|Capítulo 22 - Dois Lados Da Mesma Moeda|
O reflexo pode enganar. Depende muito da posição do espelho, da sua curvatura, do material que o compõe e também da limpeza do objeto. Romana sabia que provavelmente aquele era o espelho mais luxuoso que olhara na vida, decerto que aquela era exatamente a sua imagem real. Com toda a olheira, sem maquiagem, o contorno das bochechas que ela achava a parte mais encantadora de seu rosto, e os cabelos com as pontas ligeiramente ressecadas. Os dias de prova começavam a se mostrar de forma mais ávida em sua aparência. Até mesmo as linhas de expressão pareciam mais visíveis, fazendo com que parecesse cansada. Seus dedos deslizavam vagarosamente pelo nariz fino, a boca rosada e o queixo proporcional, até que desabaram em seu pescoço, onde as mãos puderam sentir o nó de saliva descer pela garganta com dificuldade.
— Acha que temos alguma chance? — perguntou ela ao companheiro que estava sentado em sua cama, enquanto ele despejava o conteúdo de um vidro de creme hidratante na mão.
— Todas as chances — respondeu Kayo, sem olhar para ela.
Romana virou-se um pouco e recostou o braço na cadeira.
— Você não me contou o que conversou com Aveta antes do jantar.
— Bom, tendo em vista que a conversa que teve com Laerte ainda é um segredo completo. Eu não vejo porquê eu dizer.
— Nós tínhamos um acordo. Eu te falei que eu estou...
— Que está apaixonada pelo Laerte? — Kayo fez uma pausa e a encarou. — Disso todo mundo já sabe. Agora o conteúdo da conversa de vocês, isso é outra história.
— A gente... se beijou — disse ela. — Ele me chamou para perguntar como eu estava me sentindo depois da prova, eu comecei a chorar, ficamos muito próximos e aconteceu.
Kayo arregalou os olhos.
— Mas quem tomou a iniciativa? — perguntou ele, assim que recobrou os sentidos.
— Foi... — Ela parou por um segundo, era claro que estava pensando. — Ele. Foi ele que me beijou. Estava tentando me acalmar.
— Bom, então está dando certo. — Kayo deu de ombros.
— Eu não quero que ele fique com ela. Preciso convencê-lo de trocar de par no dia em que isso for colocado por Homero. Assim você fica com a princesa Aveta e nós seguimos nosso caminho. Era isso queríamos desde o começo.
— E você tem certeza que vai ser possível? — Kayo rosqueou a tampa do frasco e o jogou sobre um dos travesseiros.
— Catarin me garantiu. Disse que Laerte foi um dos escolhidos pela corte para decidir se quer trocar de par. Assim como Kaya. Ele só precisa dizer que sim e me escolher. Só isso.
— Okay. — O rapaz cruzou os braços. — Mas acha que a aproximação de vocês já é o suficiente para que ele queira escolher você?
— Não tenho certeza — balançou a cabeça —, mas vou dar um empurrãozinho.
Kayo soltou um riso frouxo.
— E que empurrão é esse? Vai pedir para encontrá-lo outra vez?
— Não. Vou conversar com... — Romana voltou a olhar para o espelho e, encarando Kayo pelo reflexo, continuou: — Outra pessoa.
Havia um par de olhos claros, paralisado, imóvel, fixo em uma figura feminina. Na manhã anterior, Laerte saíra com cuidado antes do despertar da princesa misteriosa, mas não aquele dia. Ele queria ficar ali, sentindo o bater calmo do coração da moça até que ela acordasse. Estava encolhida como uma criança, com a cabeça afundada no peito dele. Ele indagava a si mesmo se não estaria sufocando-a e tentava deixar o corpo em uma posição que a permitisse respirar, mas quanto mais tentava dar espaço, instintivamente ela se aproximava e voltava a aconchegar-se em seu calor.
