|Capítulo 29 - Perguntas E Repostas|
Talvez fosse seu último minuto naquele quarto, estava tão apegada a ele. Se fosse trocada como um objeto, teria que abandonar o seu cantinho. Aveta estava tão linda quanto abatida. Impressionante como as duas coisas podem caminhar lado a lado, mas os cabelos soltos, portando uma tiara no topo da cabeça, em contraste com o olhar lânguido e apagado, deixavam o sua figura parecida com uma pintura dramática. O ar altivo fora removido, deixando no lugar um pedaço de gente sem ânimo, frustrada e cheia de culpa.
Estava com o seu melhor vestido, um modelo que deixava seus ombros à mostra, ao mesmo tempo em que cobria o braço inteiro. O tom dourado destacava seu busto e ia se perdendo em um dégradé que voltava a mostrar a cor de ouro já em sua calda comprida. Os seus pés, incertos em seus passos suaves pelo quarto, eram suportados por um salto agulha que parecia fundir-se à sua pele, enroscando-se em seu calcanhar e suas pernas, como se fossem amantes separados pelo tempo.
A princesa aproveitou o tempo que Laerte levou no banho para pôr suas coisas dentro das malas, que ficavam embaixo da cama. Deixou-as sobre o colchão e, em cima de uma delas, o tabuleiro de xadrez, que não coube na bolsa devido à falta de organização que Aveta tivera ao jogar os seus pertences.
Ela caminhou até a janela e observou o Sol quase se pôr no horizonte. Aquele dia ela não havia almoçado, tomado café e muito menos saído do quarto. Ao contrário de Laerte que fez todas as refeições e ainda se permitiu um passeio pela biblioteca depois do almoço.
Assim que o rapaz abriu a porta, era possível sentir o cheiro de sabonete e o perfume que ele tinha, mesmo sem se banhar de colônia. Laerte terminou de abotoar o terno vermelho e ajeitou os cabelos em frente ao espelho. Não disse nada, apenas caminhou até sua própria cama e arrumou o lençol, deixando-o mais alinhado. Bateu no travesseiro algumas vezes e depois o afofou, colocando-o de volta no lugar inicial.
— Está pronta? — ele perguntou olhando mais uma vez o próprio reflexo.
Aveta assentiu. Laerte olhou para as malas postas sobre a cama e suspirou.
— Vamos.
Nos eventos da corte, os dois precisavam chegar juntos, então, mesmo que não quisessem, tinham de descer lado a lado.
Aveta encarou o quarto uma última vez, seus olhos deram uma volta completa do chão ao teto. Ela mordeu o lábio inferior e soltou o ar de forma lenta, pelo nariz.
Os dois se dirigiram ao salão principal, alguns casais chegaram no mesmo momento, John e Kaya já estavam lá.
Por um momento, Aveta sentiu inveja pela tranquilidade de John, o príncipe sabia que não seria trocado como uma mercadoria, não teria que deixar sua cama, seu lugar.
Homero apareceu, estava com um olhar calmo demais para quem ia destruir os planos alheios.
— Aproximem-se — chamou, de perto dos dois tronos. — À essa altura, todos já sabem como vai funcionar o evento de hoje. Mas, se ainda resta alguma dúvida, poderão saná-la neste momento. Primeiramente, os escolhidos pela corte foram observados, e levando em conta seu potencial individual e alguns outros... pontos — ele completou —, foi decidido quais seriam os agraciados com essa possibilidade. Segundo, gostaria de chamar de volta três pessoas que tiveram de deixar o jogo logo no início. Por favor, entrem rapazes — ele os chamou e os três surgiram da porta principal, acompanhados de alguns auxiliares.
— O quê? — Kaya sussurrou a John.
— Temos duas moças que podem vir a trocar seus pares, então, além dos que já estão na disputa, também terão a oportunidade de aliarem-se a algum deles.
John balançou a cabeça, vendo a injustiça que seria se caso fosse trocado por um daqueles homens que não passaram por nenhuma das provas.
— Como ficou claro no comunicado, a única chance dos substituídos permanecerem no jogo é se aliando. Porém, um substituído só poderá se aliar ao par de quem ficou em seu lugar. Ficou claro? — perguntou.
Todos eles assentiram.
— Ponham-se lado a lado, por favor — pediu, e eles o fizeram. — Agora, princesa Kaya, por favor. Queira nos dizer a sua escolha.
— Eu permaneço com o príncipe John — disse ela sem delongas, segurou a mão dele e sorriu. — Não posso terminar esse jogo ao lado de outra pessoa. Se eu passar por aquela porta, em breve, quero que seja ao lado dele — completou.
