|Capítulo 18 - Cumprindo Promessas|
Os cílios perfeitamente simétricos e curvados se entrelaçavam na face corada da princesa, os seus olhos estavam pesados e inchados. Perdeu a noção de quantas horas ainda chorara, molhando a camisa de Laerte durante a noite. Sentia um vazio em sua cama, e ele foi comprovado quando afastou as pálpebras. Não, ele não estava mais lá, abraçado a ela.
“Deveria ter desconfiado da promessa”, ela pensou. Na sua cabeça, aquela encenação da noite anterior não passava de um fingimento barato. Arrependeu-se de ter demonstrado fraqueza a ele.
Aveta esfregou os olhos e foi erguendo o corpo lentamente. Juntou as pernas e ficou em posição de lótus sobre o colchão. Ainda era cedo, mas já era possível ver o Sol imponente atravessar a janela. A princesa estava pronta para ficar de pé e ir até o banheiro quando escutou o barulho da maçaneta girar e a porta ser aberta. Uma figura um tanto desengonçada, por estar com as mãos ocupadas, passava por ela.
— Bom dia, princesa — disse Laerte, antes de dobrar a perna e bater a porta com um solavanco impulsionado por ela.
Carregava uma bandeja menos pomposa que a do dia anterior, a que fora deixada pela equipe de Homero. Dentro dela havia uma maçã verde, dois pães, geleia, um copo de suco e um pote de biscoitos amanteigados.
O príncipe, que estava ainda vestido com a roupa do dia anterior — nada formal, diga-se de passagem —, foi até a cama de Aveta, colocou a bandeja sobre o lençol amassado e sentou-se. A moça o encarava com a testa franzida.
— Imaginei que não fosse querer se juntar aos outros — disse ele. — Aproveitei que ninguém saiu dos quartos ainda e fui até o refeitório furtar o seu café.
— Obrigada, Laerte. Mas eu estou sem fome — respondeu Aveta, com um aceno negativo.
Os dois ficaram em silêncio, encarando um ao outro. Era claro que queriam falar sobre a noite anterior, mas nenhum deles tinha coragem. Laerte pigarreou com a mão em frente à boca, e a princesa desviou os olhos para a janela.
— Vai ser um dia quente hoje. — Ela tentou disfarçar.
— Aveta, o que aconteceu? — Laerte a interrompeu. — Ontem, na prova. O que aconteceu?
— Eu não quero falar sobre isso.
— Eu vou ficar sabendo de qualquer forma.
— Vai perguntar para Romana, sua princesinha?
— Não precisarei perguntar a ela, se você me disser o que aconteceu. Eu quero saber de você, porque foi você que eu vi chorar — redarguiu o príncipe, tombando o tronco para frente a fim de deixar o seu corpo mais perto do dela.
— Laerte — Aveta engoliu seco, piscou algumas vezes e respirou fundo —, foi... horrível.
— Fizeram algum mal a vocês?
— Não diretamente — disse a princesa com os olhos fixos na bandeja, mas o pensamento longe. Ela molhou os lábios e continuou: — Esse jogo me parece mais doentio a cada dia. Eu sabia que seria insano, mas não tanto.
— Não entendo ainda, Aveta.
— Foram os... os nossos bichinhos.
Laerte arregalou os olhos.
— Então o barulho aquele dia...
— Era. Estavam todos lá, tão inocentes e amedrontados e... — Aveta contraiu a face e colocou a mãos sobre a boca, aquilo lhe embrulhava o estômago. — Eles nos deram três opções — relembrou.
— Aveta, não precisa continuar — ele disse, mas ela ignorou.
Ela olhou no fundo dos olhos de Laerte e ele colocou a mão sobre a dela.
— Eu escolhi a menos pior — ela afirmou. — Ele confiava em mim, ele se sentiu protegido quando me viu, quando eu acariciei as orelhinhas dele e os pelos macios... Eu o traí. — Aveta estava chorando mais uma vez. — Eu quis morrer depois disso, eu quis sair daqui e ir embora. Eu quis desistir, Laerte.
— Foi o que Lorena fez, não é?
Aveta assentiu.
— Ela pegou o gato e foi embora. Era o que eu deveria ter feito.
— E as outras? — Laerte quis saber.
— Catarin pareceu nem ligar. Eu duvido até mesmo que o lagarto era dela — comentou. — Romana desmaiou, e a Kaya também não ficou nada bem depois que o passarinho se foi.
Os olhos de Aveta estavam perdidos em meio à dor.
— Ei, vem aqui. — Laerte estendeu os braços.
A princesa hesitou, não sabia se deveria fazer aquilo outra vez. Estava se mostrando dependente demais, ela não gostava daquela sensação. Todavia foi impossível resistir à tentação de um conforto. Sem Baltazar, o pouco de afeto que tinha fora embora. Aveta virou o corpo de lado e se aninhou nos braços de Laerte, enquanto sentia sua pele ser aquecida pelos braços dele.
— Como será que encontraram os animais de vocês?
— Não sei. Mas eu não culpo a responsável pelo Baltazar. Depois do que eu vi hoje, eu sei que eles poderiam fazer qualquer coisa para conseguir o que querem — ela disse com a voz entrecortada.
Foi nesse momento que um envelope passou por baixo da porta.
— Espera aqui — disse Laerte, antes de desvencilhar-se dela.
Ele pegou o papel, o abriu e leu o que estava escrito. Depois o dobrou novamente e pôs sobre a cômoda da princesa.
— O que é?
— Diz que hoje o dia é livre, e à noite o jantar será à mesa da corte, no salão principal — respondeu, enquanto caminhava de novo até ela.
As pupilas de Aveta, envoltas no véu vermelho que cobria os seus olhos, acompanharam o rapaz até sentar-se novamente ao seu lado, mas, dessa vez, ele escorou-se na cabeceira e a chamou. Ela voltou a se aconchegar em seu peito e esfregou o nariz vermelho.
— Hoje nós vamos ficar aqui — disse ele.
— Você precisa sair, precisa ter informações sobre os outros.
— Não, senhora.
Ela olhou para cima e o príncipe a encarou de volta, com um falso ar bravo.
— Não vou te deixar aqui sozinha.
— E o que vamos fazer o dia inteiro enfiados aqui? — perguntou ela, mas se arrependeu no mesmo instante.
Certamente ele iria fazer qualquer piada imbecil de duplo sentido.
— Podemos jogar xadrez — ele disse, deixando-a perplexa. — Preciso descobrir como você é tão boa nisso. — Laerte semicerrou os olhos.
Aveta deu um meio sorriso.
— Mas só depois de você comer alguma coisa.
A princesa assentiu, estava mais calma.
— Laerte. — Ela se levantou um pouco. — Eu preciso confessar uma coisa.
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