Capítulo 8

Zylkoris mal conseguiu conter a alegria quando foi tirado do interior da carroça. Pela primeira vez, ele pôde ver quem o ajudara. Era um anão calvo de pele levemente amarelada, trajando uma armadura de metal e um pesado martelo nas costas. O assassino não teve dificuldade para deduzir que aquele não era um mercador.

— Obrigado — sussurrou o humano, saindo do fundo falso que o mantivera escondido.

— Disponha — respondeu o anão. — Eu me chamo Dasgrid. Se alguém perguntar, você é meu aprendiz e está fazendo a escolta dessa carroça comigo.

— Entendido.

— A caravana é muito grande e, por isso, ninguém deve ter notado nossa ausência — afirmou. — Evite conversar com os mercadores. Há suspeitas de que o exército infiltrou alguns agentes por aqui.

— Eles não perdem tempo — resmungou Zylkoris.

— São cães farejadores e nós somos a comida — disse Dasgrid. — Se vacilarmos, seremos devorados.

Os dois retornaram à estrada com a carroça e, como o anão tinha previsto, chamaram muito pouca atenção. O fluxo era grande e o assassino notou vários tipos de mercadoria. Uma carroça trazia armas, variando de adagas e espadas a martelos e machados. Outra levava uma série de joias. Algumas eram simples e pequenas, mas outras chegavam a ter o tamanho de um punho. Os comerciantes de alimentos eram muito mais raros. Zylkoris reparou uma carroça conduzindo alguns vegetais, como cenoura e beterraba, mas, em contraste, não havia fruta alguma. Aliás, ninguém ali levava carne. A crise de desabastecimento que assolava Istkor fazia com que produtos animais fossem mais raros que joalheria. Em Blaskogar, somente os mais ricos conseguiam comer um bife, e não era todo dia. Só não falta comida para o exército. Zylkoris se irritou com o pensamento, mas guardou a raiva para si.

Minutos após retornarem à caravana, um humano se aproximou. Ele era negro e tinha olhos pretos. Suas vestes eram largas, passando a impressão de serem frescas, algo invejável no calor infernal daquelas planícies.

— Boa tarde, meu jovem — disse ele. — Sou Liam, dono dessa carroça. Espero que seus serviços sejam um sucesso.

Discretamente, o mercador fez um triângulo com as mãos e foi para a parte da frente da carroça, convidando Dasgrid e Zylkoris a fazerem o mesmo. Lá, eles foram seguindo viagem sem trocarem muitas palavras. Com certeza, havia muito que eles queriam dizer, mas havia ouvidos demais por perto.

O assassino observou que havia uma quantidade pequena de guardas com a caravana. Provavelmente, a maioria das pessoas que prestavam esse serviço estavam com o exército. Ainda assim, havia uma sensação de segurança. Com a grande quantidade de soldados nas redondezas, a maioria dos bandidos de estrada pensaria duas vezes antes de atuar. Zylkoris imaginava que eles optariam por aguardar dois ou três dias antes de voltar a interceptar mercadores.

São três dias de viagem até Krisuvik, pensou o humano, enquanto olhava para a estrada deserta à frente da caravana. A pequena e aconchegante cidade abrigava tantas memórias agradáveis que o simples pensamento de que retornaria, mesmo que brevemente, foi o bastante para que Zylkoris permitisse que um discreto sorriso brotasse. Como será que as coisas estão por lá?

Se Blaskogar já estava quase completamente tomada pela fome, era difícil imaginar que os krisuvikianos estivessem em situação melhor. Zylkoris sabia que a maioria das cidades menores tinham ordens para enviar a maior parte de sua produção às maiores. Ele só podia torcer para que a parcela menor que cabia aos moradores locais fosse o bastante para a subsistência deles.

Com toda a vontade de buscar amigos de infância, Zylkoris sabia muito bem o que fazer quando alcançasse Krisuvik. Ele buscaria membros da Lança Branca para decidir a melhor rota até Andakilsa. O assassino não queria nem imaginar a possibilidade de chegar lá depois do exército istkoriano.

A marcha com o exército não era nem de longe tão romântica e épica quanto a saída de Blaskogar. O sol escaldante fazia com que todos soassem muito e o cheiro desagradável daquela enorme quantidade de homens só não era pior por causa da brisa intermitente que soprava.

Revgar olhava os homens marchando e voltava a encarar a estrada. Ele nunca participara de um movimento tão importante para o povo de Istkor quanto aquela campanha de guerra. Todos ali estavam escrevendo o início de um capítulo inesquecível na história daquela nação.

