|Capítulo 11 - Desconfianças No Escuro|

     A agitação por parte das moças era clara. Estavam visivelmente nervosas, menos Aveta, que mantinha a postura desde que chegara no refeitório. Estava sentada na mesma mesa que sentara no café da manhã, era um bom lugar de observação. Ainda faltava a presença de algumas das princesas, as que já estavam lá, saboreavam um chá para tentar acalmar os nervos.

     A princesa misteriosa olhou para a entrada, desviando das pupilas de Romana, que chegara atrasada, para ter contato visual direto com a última a chegar. Ela deu um sorriso e acenou, era Kaya. A moça, notando a “simpatia” de Aveta, cumprimentou o resto das jovens com um movimento de cabeça e seguiu até onde a outra estava.

     — Posso me sentar aqui? — questionou.

     — É claro. Fique à vontade.

     Era visível que Kaya havia exagerado na maquiagem para esconder que estava abalada, não obstante, as cores amenas que escolhera combinaram perfeitamente com os cabelos cacheados, presos no topo da cabeça em um coque alinhado e ornamentado com uma tiara singela. O cintilar das pedrinhas minúsculas do adorno pareciam se fundir com as do vestido rosa pastel, coberto por um pequeno echarpe da mesma cor.

     Era uma imagem doce e meiga, como uma verdadeira princesa de contos de fada, o completo contrário de Aveta, que fizera um rabo de cavalo, deixando o seu pescoço mais alongado com a ajuda do tomara-que-caia vinho. Não quis enfeitar o pescoço com nenhuma gargantilha, apenas pendurou dois brincos grandes nas orelhas e passou um batom nude que realçava os lábios perfeitamente desenhados enquanto falava.

     — O que acha que é essa prova? Já era para estarem aqui — comentou Kaya.

     — Não faço a mínima ideia — rebateu Aveta. — Você está melhor? John me disse que não estava bem.

     — Sim. Precisava dormir um pouco. — Kaya sorriu. — Não está nervosa?

     — Não. Eu confio no Laerte. Não confia no John? — Aveta bebeu um gole do chá.

     — Confio. Estou com medo pelo que pode acontecer com eles. Já não basta o que... — Kaya abaixou o olhar. — É melhor deixar isso para outro momento. Só queria que chegassem logo.

     — Acho que seu pedido foi atendido. — A princesa misteriosa apontou para a porta, movendo a cabeça.

     — Graças a Deus! — Kaya expirou com alívio quando viu o parceiro passar pelo arco de entrada.

     John estava ao lado de Laerte, os dois pareciam tranquilos, até conversavam com sorrisos nos rostos. Como já era de se esperar, caminharam até as duas moças.

     — Tem lugar à mesa para dois príncipes perdidos? — John brincou enquanto puxavam as duas cadeiras que sobraram.

     — Vão nos contar o que aconteceu lá ou teremos que adivinhar? — perguntou Aveta.

     — Testaram nosso conhecimento geográfico, só isso — disse John, olhando para Laerte.

     Aveta calou-se.

     — Ainda bem! — Kaya segurou firme as mãos de John sobre a mesa. — Eu estava morrendo de preocupação.

     Os criados começaram a servir o jantar e os quatro não tocaram mais no assunto da prova. Depois de satisfeitos,  foram andando sem pressa para seus dormitórios. Kaya parecia confiar em Aveta, ou pelo menos tinha algum carinho para com a moça, esta, por sua vez, enganava muito bem.

     — Qualquer coisa, me chame, Kaya — disse a princesa antes de abrir a porta.

     — Boa noite para os dois. Nos vemos no café da manhã — pontuou John.

     — Boa noite — Laerte e Kaya disseram em uníssono.

     Aveta esperou que o príncipe entrasse, fez questão de ela mesma trancar a fechadura.

     — Pode começar. — Ela cruzou os braços enquanto Laerte desabotoava o paletó. — Vocês fizeram qualquer coisa lá dentro, mas eu garanto que não foi nada sobre conhecimento geográfico.

     Laerte riu.

     — John e eu combinamos de não falar. Era para ser um segredo nosso.

