|Capítulo 15 - Percebendo O Imperceptível|
— Preciso parar um pouco — disse Kaya, enquanto John a apoiava com um dos braços.
Estavam ainda bem longe da chegada, mas já haviam andado um bom trecho do caminho. Aveta torcia para que a terceira medalha não ficasse atrás de onde estavam, do contrário, seria o fim dos dois casais. A falta de preparo de Kaya para a caminhada também era nítida, por mais que houvesse treinado, não fora o bastante.
O círculo vermelho e inchado no pescoço de Aveta doía cada vez mais, ela fazia o possível para não pensar na coceira e na ardência, mas quando parava de andar era quase impossível não sentir como se a pele estivesse em brasa.
— Preciso de água. Vocês também, comecem a beber. Acho que já estamos em um trecho bom do caminho para começarmos a nos hidratar — disse ela, estavam poupando as quatro garrafas de água.
Laerte abriu a mochila que estava nas costas da princesa e tirou dela os dois recipientes. Mal abriu a tampa e já despejou um gole na garganta seca. A moça foi mais cautelosa, primeiro molhou os pulsos, pois não sabia a temperatura em que as garrafas mantinham o líquido, e depois de constatar que estava fresca, na medida do possível, bebericou um pouco de cada vez. Certificando-se de molhar toda a boca primeiro antes de engolir a água.
Eram garrafas de um material não-maleável, como vidro, e todas elas tinham a bandeira de Salazar Dellonio estampadas.
Kaya e John também mataram a sede e respiraram mais um pouco.
— Podemos ir? — questionou Laerte.
— Claro, claro. Podemos.
Kaya ergueu o corpo, que antes estava curvado, quase jogado no chão.
— Não temos muito tempo mais. Ainda precisamos encontrar a terceira medalha — disse Aveta, voltou a garrafa para a mochila e deu alguns passos para frente.
Os outros três a seguiram.
— Então, vocês dois estão gostando do castelo? — John inquiriu.
Laerte e Aveta se entreolharam e ele respondeu antes da moça:
— Para o terceiro dia, não tenho do que reclamar ainda.
Kaya parecia desconfortável, ela gostou do castelo, mas não sabia mais o que esperar. Sua prima fora morta em sua frente e nada fizeram. Preferiu se calar.
O dia já estava prestes a se findar. Era claro que a luz do Sol não durariam mais de uma hora, e já era difícil enxergar sem forçar os olhos.
— Tomem cuidado — John advertiu. — Tive a impressão de ouvir o guizo de uma cobra.
Os dois à frente pararam de andar.
— Acho melhor pegar a lanterna — disse Laerte e Aveta assentiu.
Já com o caminho mais iluminado pelas quatro lanternas, decidiram seguir o percurso. Estavam com fome, mas não pararam para comer. Sentiam dores por todo o corpo, medo de serem os últimos, medo de não acharem a última medalha. Esse último era o que mais os afetava, tendo em vista que não faziam ideia de onde estavam as medalhas dos dois casais, e muito menos tinham tempo para voltar e procurar.
Desceram um trecho íngreme, onde os pés dos quatro foram quase todos sugados pela lama que os fazia escorregar. Cheiravam a suor e desespero.
Era possível ouvir o crocitar de um corvo à esquerda e de uma coruja à direita. Além do zumbido dos insetos que perpetuava em seus ouvidos. Galhos os arranhavam e até mesmo folhas finas já os incomodavam.
— Estão vendo isso? — Kaya disse, olhando para cima.
— São luzes... — Laerte fez o mesmo. — São os holofotes do castelo.
— Estamos chegando. — John sorriu.
— Não entendi o motivo da felicidade, príncipe John. — Aveta já parecia impaciente. — Não temos a terceira medalha, e parece que só nós estamos nessa parte da floresta.
A alegria de John se esvaiu.
— Não é possível! — Laerte socou o tronco de uma árvore. — A gente fez tudo isso pra nada. — Começou a andar pelo pequeno espaço entre a vegetação, inquieto.
Kaya carregava sua garrafa de água na mão, e pareceu um momento propício para beber o último gole que restara dentro dela. Sua boca sorveu cada goda incolor e revigorante enquanto Laerte e John bradavam inconformados por terem chegado àquele local sem nem mesmo terem encontrado a última medalha.
O barulho das vozes amedrontadas bagunçava a mente de Aveta. Ela fechou os olhos e permitiu-se escutar cada onda de som que atravessava seus tímpanos. Pôs os dedos nas têmporas e respirou fundo. Ouviu o canto dos pássaros noturnos, o arrastar de um lagarto, o remexer dos insetos nas folhas, mas algo parecia não caber na cena. Um som que vinha de perto, bem de perto...
