|Capítulo 10 - Descobrindo Particularidades|

     Aveta estava embaixo do chuveiro novamente, detestava ficar sobre a cama depois de ter andado pelo castelo inteiro. Não se demorou, calçou os chinelos, pôs calças largas e uma camiseta branca estampada com o rosto de alguns filósofos da antiguidade. Quando saiu do banheiro, estava pronta para contar sobre a conversa com John para o príncipe Laerte, mas foi pega de surpresa.

     — O que foi? — perguntou a moça quando observou o rapaz sentado na cama, batendo a tampa da caneta sobre o seu caderno de anotações.

     Ele a encarava com os olhos semicerrados.

     — Descobri uma coisa sobre você.

     — Sobre mim? — Aveta questionou confusa e se sentou aos pés da cama dele, ficando em posição de lótus.

     — Sim, eu tracei o seu perfil. E baseado em tudo que eu sei até agora, eu tenho absoluta convicção de que você é do signo de capricórnio.

     Aveta deu uma gargalhada alta e sarcástica.

     — Signos? Jura que você acredita nisso?

     — Não fuja. Todo o seu comportamento, essa sua maneira fria de agir, sempre calculando tudo. Uma capricorniana nata.

     — Sério? Mas baseado em que fatos exatamente concluiu isso?

     — Veja bem, você pensa em tudo pelo lado racional, sempre enxerga o lado matemático das coisas mesmo que eles não existam. Você é de capricórnio, eu tenho certeza.

     — Bom, olhando por essa perspectiva... você é bom em investigações.

     — Eu sabia! — Ele jogou o caderno para o lado e ergueu os braços.

     — Seria melhor ainda se eu fosse de capricórnio. — Ela sorriu e se levantou, andou até sua cama e se sentou nela. — Peixes, Laerte. Passou longe.

     — O que? Mas... Como assim, Aveta?! Peixes? Não, você não é de peixes. Não existe a possibilidade de ser — bradou Laerte, indignado.

     — Quebre a cabeça aí para achar o erro do meu nascimento no dia doze de março. — Aveta passou algumas borrifadas do perfume que estava sobre o criado-mudo e o voltou para o lugar.

     Laerte a encarava com indignação.  Aquela era a única certeza que ele tinha sobre ela, e fora retirada de cena como um soco no estômago do príncipe.

     — Vamos aos fatos importantes? — perguntou ela. — Kaya não foi ao encontro.

     — Ah, não?

     — Não, mas... John foi. — A princesa sorriu maliciosa.

     — John? E o que ele foi fazer lá sem a princesa dele?

     — A mesma coisa que você foi fazer com Romana — disse ela.

     Laerte sentiu que era o troco, então não questionou.

     — Trocar informações. Disse que a Kaya não estava se sentindo bem e pediu para que ele me avisasse que não iria. Mas não era necessário, então eu sei que ele foi atrás de saber algo.

     — E você disse alguma coisa sobre o que a gente já sabe? — Laerte ergueu o corpo e ajeitou a postura, parecia temer algum deslize dela.

     — Eu lá tenho cara de idiota, Laerte? — redarguiu a princesa. — Eu o dobrei, e se te interessa essa coisa de signo, John só pode ser de leão.

     Laerte arregalou os olhos. Por mais incrível que parecesse, ele sabia o mês do nascimento do conhecido, era agosto. Preferiu não dar esse gosto a ela.

     — E por que acha?

     — Foi só elogiá-lo que ele quebrou a muralha. Disse tudo que eu queria saber e até mais.

     Laerte aproximou as pálpebras e sorriu de lado, tentando decifrar.

     — Eu te disse que as meninas eram parentes, não disse? Então, são primas. E John acha que os rapazes que foram embora vão voltar em algum momento do jogo. Agora, a maior informação você não sabe.

     — Fale de uma vez, não me enrole!

     — John disse que eu era uma de suas escolhas, se Kaya não o houvesse escolhido primeiro. — Aveta tinha um tom de provocação na voz capaz de deixar até quem não estava a par da conversa, irritado.

     — Hm — Laerte resmungou.

Não era tão bom assim estar do outro lado, o lado que poderia ser trocado.

     — E o que você disse a ele?