     — Se eu fosse como a Kaya até poderia funcionar, mas você sabe muito bem que eu não sou. — Ela caminhou até onde ele estava, perto da janela. — Vai, pode dizer!

     — Foi um jogo de perguntas e respostas... sobre vocês.

     — Como assim?

     — Bom, eles faziam uma pergunta, como “qual o país de origem da família da fulana?”, e a gente respondia.

     — Pensei que nosso formulário fosse particular. — Aveta não parecia feliz por saber que parte de sua vida fora aberta a todos.

     — Sabe o que foi mais estranho? — Laerte jogou os sapatos embaixo da cama, se sentou e olhou para Aveta com os olhos semicerrados. — Eu errei uma questão por causa de algo que você me disse.

     Aveta engoliu em seco.

     — E qual foi?

     — Sobre o seu pai. Me disse que ele não morreu, mas a resposta a “A princesa Aveta perdeu os pais quando criança?”, era sim.

     — Eu menti no formulário — disse ela, tentando manter a calma completa.

     — Mentiu mesmo? Ou mentiu pra mim? Porque eu detestaria descobrir que você não está sendo sincera comigo, quando eu sou honesto contigo em todos os aspectos.

     — Eu já disse que menti no formulário. Assim como eu disse que meu pai não está mais na minha vida, então, para mim, ele morreu. É só isso — explicou.

     — Você sabe que pode confiar em mim, princesa. Eu te falei sobre a minha família, eu confiei em você. Se seremos rei e rainha, vamos partilhar a mesma vida depois disso. Não quero que comecemos a nossa relação com uma mentira.

     — Relação?

     — Somos parceiros. Isso é uma relação.

     — Laerte, eu juro que eu não menti.

     Jurar não era algo fácil para ela, e nem comum, mas sentiu que o deveria fazer.  Estava sempre na defensiva, escondendo coisas sobre si, resolvera contar sobre o pai para ele, e lhe era muito ruim a sensação de que ele não acreditava.

     — Está bem — Laerte bateu com as mãos nas pernas —, confio no que disse, princesa.

     Como um desmaio súbito, a luz do castelo caiu, imergindo a todos na escuridão. Os olhos de Aveta demoraram a se acostumar com o escuro, até que conseguiu ver a silhueta de Laerte em sua frente.

     — Não é possível que não existe uma lâmpada de emergência em um castelo desse tamanho — disse a princesa, indignada, a entonação já era a mesma de sempre.

     — Era um bom momento para descumprir uma regra.

     — Laerte, você não cansa de ser insuportável. — Ela tateou o móvel ao seu lado. — Vou pegar minha lanterna.

     — Trouxe uma lanterna?

     — Você não? Azar.

     Ela deu passos curtos e objetivos até sua cama. Deitou-se de bruços, pegou sua mala embaixo do estrado e, depois de remexer dentro da bolsa algumas vezes, escutou um gemido desconfortável de Laerte:

     — AH! Aveta! — Ele pôs as mãos na frente dos olhos, a luz da lanterna colidiu com as suas pupilas acinzentadas.

     — Está funcionando — disse ela, fazendo o flash dar voltas pelas paredes.

     — Escutou isso? — indagou Laerte, inclinando o corpo para o lado da porta.

     Aveta iluminou o caminho até a saída do quarto e os dois foram juntos. Devagar como cobras antes de dar o bote.

     Eles recostaram os ouvidos na madeira, seus corpos estavam tão próximos que era possível sentir o calor deixar a pele de um e aquecer a do outro. Pararam de respirar por cinco segundos e de repente deram um passo para trás.

     Sentiram um caminhar lento no corredor, eram mais de três pessoas. Tinham absoluta certeza. Com eles, também um barulho metalizado, como o som de gaiolas se chocando ou algo dentro delas, se debatendo.

     Foi rápido, quando os pés já não mais podiam ser ouvidos, o clarão da luz voltou a iluminar os olhos dos dois que se encararam com estranheza e confusão.

     — O que acha que foi isso? — Laerte perguntou.

     Aveta apenas balançou a cabeça em negação.

     — Será que é uma prova?

     — Eu não tenho a mínima ideia, dessa vez estou às cegas — ela respondeu. — Vamos tomar um banho e dormir. Amanhã vai ser outro dia longo.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top