— Pois bem. — Homero olhou o papel em sua mão. — Felícia, sua vez.
— Eu... — Olhou para Henry e murmurou um pedido de desculpas antes de continuar: — Eu quero trocar por — Olhou para os rapazes, semicerrou os olhos e leu o nome do indivíduo no crachá em seu peito —, Gilbert.
O rapaz, que era um dos três eliminados no primeiro dia, sorriu. Henry, por outro lado, estava inconformado.
— Algum motivo em especial, princesa Felícia? — O anfitrião quis saber.
— Não senti a química que pode nos tornar futuros rei e rainha. As pessoas são diferentes do que vemos à primeira vista.
— Você vai se arrepender — disse Henry enquanto era conduzido pelos auxiliares até a saída. — Ouça, bem, Felícia. Irá se arrepender! Não poderia ter feito isso!
Ela olhou para baixo. Henry se debateu com tanta força que conseguiu soltar-se dos homens que o prendiam.
— Ela não pode ficar, Felícia e eu descumprimos uma das regras — bradou, olhando na direção da moça que ruborizou, constrangida.
— Henry, não.
— Ela dormiu comigo... No sentido figurado da palavra — ressaltou ajeitando as vestes.
— É mentira! — retorquiu a princesa.
— Ora, além do oportunismo e da falta de caráter, também é mentirosa. — Ele cruzou os braços.
— Essa é uma acusação muito grave — Homero se pronunciou. — Princesa Felícia, se for realizado um exame com o seu consentimento, podemos confiar de que não será acusada a relação?
Alguns dos presentes deram risos contidos, enquanto outros, impactados com a situação, apenas arregalaram os olhos e observaram a cena, com as mãos sobre as respectivas bocas.
Felícia gaguejou, sua respiração descompassou e ela passou a olhar para os lados de maneira frenética.
— Princesa!
— E-e-e-eu...
— Estão desclassificados os três. Felícia, Henry e Gilbert. Queiram se retirar.
— Não, não. Não acredite nele, é mentira! — tentou argumentar a jovem.
— Que maluquice é essa? — Ela andou até Homero, segurando o vestido, desesperada. — A Catarin matou uma das participantes. Ela ainda está aqui!
— Ela se defendeu, Felícia. Agora, por favor, se retire. Tenho que prosseguir com o evento. — Gesticulou com a cabeça, e dois de seus auxiliares seguraram os braços da moça, com certo cuidado.
Ela resistiu no primeiro momento, mas vendo que era inútil, deixou-se levar, juntamente com os pares que escolhera.
— Vocês dois também estão dispensados, não temos mais nenhuma moça escolhida para a troca. Muito obrigado — Homero proferiu olhando para os rapazes. — Agora, Germano.
O príncipe pareceu hesitante, olhou para Manuela algumas vezes e deu um passo para o lado, juntando mais o corpo no dela.
— Continuo com Manuela. Ela foi e será minha parceira até o último minuto. — O mar de dúvidas dissipou-se.
— Está certo. — Homero observou o último nome. — Príncipe Laerte.
Aveta engoliu em seco, percebeu o olhar imediato dele sobre Romana e a resposta dela, com um aceno, movendo a cabeça discretamente para baixo.
— Príncipe Laerte, por favor — Homero insistiu.
— Eu — Ele deixou a postura vacilar um pouco e piscou os olhos devagar —, permanecerei com Aveta.
A princesa demorou alguns segundos para assimilar que, pela segunda vez, ele tinha escolhido ela ao invés de Romana. Mesmo com tudo que havia feito.
Do outro lado, pôde ver a mais jovem murmurar sem som “Você prometeu”.
— Quer dizer algo, príncipe Laerte? — perguntou Homero, notando o olhar fulminante de Romana sobre o príncipe de olhos acinzentados.
— Não — ele respondeu.
— Pois bem, estão todos dispensados. Tenham uma boa noite — o conselheiro real despediu-se e se retirou, pela lateral.
Aveta ainda estava paralisada. Seus olhos estavam tanto vagos quanto perplexos. Procurou uma resposta, mas Laerte foi sucinto e objetivo. Pôs-se em sua frente deixando as faces bem próximas e sussurrou:
— Nunca mais duvide de mim, princesa.
Em seguida, o rapaz tomou a direção da saída, esfregando as mãos sobre a boca e deixando que desabassem em seu queixo. Ela deixou que ele fosse, não correu atrás, não quis mais indagar sobre nada.