O Arcano de Rhyfel foi retirado de seus pensamentos quando Paven parou subitamente. Adiante, havia um declive e, não tão distante, era possível avistar um vilarejo. Revgar conhecia o local, mas não por ser um ponto relevante, e sim pelo fato de o Arcano de Rhyfel ser um grande conhecedor de Istkor como um todo. Ele conhecia quase todo o mapa da nação de cor e ainda mais várias localizações que sequer eram registradas por serem inexpressivas.

— Paven, está muito cedo para pararmos — disse Revgar, enquanto se aproximava de seu superior.

— Esse vilarejo abrigou o assassino do príncipe — acusou. — Eles precisam ser punidos.

— As evidências são contundentes — declarou Paven.

Com a parada, o exército montara acampamento e o Conselho estava reunido em uma tenda central. Na entrada, dois soldados impediam que curiosos tentassem ouvir a conversa. Dentro, os conselheiros debatiam acaloradamente.

— Então mostre-as, Paven — pediu Keagan. — Você está propondo uma insanidade.

— Eu tenho que concordar com o tenente Keagan — afirmou Revgar. — Abrir ataque contra um vilarejo desse tamanho? Eles sequer têm uma guarda. A maioria é de artesãos e caçadores.

— Paven recebeu ordens diretamente do rei, que deixou bem claro que é ele quem deve comandar a missão — lembrou Louise. — É óbvio que este ataque também me incomoda, mas eu duvido que nosso comandante solicitaria isso sem provas.

— Vale lembrar que nós queremos dar um exemplo — ressaltou Bert. — Precisamos mostrar o que acontece com aqueles que cooperam com a Lança Branca. Uma ação avassaladora pode soar como algo muito radical, mas creio que terá o efeito perfeito.

— O efeito perfeito é dizimar nosso próprio povo, Bert? — Keagan subiu um pouco a voz. — Eu não vou descumprir as ordens do rei, mas quero deixar claro que fico insatisfeito com essa ação.

— E você acha que alguém está feliz, Keagan? — questionou Klaus. — Eu queria que a Lança Branca não existisse para que eu pudesse estar em paz na minha casa ao invés de ter que marchar por toda a nação.

— Senhores, por favor — interrompeu Paven. — A decisão já está tomada. O plano traçado pelo rei será seguido à risca. Vamos sair daqui e comunicar os soldados que atacaremos de imediato caso os líderes do vilarejo não sejam capazes de nos oferecer informações sobre o paradeiro da Lança Branca.

— Paven, o exército não sabe, quem dirá as pessoas de um vilarejo desse tamanho — disse Revgar. — Os líderes locais são um pequeno grupo de caçadores.

— A diferença é que eles cooperaram com o inimigo — afirmou Paven antes de se levantar. — Eu já enviei meu mensageiro. Assim que ele retornar, podemos dar início à nossa ação.

— Ação é um belo eufemismo para massacre — ironizou Keagan. — Pois bem, que seja feito o necessário para que Istkor triunfe.

Um grande silêncio se estabeleceu entre os presentes. O mensageiro enviado por Paven chegaria a qualquer momento, mas todos sabiam que a chance de o paradeiro da Lança Branca ser conhecido por habitantes daquele vilarejo era próxima de zero. Revgar não queria nem pensar no passo seguinte.

O Arcano de Rhyfel analisou a feição de cada um de seus colegas. Ele queria entender as emoções por trás da postura deles.

Paven parecia tranquilo. De tempos em tempos, ele sorria enquanto olhava para fora da barraca do Conselho. O comandante apoiava o rosto na mão esquerda e observava os outros de relance, mas sem encarar nenhum colega.

Keagan passava a mão onde a calvície precoce fizera com que seu cabelo preto parasse de crescer. A expressão fechada era de alguém irritado com as circunstâncias. Na discussão, ele havia sido o único além de Revgar com coragem para questionar o general, mas ambos sabiam que aquilo não faria diferença alguma. No final, eles tinham que obedecer a ordens.

Klaus fazia um ótimo trabalho escondendo seus sentimentos por trás do rosto envelhecido. Os cabelos grisalhos estavam suados e o membro mais velho do conselho usava as mãos para remover as gotas que escorriam ocasionalmente, mas, de resto, os olhos azuis eram impenetráveis.

Bert demonstrava irritação pela demora. A paciência nunca havia sido uma de suas características mais marcantes. De fato, Revgar sempre achara que o brutamontes tinha sido uma escolha equivocada do Rei Zanok. Difícil entender por que ele fez tanta questão de ter apenas militares no Conselho, ainda mais quando havia tantos civis mais qualificados que o Bert. Muralha, como era conhecido por conta do tamanho, na visão do Revgar, não ligava para a população de Jandikar. Ele só queria retomar a marcha. Provavelmente, o brutamontes gostaria de avançar sozinho só para concluir logo a missão.

