|Capítulo 20 - Provocação|

     O Sol já havia se escondido, os casais estavam prontos a caminho do salão principal. Aveta ainda estava desconfortável, passara o dia todo tentando reavivar o humor de Laerte, um tanto desapontado com ela. Ele cumpriu o prometido, não saiu de seu lado um minuto sequer durante o dia, mas era claro que não gostara nada da intromissão da princesa em suas coisas.

     — Você está bem? — ela perguntou, ele caminhava calado.

     — Estou. — Laerte limitou-se a responder.

     — Será que Kaya conseguiu descer? Digo, ela também estava mal.

     — Provavelmente. Mas não é um problema nosso, exatamente. Não se esqueça que quase perdemos a prova anterior porque os dois nos atrasaram — disse o príncipe.

     — É. Tem razão.

     Os dois chegaram ao salão e se encaminharam para perto de uma das paredes, no fundo. Algumas pessoas já estavam lá, outras ainda não. Os criados se ocupavam com a ornamentação da mesa principal, era cedo. Os tons de vermelho e dourado muito se assemelhavam ao vestido que Aveta escolhera para o momento.

     — O que foi? — ela questionou.

     Laerte não parava de movimentar o pescoço para um lado e para o outro, seus olhos estavam ávidos à procura de algo que ela ainda não decifrara o que era.

     — Nada, eu... já volto. — Ele ajeitou o botão do paletó e caminhou para o outro lado do salão, perto da porta.

     A princesa o observou atravessar o lugar a passos longos e rápidos.

     — Mas o q... — murmurou a si mesma com os dentes semicerrados, quando percebeu até quem ele caminhava.

     Romana acabara de chegar, acompanhada de um casal discreto que mal falava com os demais. Eles pareciam entrosados. Laerte abriu um sorriso e se aproximou dos quatro. Aveta tentou desviar os olhos e fingir que não se importava, parecia uma provocação clara, e ela não iria ceder aos jogos infantis do parceiro. Alguns segundos depois de o príncipe de olhos acinzentados se juntar aos demais nobres temporários, ela o viu apontá-la no fundo do salão. Em seguida, Kayo, dupla de Romana, sorriu e acenou para a companheira, antes de movimentar-se na direção da princesa misteriosa.

     Laerte a encarou de longe e deu uma piscadela antes de cochichar algo no ouvido de Romana e, depois do assentir afoito dela, retirou-se do salão na companhia da jovem.

     — Aveta? — Kayo indagou, com um sorriso no canto dos lábios e a malícia explícita nos olhos.

     — Sim. E você é o...? — Ela sabia perfeitamente quem ele era, mas fingir que não sabia a deixava um patamar acima no ranking invisível de importância que existia entre todos os casais.

     — Kayo. Sou parceiro da Romana, aquela que está conversando com o... — Ele olhou para trás. — Ué, eles estavam ali agora mesmo.

     — Foram para o exterior do salão enquanto você vinha — respondeu. — Não se incomoda, não é mesmo? Afinal, você também está aqui — salientou.

     — Claro que não, princesa. — Se aproximou mais, de modo que já era possível ver o contorno de suas pupilas castanhas. — Eu sei que ela queria tê-lo escolhido, na verdade. Então se Romana quer um pouco de atenção, quem sou eu para impedir. — Kayo soltou um riso nasalado. — Ela também não era minha primeira opção de escolha, mas aqui estamos, então acho que não existe nada demais.

     — Claro que não. — Aveta inspirou e expirou devagar, pensando no que dizer para aproveitar a situação, mas não foi necessário.

     — Você não apareceu hoje no café da manhã, nem no almoço. Todos ficaram muito preocupados.

     — Preocupados ou curiosos? — ela rebateu.

     — Depende de quem. Eu me preocupei — disse ele, em um tom sugestivo. — Seria uma lástima você ir embora sem que eu pudesse lhe cumprimentar melhor.

     Aveta sorriu e olhou em direção à porta.

     — Kayo, acho que já podemos escolher nossos lugares à mesa. — Ela olhou para o centro do salão. — Quer se sentar ao meu lado? Assim podemos conversar melhor — sugeriu.

     — Claro. Mas e os outros — referiu-se a Laerte e Romana.

     — Bom, se não sobrarem lugares perto de nós — ela disse e sorriu —, azar.

     Kayo estendeu o braço a ela, e Aveta detestava aquele tipo de formalidade e cavalheirismo. Todavia poderia ser interessante para o jogo que ele pensasse que ela estava lhe dando corda. Aceitou que fossem juntos até os lugares.

