|Capítulo 24 - Um Chá (nada) Agradável

Seria um jardim muito bonito estampado na pintura, se não fosse o tom escuro carregado demais no fundo da imagem. Era sombrio. O cômodo seguia a mesma linha, a mesa preta que ornamentava o espaço principal tinha uma enorme cadeira estofada atrás. Um computador um tanto obsoleto repousava sobre o móvel, que era apoio de algumas esculturas orientais, também importadas de muito longe para o reino de Salazar Dellonio.

A pele fria da palma das mãos de Aveta se chocou com a cerâmica quente da xícara dourada. Seria tão difícil engolir o chá quanto conversar algo produtivo com Homero.

- Então, princesa, está melhor? - perguntou ele enquanto servia um pouco do líquido quente à própria xícara.

- Consideravelmente - respondeu a moça, encarando os minúsculos cristais de açúcar não diluídos.

- Deve estar cansada, percebe-se que o seu companheiro usa muito do teu potencial estratégico e acaba por receber os louros das tuas conquistas.

- Laerte é um ótimo jogador, senhor.

- Ora essa, só Homero, por favor - disse ele, levando o recipiente à boca com os olhos erguidos.

- O meu companheiro é uma pessoa muito boa, eu o tenho com muita estima - mentiu, naquele momento ela não tinha certeza se ele era realmente a pessoa estupenda que mostrara ser no início.

- Vocês dois, por acaso, estão se envolvendo de maneira mais... como posso dizer?

- Se estamos juntos? - completou a pergunta do conselheiro real. - Não, temos uma amizade muito forte, mesmo com esse tempo bem pouco, mas relações sentimentais amorosas não são bem-vindas no momento - respondeu.

- Não vai beber o chá? - perguntou à moça, que forçou um sorriso, bebericou um gole do aperitivo oferecido e o sentiu queimar as papilas gustativas assim como parte da garganta.

Sentira no vapor o cheiro do álcool exalar enquanto evaporava, não era um chá de ervas, comum. Aveta contraiu a face.

- Perdoe-me, não lhe avisei que gosto de adicionar um pouco de conhaque ao chá para dar sabor. - Homero abandonou a xícara sobre a mesa. Ele estava sentado em uma das duas cadeiras em frente a ela, para ficar mais próximo da princesa. - Tem uma postura digna de uma princesa verdadeira, Aveta - comentou apoiando o cotovelo direito no estofado e molhando os lábios enquanto escrutinava a figura da mulher em sua frente. Os olhos dele pareciam mais luminosos, as veias completamente aparentes por meio braço à mostra davam a impressão de que era mais forte do que aparentava com as vestes habituais. Ela sabia que o era, sentira quando ele a segurou no corredor.

- Obrigada, senh... Homero. Mas acredito que todas aqui têm um grande potencial.

- Há uma enorme diferença, princesa Aveta. Poderia se passar por um membro da nobreza de sangue sem muito esforço. Os seus gestos, sua fala, o modo de pensar e agir. Até a forma como come.

Toda aquela observação a incomodava demasiadamente, e estava tornando-se inviável disfarçar.

- Agradeço tamanho elogio, mas continuo convicta de que é apenas impressão sua.

- Deixe-me lhe mostrar uma coisa - disse ele e se levantou. A moça permaneceu imóvel. - Venha, precisa ver isso com mais clareza.

A princesa ergueu-se com dubiedade, não estava acostumava a ingerir bebidas tão fortes e aquela situação lhe deixava desconfortável, mas tinha que manter a postura.

Homero a levou até uma cortina dourada, que puxou de uma vez revelando uma espécie de porta chumbada. Havia um aparelho fixado na parede, com alguns números e letras. A princesa o percebeu digitar uma sequência numérica e a anotou no pensamento.

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A parede moveu-se para o lado fazendo um barulho de "arrastar" que incomodava os tímpanos da moça; e para além dela, revelava-se um outro cômodo, era mais iluminado e continha um receptáculo em vidro, no centro. Dentro dele, reluzentes como duas luas em noites de verão, habitavam as duas coroas de Gérard e Yanna.

Guiada por Homero, Aveta caminhou até onde estava o símbolo maior da realeza e suas pupilas tremeluziram. O conselheiro sacou um molho de chaves de dentro do bolso da calça azul e, com uma delas, abriu a pequena porta que dava acesso às coroas. O homem esticou os braços, com cuidado, e pegou a que estava na parte superior, era menor que a de baixo.

- Venha - ele chamou enquanto andava até o espelho emoldurado, preso pelas extremidades nas paredes de cor clara.

A princesa parou em frente a ele e observou sua própria imagem, Homero deu dois passos para trás, deixando que a imagem dela prevalecesse no reflexo.

- Veja. - Ele ergueu as mãos e colocou cuidadosamente a coroa sobre os cabelos soltos de Aveta, depois deslizou suas mãos por seus fios e as pousou em seus ombros, deixando a face um tanto tombada para o lado esquerdo. - Sente o poder que ela carrega? - perguntou. - Consegue ver como vocês parecem feitas uma para a outra? - continuou.

Aveta observou sua imagem com a coroa sobre a cabeça e, por alguns instantes, não conseguia inspirar. Foi preciso cerca de cinco segundos para que voltasse à respiração normal. Sentiu que os dedos do homem atrás dela começavam a desbravar mais de seus braços, parando agora perto dos cotovelos.

- Veja como você exala nobreza pelos poros - disse ele, aproximando o nariz de seu pescoço. Depois a soltou e andou até o seu lado, colocando as mãos em sua cintura de forma que a figura dos dois parecesse um retrato. - Eu me orgulharia tanto se tivesse uma esposa com esse porte, essa beleza...

A princesa limitou-se a olhar para a própria imagem enquanto tentava não fazer alguma bobagem.

- E-eu acho que tenho que voltar ao meu quarto. - Levou as mãos à coroa e a retirou com respeito. - Obrigada por me oferecer essa experiência - disse a Homero antes de dar passos em direção à saída.

O conselheiro abandonou a coroa sem nenhum esmero sobre o móvel alto que compunha o ambiente e correu para alcançar a princesa antes que deixasse o primeiro cômodo.

- Espere! - Ele a segurou de súbito, de forma que a moça foi incapaz de conter o impulso de virar-se na direção dele.

Ela respirou ofegante, almejando ser solta de seus braços, mas a bebida lhe retirava os pontos de equilíbrio.

- Eu tenho que ir - falou. - Senhor...

Homero abaixou o rosto, invadindo de forma voraz os lábios da jovem, que levou alguns instantes para entender a situação. Seu corpo tentou empurrá-lo em repulsa, mas foi quase impossível cessar o contato das bocas antes que ele permitisse.

- Eu tenho mesmo que ir - ela disse e ele a soltou.

Aveta não olhou para trás, fechou a porta da sala onde tomara o chá e correu, literalmente, pelo corredor, até chegar em um ambiente conhecido. Infelizmente, o refeitório também lhe aguardava com algumas surpresas.

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