     — Nada. Fugi de todas as perguntas. As pessoas precisam mais que de um rosto bonito para me enganar, Laerte. — Ela puxou a mala que estava embaixo da cama. — Quer jogar xadrez?

     Laerte ergueu uma sobrancelha e movimentou a cabeça, projetando-a para trás.

     — Trouxe um tabuleiro?

     — Uhum. — Ela assentiu e despejou as peças sobre a cama.

     Laerte se levantou, deixou sua caneta sobre a cama e caminhou até a dela, passou as mãos pelos cabelos e se sentou de frente para ela.

     — Você jogava com seus amigos antes de entrar aqui? — perguntou à jovem enquanto ela ajeitava os cavalos, rainhas, bispos, torres, reis e peões no tabuleiro.

     — Faz anos que não jogo. Nunca achei um desafiante digno — disse ela, ainda sem olhar para ele. — Meu pai me ensinou a jogar xadrez antes de me ensinar a falar — brincou. — Quer as peças brancas ou as pretas?

     Ela parecia até outra mulher enquanto falava do jogo. O príncipe sentiu que era um bom momento para tentar se aproximar mais dela, além do jogo e do esquema de respostas ríspidas e sarcásticas dos dois.

     — Pretas.

     — Então, eu começo.

     Aveta moveu seu primeiro peão e Laerte reparou no quanto a face da moça parecia mais doce enquanto movia as peças. Jogaram em silêncio até que, em uma jogada certeira, Aveta conseguiu encurralar o rei, deixando-o sem escapatória a não ser que sacrificasse a rainha.

     — Você é boa nisso — falou ele, pela primeira vez sua entonação vocal não demonstrava ironia ou duplo sentido.

     Fora até mesmo doce com tal colocação.

     — Obrigada — ela agradeceu e isso foi surpreendente.

     Ele esperava algo como “eu sei”, ou “nada além do óbvio”, não uma resposta calma e aprazível.

     — Seu pai, ele...

     — Não. Ele não morreu. — Aveta suspirou. — É o homem mais inteligente que eu conheci. Mas existem muitos motivos para ele não estar na minha vida, e eu quero que permaneça assim.

     — Vai ficar muito estranho se eu te der uma coisa?

     — O quê?

     Laerte enfiou o mão no bolso da calça de moletom de usava e retirou o relógio dourado.

     — Olha. Eu não estou dando para você definitivamente.

     — Não gosto de coisas sentimentais, pode parar.

     — Me escuta. — Ele pegou a mão dela e colocou o objeto. — Não é nada sentimental, óbvio que significa muito pra mim, mas não é por isso. Você só vai me devolver isso quando nós dois chegarmos à final do jogo da realeza.

     Ela o encarou e engoliu seco.

     — Depois que estivermos lá, eu te conto a história dele. — Laerte dobrou delicadamente os dedos da princesa sobre o relógio. — É uma promessa que estou fazendo a mim mesmo. Se isso não acontecer, jogue-o fora.

     — Então... — Aveta deitou as peças de xadrez sobre o tabuleiro e o empurrou sobre a cama, até onde Laerte estava. — Faça o mesmo. Fique com meu Xadrez.

     — Feito. — O príncipe estendeu a mão a ela, que retribuiu da mesma forma.

     Neste momento, mais uma carta transpassou o vão abaixo da porta, era mais um aviso da corte. Os dois perceberam quando o papel incomum adentrou o quarto, e desta vez quem o pegou foi Aveta. Ela levantou-se às pressas, abaixou-se e o abriu.

     — Mais regras? — Laerte inquiriu.

     — Não — disse Aveta, já com os olhos nas palavras que antes estavam escondidas dentro do envelope. — É para você, na verdade.

     — Para mim?

     — Sim, aqui diz: Prova surpresa. Os príncipes devem comparecer à sala das estratégias uma hora e meia antes do jantar. As princesas devem ficar em seus quartos e encontrar os companheiros apenas no refeitório. Aí a assinatura de Homero e mais nada.

     Ela entregou o papel a Laerte.

     — Isso não estava no cronograma.

     — É. — Aveta cruzou os braços e escorou-se na porta. — Isso não é bom... Não é nada bom.

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