|Capítulo 16 - Maçã, Segredos E Perfume|
Era uma sensação desconfortável tentar abrir os olhos e não conseguir. No entanto, por mais que tentasse, não podia afastar as pálpebras. Era o reflexo do cansaço que se instalou no corpo da jovem princesa. Ela respirou de forma compassada até ter força para encarar a o lado exterior.
Nos primeiros segundos, não sabia onde estava, era como se fosse um lugar estranho. Depois começou a reconhecer as paredes, o teto, os móveis, a cama do outro lado. Enfim recuperou a consciência completa.
Aveta apoiou os braços na cama e ergueu o corpo, girou o pescoço para os lados e pôs uma das mãos na cabeça.
— Laerte — chamou uma vez.
A moça franziu o cenho, ainda com os olhos semicerrados por conta da claridade, e esticou o tronco para frente, a fim de saber se o rapaz estava no banheiro.
— Merda. — Pôs os dedos nas têmporas, sua cabeça doía.
Ela se levantou devagar, calçou os chinelos e caminhou até a cama do rapaz. Lembrara-se de que ele havia informado sobre os analgésicos. Ela se sentou, abriu a primeira gaveta e se deparou com algumas meias, gravatas de várias cores e um pacote que ela julgou ser o local onde o príncipe guardava suas roupas íntimas.
Foi para a segunda. Era lá onde estavam as camisas.
A terceira era sua esperança, não queria mais vasculhar as coisas dele.
— Onde que isso está? — murmurou puxando as blusas de manga para o lado.
Atrás de uma peça preta lisa, viu brilharem algumas cartelas. Enfiou a mão na abertura da gaveta, onde era mais fundo, e puxou três delas.
— Dipirona sódica monoidratada — leu, abriu a proteção de alumínio e jogou um comprimido na boca. Engoliu a seco, contraindo a face.
Estava pronta para devolver o restante dos remédios para o seu devido lugar quando notou que, além de medicamentos, também ali havia o livro que Laerte sempre lia. Por mais que fosse algo irrelevante no primeiro momento, sentiu-se curiosa para saber sobre o que ele falava. A capa não dizia muito, era apenas a imagem de uma ave, que parecia ser uma águia, e o título dizia “Sanguinário”. Ela olhou uma vez para a porta e voltou os olhos ao livro. O pegou, observou o verso por alguns segundos e o abriu. Era uma ficção fantástica. Enquanto lia as palavras da primeira página, notou que algo saltava do meio do livro. Eram algumas folhas de cor diferente, destoavam das demais páginas. Incitada a descobrir o que era tal proeminência, Aveta virou página por página até chegar onde aquela estava, para não a retirar da marcação.
A princesa desdobrou os papéis com cuidado, mantendo o livro aberto sobre o colo.
— Doença de Farby — sussurrou as primeiras palavras e continuou os murmúrios, enquanto seus olhos ávidos passeavam pela primeira folha. — ... sobrecarga lisossomal progressiva, hereditária multissistemica caracterizada por manifestações específicas neurológicas, cutâneas, renais, cardiovasculares, cócleo-vestibulares... — Pulou para a próxima página, com pressa. — A dor é um sintoma comum no início da doença de Farby... Alterações da córnea, zumbido, fadiga crônica, anomalias cardíacas e cérebro-vasculares — continuou, pulando para as partes que julgava serem mais relevantes. — Danos progressivos para os sistemas de órgãos vitais, possivelmente levando à falência de órgãos e... — Ela parou de ler quando escutou barulhos no corredor, eram vozes. O tempo que teve foi apenas o suficiente para fechar o livro e jogá-lo dentro da gaveta.
A maçaneta girou e a voz cortante de Laerte ressoou no cômodo:
— O que está fazendo aí? — indagou ao ver a gaveta aberta e a moça sentada em sua cama.
— E-eu... vim pegar um analgésico. — Balançou a cartela de comprimidos, que estava sobre suas pernas. — Eu procurei por você, mas não estava. Minha cabeça está explodindo. — Voltou o remédio para a gaveta e a fechou.
A princesa se levantou, caminhou até o príncipe ergueu o nariz na direção dele, sentira um cheiro diferente em seu paletó.
— Onde estava? — questionou com os braços cruzados.
— Conversando com algumas pessoas. Criando laços.
— Romana, não é?
Ele a encarou com os lábios pressionados.
— É...
— Sabia! — Ela desviou do corpo dele e foi em direção à cômoda, onde o suco quente ainda estava, junto com algumas frutas e os pães murchos.
— Já conversamos sobre os sacrifícios que precisamos fazer em prol da nossa estadia aqui. — Ele foi atrás da princesa.
— Sacrifício? Você jura? — Ela riu e deu uma mordida na maçã verde que pegara depressa.
— Ela não faz meu tipo — disse Laerte, enquanto pegava o copo. Deu uma golada e logo o devolveu para a bandeja, com a expressão contorcida.
— Bom, o contato que ela tinha que poderia nos favorecer era com Alessa, e Alessa... você sabe. — Ela deu mais uma mordida na fruta.
— É. Mas ela conversa com pessoas que nós, particularmente, não damos prioridade. É bom ter olhos em todos os lugares.
— Sei — Aveta respondeu e abandonou a meia maçã ao lado das outras frutas. — Talvez a... — Ela esticou o pescoço, era outro aviso de Homero que passava pelo vão da porta.
A princesa foi até o envelope, o pegou do chão e o abriu com cuidado.
— E aí? — Laerte inquiriu.
— É a prova de amanhã. — Entregou a carta a ele. — Estranho, mudaram todo o cronograma.
— A prova é depois do almoço — falou ele, olhando a folha.
— E é só para as princesas. — Ela parecia preocupada.
— Deve ser algo como foi conosco.
— Não. — Aveta mordeu o lábio. — É outra coisa. Eles não dariam um dia inteiro de descanso se fosse só isso.
— Romana não sabe de nada, dessa vez.
— Eu te disse que a presença dela não nos ajuda mais em nada — redarguiu a princesa. — Aliás, vocês dois estavam sozinhos? — Mudou de assunto.
Ele assentiu.
— Laerte — Aveta cerrou os olhos e ficou com a face próxima do corpo dele —, você a beijou?
— Eu? Mas é claro que não. — O príncipe saiu de perto da moça e começou a abrir o paletó.
Ela o encarou por alguns segundos, sabia que a chance de o rapaz estar mentindo eram imensas.
— Vou tomar um banho — comentou ela enquanto pegava um vestido fino dentro da gaveta. — Por favor, coloque essa roupa no cesto. O perfume doce dessa menina está embrulhando o meu estômago. — Passou por ele, foi até o banheiro e fechou a porta.
Laerte molhou os lábios e olhou para o teto. Podia jurar que sentira uma ponta de ciúme no tom de voz de Aveta.
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