Louise parecia um pouco incomodada, mas sabia executar a própria função. Ela claramente não gostava da ideia de atacar o pequeno vilarejo, mas, assim como Revgar, era leal ao rei e faria o que fosse necessário para concluir a missão. Enquanto aguardavam, ela mexia nas suas adagas e, de vez em quando, enrolava os cachos ruivos com o dedo.

Uma mosca entrou no ambiente, circulou a barraca inteira e pousou no meio da mesa. Ela pareceu tirar todos os presentes da imersão nos próprios pensamentos e fez com que Paven se levantasse para assustá-la.

— Amigos, estão todos dispensados — declarou. — Quando meu mensageiro chegar, eu os convocarei novamente.

Imediatamente, todos os conselheiros se ergueram e se retiraram da barraca sem trocarem uma única palavra. O sol já estava se pondo e Revgar torcia para que o mensageiro do Paven trouxesse boas notícias.

Alvos mágicos. Os militares tinham equipamento de qualidade para treino. Eles não explodiam, nem ricocheteavam os projéteis que os atingiam. Eram perfeitos para que Noëlle pudesse manter a mira afiada com o Fen'nala.

Além dela, três outros arqueiros treinavam, aproveitando a luminosidade reduzida do início da noite como forma de aumentar o grau de desafio. A elfa ficou satisfeita ao perceber que estaria lutando ao lado de gente competente. As flechas atiradas pelos militares tinham um índice de acerto muito bom. Ainda assim, a mercenária precisava se conter para não sorrir ao notar os olhos arregalados deles ao ver a precisão dos tiros dela.

Noëlle parou um pouco para observar os atiradores do exército. A postura deles era um pouco mais dura que a dela. Faltava um pouco de fluidez nas articulações. Curiosamente, todos apresentavam exatamente os mesmos vícios. Devem ter tido o mesmo treinador.

— Então você é a famosa mercenária que botou três guardas para correr? — disse alguém pelas costas da elfa. Noëlle se virou e viu uma mulher um pouco mais alta que ela com cabelos pretos cacheados e pele da cor do cobre. — Eu quase não acreditei quando me contaram que uma pessoa que aceita dinheiro para matar na guerra se compadeceu de uma mercadora.

— Desculpe, quem é você? — questionou a arqueira, sem esconder a irritação na voz.

— Alexia — respondeu. — Todo mundo está com vontade de te conhecer, mas ninguém tem coragem de falar contigo.

— Medo de elfos? — ironizou.

— De elfos? Não muito — ela riu. — Agora, medo de uma pessoa que explodiu um alvo no acampamento? Um bocado!

— Você se deu ao trabalho de vir até aqui só para rir da minha cara? Já recebi a minha punição, então gostaria de não tocar mais nesse assunto.

— De modo algum! — Alexia deu dois passos para a frente e pegou um arco de treino que estava largado no chão. Em seguida, ela engatilhou uma flecha, apresentando os mesmos defeitos que Noëlle observara nos demais militares, e atirou. A seta voou, zunindo pelo ar, até se alojar na borda do alvo. — Pelo menos eu acertei dessa vez! Na última tentativa, eu tinha atingido em cheio uma árvore inocente!

— Imagino que arco-e-flecha não seja exatamente a sua especialidade.

— Nem de perto — ela gargalhou. — Eu luto com duas espadas. Um amigo meu as está polindo nesse momento. Agora, desculpe interromper seu treino, mas eu realmente queria saber uma coisa: por que você ameaçou o guarda? Eu já descobri o que aconteceu de verdade e tudo mais, mas queria entender a sua motivação.

— O cara ia queimar a loja da herbanária. Eu sou uma mercenária, como você fez questão de frisar, mas isso não significa que meu senso moral não exista.

— Que ele existe, eu não duvido — comentou a militar. — Só me parece bastante seletivo.

— O que você quer? — perguntou Noëlle demonstrando impaciência.

— Eu quero saber se você realmente valoriza o dinheiro que entra no seu bolso ou se vai sair correndo na primeira atrocidade que ver — a expressão no rosto dela ficou séria. — Porque guerra não é uma coisa bonitinha. Casas incendiadas serão rotina por aqui.

— Obrigada pelo aviso — respondeu a elfa. — Eu jurava que íamos fazer carinho nos nossos inimigos e dividir uma xícara de chá com eles. — Noëlle atirou mais uma flecha, que atingiu o centro do alvo. — Existe uma diferença grande entre guerra e violência civil.

