|Capítulo 21 - Quase Quebrando As Regras|
O silêncio era o rei do momento. O som seco dos sapatos do casal ressoava por toda a extensão do corredor. Aveta mantinha a postura, e Laerte não conseguia dar mais de dois passos sem encará-la. Quando por fim chegaram ao quarto, ele esperou que ela fechasse a porta e não conteve a vontade incontrolável de falar:
— Você e Homero pareciam bem próximos.
A princesa vacilou em sua fala e seus olhos tornaram-se opacos.
— Impressão sua — respondeu enquanto tirava os sapatos. — Não como você e Romana.
— Eu só fui perguntar se ela estava bem depois da prova.
— Entendi. — Ela foi em direção ao banheiro, mas antes de entrar, virou-se para Laerte. — Sabe o que é engraçado? — questionou retoricamente, e ele cruzou os braços. — Kaya e John, que são nossos aliados no jogo até o momento, não eram problema nosso. Agora a Romana é problema seu, não é? — Semicerrou os olhos. — Irônico isso. — Volveu o corpo para a toalete e fechou a porta antes que ele pudesse responder.
Laerte, do lado de fora, sacudiu a cabeça para os lados e riu enquanto retirava o paletó.
Dentro do espaço pequeno, Aveta abriu o chuveiro e molhou primeiro a cabeça, sentindo um formigar que valsava pelos seus braços, tronco e se findava nos pés. Sozinha relembrava as falas de Homero enquanto sentia a água escorrer por seu corpo. Os olhos fixos nela, o toque em suas mãos... Suas pernas bambearam, algo queimava em seu interior. A impressão que tinha era que as vísceras iriam se pôr fora do corpo. A princesa abriu o box de vidro e se debruçou sobre o vaso, deixando com que o líquido azedo escapasse de sua boca. O estômago não suportou toda a pressão. Sentia-se fraca, talvez quisesse ter feito aquilo durante o jantar, mas precisava manter a pose. Precisava parecer uma mulher forte, destemida e confiante.
Depois de regurgitar o jantar e a sobremesa, Aveta tossiu numa tentativa de limpar a garganta. Seu corpo pálido e sem forças estava prostrado ao chão, ainda molhado e com resquícios de sabão.
No instante em que tentava recuperar um pouco do vigor para ficar de pé e terminar de se lavar, a princesa ouviu batidas na porta.
— Aveta! Está bem? — Laerte perguntou. — Ei, Aveta? — insistiu.
— E-eu... — Ela passou a mão sobre a boca e a pousou sobre o pescoço. — Estou. Foi só... alguma coisa que eu comi.
— Tem certeza? — perguntou ele com o corpo bem próximo da porta. — Não quer ajuda?
— Não. Não precisa — respondeu forçando a voz para parecer mais forte.
Aveta apoiou-se na louça do sanitário e se levantou, escorou as mãos na parede e voltou para debaixo do chuveiro. Precisava aparentar saúde.
Laerte observava as duas camas, com as mãos na cintura, tentando encontrar uma maneira de a arrumação parecer menos desengonçada. Mas não teve êxito em sua pressa, a porta do banheiro foi aberta antes dos ajustes finais.
— O que é isso? — Aveta questionou, os seus olhos confusos vagavam pelo cômodo.
— O que parece? — redarguiu ele com um sorriso nos lábios.
— Parece que você ficou maluco. Sabe que não podemos dormir juntos, se eles souberem vão...
— Não podemos transar. — Ergueu um dedo, ainda observando a geringonça que montara. — Não dizia nada sobre juntar as camas.
— Que seja. — Ela caminhou até a própria cômoda e abriu uma das gavetas. — Você não me pediu permissão.
— Eu estou aceitando as suas desculpas. Dizem que um gesto vale mais que mil palavras — disse ele.
— Eu não te pedi desculpas. — Ela sacou um pente do meio das roupas.
— Verdade, "perdão" foi a palavra. Tem razão, "desculpa" não é tão pesado — retrucou o príncipe, gesticulando com caras e bocas. — Vou tomar um banho. O lado direito do beliche de chão é meu. — Apontou para as camas juntas, com os lençóis de solteiro virados na horizontal, um completando o outro, para forrar completamente os colchões.
— Você sabe que o nome disso é cama bi-partida, né?
— Eu sou o criador, princesa. Eu dou o nome que combinar. Se eu quiser, eu chamo de Aveta.
— Quê?
Ele riu e fechou a porta do banheiro em seguida.