— Quietos... — pediu uma vez com a voz ainda baixa e gentil. — QUIETOS! — ordenou, todos a encararam com os olhos arregalados. Mesmo com o breu da noite que começava a se instaurar, era possível vê-los. — Kaya, me dê a garrafa. — Estendeu a mão.
A outra princesa não entendeu o motivo de tal ação, mas obedeceu.
Eles observaram enquanto Aveta sacudiu a garrafa, fazendo um som metálico ecoar dentro dela. Em seguida a princesa iluminou o tronco de uma árvore que estava ao seu lado, tomou distância e lançou o recipiente com toda sua força contra a madeira, deixando-o partido em inúmeros e incontáveis pedaços.
— O que está fazendo? — John indagou.
Ela não respondeu, correu até onde os cacos estavam, se abaixou e usou a palma das luvas para afastá-los com cuidado. Era possível ouvir o tilintar que faziam enquanto ela os remexia. Depois de alguns segundos, a princesa se levantou, ainda de costas, respirou fundo e se virou para eles, devagar.
— Oh, meu Deus! — Kaya exclamou com as mãos sobre a boca.
Aveta segurava entre seus dedos o último círculo de metal que faltava para o casal rival. Ela o entregou para Kaya e, enquanto os outros observavam, retirou as duas garrafas da mochila dela e de Laerte. Dando uma para que o rapaz quebrasse. E ele foi o sortudo da vez, a garrafa, ainda com um pouco de água, despedaçou-se e revelou a medalha que faltava.
Laerte a enfiou no bolso da calça, eles desviaram com cuidado dos cacos de vidro e seguiram o pequeno caminho que dava na parte de trás do castelo, onde toda uma estrutura estava montada. Havia uma mesa cheia de comida, água fresca, toalhas e uma equipe médica.
Esquivaram-se de alguns galhos e por fim tiveram visão da construção majestosa. Não foi nada animadora. Alguns casais já estavam lá.
— Somos os últimos? — Kaya indagou, desanimada.
— Não — John respondeu. — Está faltando alguém.
Os quatro voltaram as faces para a floresta antes de caminharem até o aglomerado de pessoas. Homero estava bem vestido, uma roupa diferente da que usara de manhã. Sua postura fria mantinha-se a mesma enquanto ele observava os baús enfeitados, onde cada casal depositou suas respectivas medalhas.
Kaya e John agradeceram a Laerte e Aveta, que preferiram se distanciar dos demais e se sentar em um pequeno banco que estava sobre o gramado, perto das garrafas de água.
— Alessa e Robert — disse Laerte olhando para Aveta.
— Parece que a amiguinha da Catarin não foi privilegiada dessa vez. — Ela pôs a mão no pescoço e o virou para os lados, estava com um copo de água e limão na outra mão. — A pergunta que não quer calar é, por que eles se separaram? — Olhou para Catarin e Jullian, que pareciam contentes do outro lado do recinto.
— Catarin é uma egoísta.
— Eu também sou — respondeu a princesa.
— Não me pareceu. — Laerte deu um sorriso de lado. — Ajudou o outro casal, poderia ter dito algo errado a eles e os despistado no meio do caminho, mas não o fez.
— Não era o momento.
— São um casal em potencial, era uma chance de eliminá-los — redarguiu o príncipe.
— Eu só acho que é proveitoso termos alguém de confiança aqui. É pelo nosso jogo, Laerte. Além do mais, se eles conseguissem achar as medalhas por conta própria e chegassem antes de nós, nos veriam como traidores e isso seria péssimo para a nossa reputação.
— É. — Laerte concordou. — Tem razão.
Ouviu-se o barulho de galhos se quebrando e de folhas sendo amassadas, os passos vinham da floresta. Todos os olhos do local focaram no lugar de onde o som quase arrastado dos pés, saía.
— Olha — disse Aveta.
Em um instante revelou-se a figura de um homem e de uma mulher. Ele a segurava pela cintura, enquanto ela quase se desmanchava em seus braços. As calças estavam rasgadas e os cabelos longos da moça, cobertos de sangue. Ela tinha uma das mãos na barriga, parecia segurar os próprios órgãos para que não revirassem.
Os dois se colocaram de joelhos no gramado e ali mesmo desabaram. A princesa caiu para o lado direito, e o príncipe se colocou sobre seu corpo. Dava tapas em seu rosto e tentava reanimá-la, enquanto todos os outros assistiam a cena com o pavor estampado nas faces. Exceto os membros da corte, que olhavam tudo de um andar acima, sentados em uma espécie de sacada, e Homero.
