|Capítulo 30 - Calma|

     — Fala, Laerte — Aveta pediu e segurou a mão do rapaz, sobre seu vestido.

     — O tempo do meu pai — Ele engoliu em seco — está acabando, Aveta.

     — Eu... sinto muito. — A moça fixou o olhar no chão. Não costumava consolar as pessoas, não sabia bem o que fazer diante daquela situação.

     — Esse tempo aqui, justo agora que eu deveria estar ao lado dele, acaba comigo. Entende? — perguntou.

     — Eu compreendo perfeitamente, Laerte. Deve ser muito difícil — disse ela.

     — Eu estou tentando dizer que — Laerte girou um pouco o tronco e ela o encarou — eu só vou continuar isso aqui por sua causa, princesa. Eu preciso saber que o que está acontecendo agora não é uma estratégia.

     — Como pode pensar uma...

     — Não, não! — Segurou no queixo da  moça. — Não se ofenda, por favor. É que eu preciso que me garanta, Aveta, que isso não é só mais um jogo pra você. Que eu tenho alguma importância verdadeira.

     Os dois pares de olhos ficaram imóveis, penetrados um no outro, durante seis segundos exatos. As mãos dela entrelaçaram-se nas dele com mais força e ela deu um leve impulso para frente, deixando seus corpos mais próximos.

     — Me escuta — começou a jovem —, sabe qual foi a pior noite para mim, aqui?

     — A da prova dos animais?

     Aveta negou balançando a cabeça.

     — Foi difícil, sim. Mas não foi a pior porque você estava perto de mim. — Ela levou a mão direita até o rosto dele e acariciou o canto da face. — A pior noite foi a passada. Sabe por quê? — perguntou retoricamente. — Porque eu pensei que seria a última aqui, nesse quarto. — Aveta olhou para o redor. — E você estava tão distante — Deu um sorriso tímido —, eu pensei que não teria mais o seu abraço, que, a propósito, é um dos únicos que eu verdadeiramente quero.

     Laerte estava visivelmente emocionado, o estado do pai e as palavras da princesa mexiam com ele de uma forma muito profunda. O rapaz secou as pequenas gotas prateadas que ameaçavam cair, banhadas pela luz da lua que adentrava o quarto.

     — Um dos? — ele brincou, tentando dar um alívio cômico ao momento.

     — Só existem dois abraços no mundo que eu desejo — redarguiu a moça. — Então, se puder não se afastar mais de mim, eu agradeço.

     Laerte inclinou o corpo e depositou uma série de beijos úmidos e estalados nos lábios da princesa, que não conteve um sorriso bobo enquanto ele mantinha os olhos fechados.

     — O que foi? — ele perguntou.

     — Não estou acostumada com essas coisas, Laerte. Aliás, preciso te contar algo.

     — Pode falar. — Laerte fez uma expressão de extrema atenção ao que ela dizia.

     — Lembra o que aconteceu depois que eu conversei com Romana?

     O príncipe anuiu.

     — Eu me perdi nos corredores, depois da conversa e... topei com Homero.

     O rapaz franziu o cenho, nunca sentira uma energia muito boa vinda do homem em questão.

     — Ele me convidou pra tomar um chá, eu fiquei sem jeito e aceitei. Depois que estávamos na sala dele, ele me disse umas coisas estranhas e... depois, quando eu tentei sair, ele...

     — Ele...? O que ele fez, Aveta?

     — Ele me beijou.

     — O quê? — Laerte ficou pasmo e logo o assombro deu vez à raiva. Ele se levantou e passou as mãos entre os fios de cabelo enquanto expirava com demasiada força. — Eu não acredito que aquele... — O rapaz pôs o punho fechado sobre a boca e deu meia volta, tentando dissipar o ódio com alguns passos pelo cômodo. — Eu falei que deveríamos tê-lo denunciado à corte.

     — E eu já te disse que seria minha palavra contra a do conselheiro de Salazar Dellonio. Você acha mesmo que nos dariam ouvidos?