Enquanto desembaraçava os fios longos, Aveta sorriu verdadeiramente naquela noite. Ele estava de volta, falando com ela como sempre falava. Sentiu-se realmente perdoada por ter vasculhado suas coisas.
Do outro lado, Laerte percebeu que tinha feito o certo. Depois de ter a certeza de que ela estava se sentindo mal e não quis que ele a ajudasse, teve em sua cabeça um pensamento tão forte que era quase um reflexo sentimental, de que precisava retomar a ligação que eles tinham. Ela estava vulnerável, ele a ajudou. Agora era o momento de mostrar que eram verdadeiros parceiros, e mesmo que os dois fossem falhos, estariam ali um para o outro.
Quando o príncipe saiu do banho, deparou-se com a princesa deitada, ela estava com os olhos fixos na janela, era possível ver as estrelas no céu, pelo vidro.
— Quer que eu deixe a persiana aberta? — perguntou Laerte.
— Não, pode fechar.
Ele caminhou até a janela, fez o que havia dito e apagou a luz principal do quarto, antes de se deitar, deixando apenas os abajures ligados. Havia um em cada lado. As cobertas estavam jogadas uma sobre a outra, formando um só espaço para que os dois se esquentassem.
— Com a sua licença, princesa Aveta. — Laerte cobriu as pernas e se deitou, olhando para o teto.
A princesa estava virada para ele, quase em posição fetal. A camisa branca estava molhada pelo cabelo solto e a calça de bolinhas azuis deixava suas pernas protegidas do frio.
— Ele estava tentando se aproximar de mim.
— Oi?
— Homero — disse ela, depois piscou os olhos lentamente, abraçando a uma almofada. — Ele disse umas coisas.
— Por que não me disse antes?
— Estou dizendo agora.
— O que ele falou?
— Disse que a prova foi necessária, que eles não são maus, e que está preocupado comigo — ela contou. — Depois me tocou... Digo, pôs as mãos sobre as minhas, embaixo da mesa.
Laerte expirou com força, visivelmente incomodado.
— Deveríamos denunciá-lo à...
— Não, Laerte. — Aveta balançou a cabeça. — Ainda não.
— Ele te constrangeu.
— Você tem provas?
Laerte molhou os lábios e a encarou.
— Tem que ter um jeito.
— O jeito é eu não me aproximar dele, de forma alguma — disse a princesa.
O príncipe virou o corpo inteiramente para o dela, e ela arrastou o seu para junto dele. Apesar de surpreso com a liberdade, ele retribuiu a aproximação colocando a mão esquerda na cintura dela e segurando uma de suas mãos com a direita, próxima ao rosto dos dois.
— A gente vai ganhar isso aqui. — Ele deu um beijo na pele fria da moça por impulso. — Não fica assim.
A jovem suspirou vagarosamente.
— Obrigada.
— Pelo quê?
— Por ter voltado a me tratar desse jeito.
Laerte sorriu e fechou os olhos.
— Era só um susto.
— Não faz mais isso. Eu precisei de você. E eu não sabia se deveria pedir ajuda, você estava tão... diferente.
Laerte voltou a afastar as pálpebras.
— Você precisa admitir que não pode ser essa fortaleza o tempo inteiro. Faz bem ser cuidada de vez em quando. — Ele cerrou os olhos. — E mexer nas coisas das pessoas também não é legal, moça — brincou.
— Já disse que me arrependo.
— Eu sei, eu sei... — Laerte apertou a mão dela com força. — Agora tenta dormir. Hoje foi um dia muito cansativo.
— Não sei se consigo. Parece que o sentimento de ontem não quer me abandonar.
— Vem aqui. — Laerte soltou as mãos da princesa, abriu os braços e a aninhou em seu abraço, como fizera na noite anterior. — Isso vai passar. — Deu um beijo no topo da cabeça dela. — Eu prometo que vai.
Aveta sentiu como se a voz dele fosse um calmante, era como ser embalada pelo barulho das ondas. O movimento da respiração dele, subindo e descendo, ajudou ainda mais na calmaria que ela precisava instalar à força em seu ser. Permitiu-se sentir todas as sensações que aquele momento proporcionava. Os olhos pesaram e ela finalmente conseguiu dormir.
Laerte permaneceu acordado, tentando entender como tão pouco tempo dentro daquele lugar parecia tanto. E como aquilo se manifestava nele de diversas maneiras. Como por exemplo, naquele momento, teve quase certeza que sentiu o coração bater mais forte enquanto observava Aveta deitada em seus braços.
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