Kaya, pé ante pé, sorrateiramente, segurou os ombros de Aveta por trás, chamando sua atenção.
— Ei.
— Kaya, está linda — respondeu a princesa misteriosa, abandonando seu transe.
— Você também. — Perscrutou o vestido da colega, reparando em cada cintilar que tremeluzia no tecido. — Impressão minha, ou você ficou surpresa com a decisão de Laerte?
— Eu? Não. Impressão sua, mesmo — respondeu, mas nesse momento sentiu o coração bater em um ritmo que não conhecia ainda. — Princesa Kaya, se me der licença, acho que preciso ir — completou com os olhos semicerrados e um meio sorriso formado nos lábios. — Nos vemos depois! — disse Aveta segurando a barra do vestido e correndo, literalmente, para fora do salão.
Aquela cena era digna de um filme de aventura, os cabelos voando, imitando o movimento do vestido, que, mesmo preso, ainda dançava acompanhando as pernas longas da princesa. Era um desafio correr com aqueles saltos, mas ela parecia graduada em elegância. Os arabescos das paredes já não incomodavam tanto, pelo menos não naquele instante. Na verdade, vistos de fora, ajudavam a compor a imagem esplêndida da moça em fuga, ou melhor, em procura.
Os passos foram ficando mais lentos gradativamente, até que ela parou em frente à porta.
Nunca pôs as mãos na maçaneta com tanta afoiteza. Girou-a de uma só vez e lançou-se para dentro do quarto. Só então percebeu o quanto estava alterada.
— Princesa Aveta, está tudo bem? — perguntou Laerte, que estava perto da janela, olhando para fora, quando foi surpreendido por ela; então aproximou-se.
A princesa assentiu recostada à porta e ofegando. As bochechas estavam coradas como um tomate maduro e o peito em movimentos incessantes, forçados pelo pulmão em trabalho assíduo.
— Tem certeza? — Ele colocou as costas da mão esquerda na bochecha dela, depois a deslizou até sua orelha, levando consigo uma mecha de cabelo que foi presa ali.
Ela continuou respirando de forma descompassada e sentindo o coração pular dentro do corpo.
— Eu... vim fazer uma pergunta — disse entre suspiros.
— Pergunta? — Laerte semicerrou os olhos.
— Por que não escolheu Romana? Eu quase fiz nós dois perdermos os pontos da última prova, eu venho te tratando mal nos últimos dias. Eu não confiei em você, mesmo você me ajudando quando eu precisei, eu não te...
Laerte a interrompeu da forma mais eficaz possível, juntando os seus lábios nos dela de súbito. Depois que as bocas já estavam em perfeita sintonia, deslizando macias, encaixadas uma na outra, o rapaz diminuiu a intensidade do contato e levou a mão livre à cintura da moça, enquanto com a outra ainda fazia um leve carinho em sua nuca. Aveta entregou-se ao beijo, pondo os dedos delicados sobre o terno e deslizando-os no tecido fino, desde os ombros até o peito do príncipe. A respiração sôfrega que se revelava à medida que as duas faces se afastavam, fortalecia o quão intenso fora aquele momento para ambos.
— Isso responde suas perguntas? — perguntou ele com um ar sacana, passando o polegar sobre o lábio inferior avermelhado dela. Enquanto a princesa ainda encarava a boca que, há pouco, estava enroscada na sua.
— Não deveria ter feito isso — ela disse.
— Por que não? — inquiriu o rapaz, confuso, já que parecia que ela também estava envolvida.
— Já leu “Um homem de sorte”?. Os sentimentos não podem ser ligados e desligados como interruptores de tomada.
Ele franziu a testa.
— E o que você quis dizer com isso, exatamente?
Aveta segurou o rosto de Laerte e depositou um beijo calmo em sua boca, outra vez.
— Isso responde sua pergunta?
O rapaz a puxou para seus braços e os dois se abraçaram tão forte que era quase impossível saber onde começava um e terminava o outro.
— Me perdoa por ter estragado tudo — ela disse.
— Só se me perdoar pelas coisas que eu fiz. — Eles se afastaram e desprenderam as mãos. — Acredite, me afastar de você foi a parte mais difícil desse meu plano imbecil.
— Vou pensar no seu caso. Me fez arrumar a mala à toa. — Aveta cruzou os braços e andou até a cômoda.
— Amanhã eu te ajudo a voltar tudo para o lugar — ele disse. — Agora acho que temos muito o que conversar. — O tom de voz de Laerte esmoreceu.
— Está me assustando.
— Vem, senta aqui.
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