— Acalme-se — vociferou o anfitrião. — Os médicos vão cuidar disso.
— Alessa!!! — berrava o príncipe com o suor escorrendo pela face e misturando-se ao sangue que estava sobre a pele da garota em sua frente.
Dois dos auxiliares de Homero seguraram o rapaz pelos braços, enquanto os médicos se aproximavam da princesa caída.
— ME SOLTEM! — Robert puxava os braços e tentava usar o próprio corpo de impulso para que fosse liberto. — Me deixem sair, me deixem ficar com ela! — ele gritava.
Os homens o apertaram com ainda mais força e direcionaram o corpo dele para uma das dependências externas do castelo, uma instalação onde os socorristas ficavam na maior parte do tempo.
O corpo debilitado de Alessa foi posto sobre uma maca e suspenso no ar por quatro médicos. Eles não disseram nada, apenas prenderam a moça no suporte e carregaram-na para o mesmo local para onde estavam levando o príncipe. Este, ainda estava completamente ensandecido, gritava o nome da companheira e tentava se libertar.
— VOCÊS VÃO TODOS MORRER! ELES VÃO MATAR VOCÊS! ELES, ELES VÃO MATAR VOCÊS! — berrou uma última vez, antes de deixar o corpo pender e render-se à força que era exercida sobre si.
Os casais que permaneceram no gramado estavam impressionados. Laerte e Aveta, não. Estavam curiosos, mas sabiam que podia se esperar de tudo daquelas pessoas.
— Escutem todos! — disse Homero, fazendo com que todos deixassem a cena passada no passado e voltassem a face a ele. — Alessa e Robert estão desclassificados. Parabéns a todos que chegaram até aqui. Tenham uma boa noite.
O anfitrião virou-se de costas e entrou no castelo, cercado de alguns dos seus auxiliares. Os casais fizeram o mesmo. Depois de passarem por uma inspeção dos médicos que permaneceram ali, foram liberados para entrar. Aveta pediu um remédio para alergia e, depois de ser alertada sobre a posologia, engoliu três comprimidos de uma vez, ignorando a ordem médica que dizia para que tomasse apenas um. Eles estavam no corredor de seus quartos quando Laerte a viu jogar as três pílulas na boca.
— Isso vai te derrubar.
— Eu sei — respondeu ela depois de beber o último gole de água que residia no copo descartável que recebera do lado de fora. — Eu quero. Estou cansada demais, não vou conseguir dormir direito se não forem os antialérgicos.
— Não seria mais fácil pedir um calmante.
— Eles não dariam. E isso me faria parecer fraca. Uma rainha que precisa de calmante, onde já se viu? — Ela sacudiu a cabeça de forma negativa antes de abrir a porta do quarto.
Os dois não falaram nada sobre o acontecido. Estavam cansados demais para ter algum pensamento lógico. Cada um tomou seu banho, vestiram roupas confortáveis, apagaram as luzes e fecharam os olhos. Laerte estava certo, o antialérgico havia literalmente derrubado a princesa.
Era oito da manhã quando os olhos da princesa tiveram contato com o sol que entrava vigoroso pela janela. Laerte já estava de pé, ou melhor, sentado. Ela apenas escutava o som do mastigar inquieto dele enquanto tentava colocar os neurônios no lugar para poder erguer o próprio corpo.
A princesa piscou algumas vezes, esticou os braços e por fim apoiou o corpo e se sentou.
— O que é isso? — questionou ao príncipe quando viu a bandeja repleta de frutas, pães e frios sobre a sua cômoda.
— Nos deram o dia de folga — respondeu ele.
— Como?
Laerte fez uma espécie de avião de papel e o jogou contra a cama onde a moça se encontrava. Depois voltou a comer o pêssego que devorava como se estivesse morto de fome.
Ela abriu a carta e leu o recado de Homero, dizendo que eles teriam o dia todo para descansarem do anterior e se recuperarem. Depois da leitura, ela amassou o papel, jogou-o ao lado da cama e voltou a jogar o corpo todo sobre o colchão.
— Ei, não vai comer? Não quer conversar sobre o que aconteceu ontem? Minha cabeça está lotada de teorias e...
— Laerte, por favor, fica quieto — disse ela com os olhos fechados.
— O que vai fazer?
— Vou dormir. Vou fechar os olhos e dormir até minhas pálpebras colarem.
— Vou ficar aqui sozinho?
— Coma, beba, faça anotações. Durma também! E não conte comigo para nada antes das duas da tarde.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top