento, calmo, uma prévia dos seguintes que se tornaram mais agressivos e acalorados. O toque dos lábios molhados de Laerte sobre a pele desnuda do pescoço de Aveta era o início de algo mais intenso. A princesa mordeu o lábio inferior a soltou um gemido baixo e abafado.

     Os dois pareciam imparáveis, mas o que era quase um ato concretizado foi interrompido por batidas abruptas na porta.

     Os olhos esbugalhados do príncipe e da moça expressavam o medo.

     — Será que alguém nos ouviu? — questionou ela em sussurros.

     Aveta e Laerte se desvencilharam e recompuseram-se com rapidez. O príncipe, que estava mais "inteiro", foi o escolhido para abrir a porta. Ele olhou para o alto e recuperou o ritmo normal de respiração antes de puxar a maçaneta.

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