     O príncipe puxou uma das cadeiras reservadas para os concorrentes, na ponta, perto da cabeceira. Estrategicamente pensando que Laerte, ao chegar, não poderia sentar-se ao lado dela. Aveta quase recusou, mas não queria dar a entender que se importava tanto com Laerte a ponto de guardar um lugar vago ao seu lado.

     — Obrigada — ela disse, antes de se sentar.

     Não houve muito tempo para que entrassem em algum assunto mais profundo, logo os outros começaram a chegar, inclusive Kaya e John, que estavam calados e pareciam não querer conversa.

     Por último, os pares dos dois. Romana esperou que Laerte puxasse a cadeira para que ela se sentasse, tendo em vista que seu par já estava muito bem acomodado, mas o príncipe com quem estava conversando do lado de fora não o fez. Ele estava ocupado demais encarando Aveta, com os olhos esbugalhados e a face contorcida. A princesa acenou movimentando os dedos com suavidade e deixando um pequeno sorriso escapar enquanto o encarava de volta.

     Sem ter muitas opções, Laerte puxou a própria cadeira e se sentou também, ao lado de Romana.

     Assim que todos eles se encontraram alocados, Homero desceu as escadas laterais do salão, trajando um terno azul. Como sempre, com uma postura digna de um rei.

     — Príncipes e princesas. Recebam a corte de Salazar Dellonio — disse ele, apontando para a escada.

     Foi um desfile de elegância e soberba. Pareciam se sentir melhores que qualquer outro ser do universo. As mulheres, quatro, ao todo, vestiam vestidos de cor semelhante, com pequenas mudanças singelas nos traços e na costura. Os homens usavam ternos pomposos de tecido rico. Eram pessoas de idades variadas, a mais nova deveria ter certa de trinta e cinco anos, era uma duquesa.

     Aveta sorriu enquanto batia palmas, aquela que parecia ser a mais jovem, era também a criada que fazia anotações na primeira prova. A teoria de Laerte estava certa. Pois além disso a corte, no primeiro dia, era composta por quinze pessoas, e ali só havia oito seres extremamente antipáticos. Eles se acomodaram nas cadeiras douradas dispostas no extremo oposto da mesa, enquanto Homero se pôs ao lado de Aveta, na cabeceira. Na oposta, sentou-se uma senhora com cara de poucos amigos, parecia ter asco do restante dos presentes, mesmo sendo membros da corte os que estavam à sua esquerda e direita.

     Os criados começaram a servir o jantar. Vários tipos de saladas foram oferecidos, frutos do mar, massas. Existia comida para todos os gostos.

     Durante a metade do tempo, pouco foi dito, muito foi observado.

     Enquanto espetava um pedaço de tomate com o garfo de prata, Aveta sentiu a respiração de Homero tocar de leve sua mão e olhou em direção a ele.

     — Está bem, princesa? — perguntou, com os olhos semicerrados.

     — Estou, sim — respondeu de maneira tranquila, mesmo que por dentro as emoções dissessem o contrário.

     Ela imaginou que seria o bastante, Homero não costumava falar diretamente com eles.

     — Chegou a mim que você não saiu de seu quarto hoje. Nos preocupamos — disse ele, enquanto bebericava um gole de vinho.

     Aveta engoliu com dificuldade a pequena porção de salada que levou à boca, não esperava aquela conversa.

     "Preocupado comigo, mas fez a pior coisa que um ser humano poderia fazer. Como se eu acreditasse" pensou.

     — Eu sei que parece que somos malvados — disse ele em sussurros. As pessoas conversavam entre si, mas os olhos vez ou outra pairavam sobre a conversa do anfitrião com a princesa. — Mas a prova foi necessária. Era algo que precisávamos fazer.

     — Eu entendo — ela mentiu. Em seguida passou o guardanapo sobre a boca. — Só precisei de um tempo para me recuperar. — Abaixou as mãos para voltá-lo ao colo.

     — Se precisar de alguma coisa — Homero tocou sua mão esquerda, por baixo da mesa —, qualquer coisa... É só pedir para um dos meus auxiliares me chamar — murmurou. — Eu não quero mais que suma assim, sem dar notícia.

     Ela assentiu, não sabia exatamente o que pensar naquele momento.

     — Fica entre nós — Homero disse sem som, apenas movimentando os lábios, em seguida piscou o olho direito e recuperou a postura em seu lugar.  

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top