Os raios de sol atravessavam em feixes finos a persiana, não deixando que o escuro tomasse o local por inteiro. Estava começando a esquentar, e foi a mudança de temperatura que despertou os primeiros sentidos de Aveta. Primeiro levou as mãos ao rosto, sem entender muito bem onde estava, até que recordou-se da noite anterior. O primeiro pensamento foi de recusa, pensou em afastar-se e dizer algo muito mal-humorado, mas a força de repulsa ao ato premeditado foi maior do que ela poderia imaginar e, diante disso, só conseguiu dar um sorriso contido, que tentou esconder contorcendo a face.
— Está tudo bem, princesa? — Laerte inquiriu.
Aveta assentiu com um balançar de cabeça e foi apartando o corpo do rapaz, devagar.
— Que hora são? — perguntou. — Parece que dormi por um ano.
— Ainda é bem cedo, não se preocupe.
— Eu vou jogar uma água no rosto e...
Aveta foi interrompida por duas batidas na porta. Olhou para trás, já que estava de costas para a entrada e viu um papel passar pelo vão de baixo. Já sabia que não era nada do reino, eles não avisavam quando entregavam as cartas. A moça se levantou da cama, o pegou e abriu com cuidado. Era uma carta escrita à mão, não estava dentro de algum envelope ou algo do tipo. Aveta acendeu as luzes e pôs-se a ler o que estava escrito.
— É de Romana — disse.
— O-o que ela quer? — Laerte gaguejou.
— Disse que quer conversar comigo depois do café da manhã, na biblioteca.
— Eu não acho prudente você ir — disse Laerte.
— Por que não? — Aveta dobrou o papel e semicerrou os olhos. — Por acaso existe alguma coisa da conversa de vocês que eu não saiba e você não quer que ela me conte longe de você?
Laerte arregalou os olhos e se ajeitou na cama.
— Claro que não, Aveta. Só acho que é tempo perdido.
— E com você não foi?
— Eu estava tentando colher informações — o príncipe rebateu.
— Também farei isso, Laerte. Está nervoso por quê?
— Porque ela pode querer contar a versão dela sobre a nossa conversa, e eu sei que ela vai dizer coisas que não são verdadeiras.
Aveta se aproximou, voltou a se sentar e cruzou os braços:
— Então me conta você. O que ela pode tentar distorcer? Sou toda ouvidos.
— É que... — Laerte ergueu o tronco e o inclinou para frente. — Aconteceu uma coisa, que depende muito do ponto de vista.
— Anda, Laerte!
— Calma. Acontece que, quando eu fui conversar com Romana, a gente... a gente...
— Vocês se beijaram. Tá, e daí?
— E-e-espera. Como?! — Laerte arqueou as sobrancelhas. — Você não liga? — perguntou, parecia desapontado.
— Eu presumi que tinham se beijado, aliás, já achei que tivesse acontecido antes, mas vi que foi só agora mesmo. Deu pra notar. Enfim, isso já foi assunto entre nós, prometemos que faríamos o que fosse para que conseguíssemos vencer o jogo, eu não tenho memória curta, Laerte. Foi o nosso combinado. O que eu exijo de você é a sua lealdade, só isso.
Os olhos de Laerte pareciam confusos.
— Mas, nós dois, nós...
— Nós estamos desenvolvendo uma relação de cumplicidade. Amor e contato carnal é outra questão. Se isso chegar a acontecer entre nós, pode ter certeza que você vai saber exatamente com o que eu me incomodo.
— Está dizendo que não me deixaria ficar a sós com Romana?
— Deus me livre. Essa posse, esse controle, isso é ridículo. Mas você teria noção das consequências que trariam a sua infidelidade. — Aveta deu um sorriso fechado e, de certo modo, sarcástico. — Era essa sua preocupação?
Laerte soltou o ar pela boca e assentiu, passando a mão pelos cabelos.
— Fique calmo, conquistador — disse ela, se levantando. — É um jogo. — Sua voz ecoou enquanto entrava no banheiro.
— É — ele sussurrou. — É só um jogo. — Suspirou.
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