     — Se vencermos isso, faço questão de escorraçar esse desgraçado daqui, eu mesmo! — bradou com uma das mãos na cintura e a outra em frente ao peito.

     — Não vamos precisar — Aveta murmurou, olhando para baixo.

     — O que disse?

     — Nada. — Sacudiu a cabeça para os lados. — Falei sem pensar. Vai lavar o rosto e ajeitar o cabelo, está quase na hora de descermos. — Se aproximou do rapaz e pôs as mãos suaves em seus braços. — Ele não vai fazer mais nada, eu não vou me aproximar, e você vai ficar do meu lado pra me proteger.

    Laerte assentiu a contragosto, lhe tirava a paz pensar que Homero havia se aproveitado de Aveta. Seria diferente se ela houvesse permitido, sentir-se-ia mal, mas não tanto quanto ao saber que ela não teve escolha ou escapatória. Seria capaz de matar Homero se estivesse presente na hora do acontecido.

     — Não demore — ela disse e lhe lançou um sorriso aprazível.

Algumas horas depois


     — Laerte, calma — disse a princesa entre gemidos malsofridos e ansiosos. — Vão ouvir a gente — continuou.

     Aveta estava de costas para a soleira do quarto, à meia luz, com o corpo prensado entre a porta e o peito de Laerte. As mãos firmes dele estavam paradas sobre a cintura da moça. O vestido não facilitava em nada o contato entre os dois. Os beijos se intensificavam a cada segundo, e Aveta percebera que estavam sendo escandalosos demais.

     — Sh! Laerte! — murmurou e pôs o indicador sobre os lábios dele. — Escuta.

     Eram passos do lado de fora. Os demais príncipes e princesas estavam voltando para os dormitórios.

     Aveta e Laerte haviam saído bem mais cedo que o de costume da sala das refeições, estavam ansiosos para saborear um ao outro mais um pouco, agora que podiam, queriam a companhia inteira o tempo inteiro.

     — Será que escutaram? — ele questionou.

     — Acho melhor nós nos deitarmos — disse a moça.

     — Quer juntar as camas? — sugeriu o rapaz com um olhar indecoroso.

     — Não. — Ela desviou-se dele e se afastou, aproveitando para retirar os sapatos.

     — Por quê?

     — Existe uma regra — ela disse.

     — Ela não foi empecilho antes. — Laerte cruzou os braços.

     — Antes nós éramos apenas amigos. Agora temos... você sabe. Você me beijou, eu gostei, e diante disso não é prudente ficarmos tão perto.

     — Impressão minha ou está com medo de quebrar uma das regras?

     — Eu? Não, Laerte. Óbvio que não. Eu só não acho que seja bom nos deitarmos juntos, dando brechas para que o inevitável aconteça. Eu não vou ser expulsa!

     O príncipe expirou, ela agira como o fazia sempre, e o pior é que ele gostava do gênio turrão e inflexível da moça.

     — Está bem — ele afirmou, sentou-se na própria cama e apoiou os cotovelos sobre as pernas. — Sabe o cronograma de amanhã?

     — Hm-hm. — Ela balançou a cabeça negativamente e bateu as unhas sobre a cômoda na qual estava encostada. — Mas é bom estarmos prontos. Não tem ninguém na final ainda, ou melhor, provavelmente tem. Mas em teoria, estamos todos no mesmo barco. — Aveta retirou os brincos e os jogou sobre o móvel. — Vou tomar um banho.

     A princesa caminhou até onde estava Laerte, se curvou, apoiando as mãos em suas coxas e encostou os lábios nos dele.

     — Vai dar tudo certo — sussurrou. — Acho que tive uma ideia pra uma coisa. Amanhã eu vou fazer uns cálculos e te digo.

     Ela caminhou até o banheiro e fechou a porta. Laerte deitou-se, olhando para cima, e pôs-se e indagar se aquilo era real ou um sonho. Aveta parecia tão inalcançável, ter um beijo dela por livre e espontânea vontade era como ganhar um troféu dos céus.

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