— Ainda bem que você consegue fazer essa distinção.

Após a última frase, um clima desconfortável se estabeleceu entre as duas e Noëlle tentou ignorar a militar, retornando à sua rotina de treinamento. Ela imaginou que a mulher inconveniente se retiraria por conta própria, mas, após algumas flechadas, olhou para trás apenas para perceber que continuava sendo observada.

Noëlle respirou fundo e ajeitou os cabelos pretos caindo sobre o rosto. A mercenária pensou em solicitar à militar que se retirasse, mas preferiu não fazer algo que pudesse gerar conflitos desnecessários. Assim, a elfa reabsorveu o Fen'nala e saiu dali.

Para a surpresa da Noëlle, Alexia não ficou para trás. Enquanto a elfa andava, ela percebeu que a mulher a seguia sem muita discrição. A mercenária olhou ao redor e percebeu que as duas estavam relativamente sozinhas entre as tendas. Foi nesse momento que a militar se aproximou e tocou no ombro da arqueira.

— Desculpe pela forma que eu te tratei, mas eu preciso fazer um certo teatro na frente de todo mundo — disse com a voz baixa.

— Mais uma vez, — Noëlle respirou fundo — o que você quer?

— Eu quero te alertar que essa não é uma guerra comum — sussurrou. — O exército vai conduzir um verdadeiro massacre. O outro lado não tem a menor chance e Paven pretende não apenas vencer, mas fazer uma demonstração de poder grande o bastante para que não haja nenhuma nova tentativa de resistência no futuro.

— Eu não sou paga para julgar os meus clientes — respondeu Noëlle. As palavras fizeram com que uma expressão de desânimo brotasse no rosto da Alexia.

— É a resposta padrão de qualquer mercenário — Alexia encarou a elfa. — Ninguém está te ouvindo aqui. Não precisa ficar repetindo essas frases decoradas.

— Eu sou uma mercenária! Eu não posso ficar escolhendo meus clientes de acordo com futilidades — as palavras pareciam queimar nos lábios da elfa, que se esforçava para acreditar nelas, mas não conseguia.

Futilidades? — a militar demonstrou irritação na voz — E se eu te oferecer dinheiro para degolar bebês, o que me diz?

— É óbvio que existem limites morais — retrucou Noëlle. — Mas isso é uma guerra. Por mais que o inimigo seja mais fraco, ele ainda é um exército! Mesmo que seja rebelde, ainda é um grupo que se dispôs a lutar. Não é como se nós fôssemos eliminar civis inocentes.

— Como eu disse, essa não é uma guerra comum. Espero que esteja ciente disso — Alexia deu um meio-sorriso e se afastou um pouco. — Você é uma boa pessoa, Noëlle. Não se corrompa simplesmente porque o seu dever pede. E, quando for a hora, não deixe que seu trabalho atrapalhe o seu julgamento de certo e errado.

— Olha, nós mal nos conhecemos — falou a elfa. — Você me procurou para me dar esses conselhos de mãe?

— Não — confessou a mulher. — Eu não quero te dizer ainda o motivo dessa conversa, mas não se preocupe. Tenho certeza que vai aprovar quando te contar. Agora, eu preciso ir antes que sintam a minha falta.

— Tudo bem, eu acho — respondeu Noëlle um pouco sem jeito.

A mulher se virou e saiu de perto da elfa. Sem entender muito bem o que Alexia estava sugerindo, Noëlle seguiu para a tenda dela. As palavras da Alexia soaram na mente da elfa enquanto ela andava. Do que ela estava falando? É melhor eu ter bastante cuidado.

Júlio estava sentado perto da fogueira, onde a cantoria parecia não ter fim. O rapaz pensou em seguir o exemplo da Noëlle e treinar durante as pausas na marcha, mas preferiu usar o tempo para descansar e se divertir. Aliás, ele não era nem de perto o único a fazer isso. Além do grupo fazendo música, o guerreiro viu várias pessoas jogando cartas.

Quando a canção terminou, Nuris, o elfo bardo, logo tratou de emendar mais uma, sempre com seu alaúde embalando a melodia. Provavelmente interessada pela nova música, uma moça de vastos cabelos prateados trajando vestes típicas de magos se aproximou do grupo e uniu a voz às demais. O afinado tom soprano dela se destacou em meio aos nada talentosos tenores e barítonos. Não demorou para que quase todos que estavam perto da fogueira parassem para observá-la. Então, a música ficou mais animada e todos começaram a dançar. Os cabelos dela se agitaram e Júlio conseguiu enxergar as orelhas pontiagudas. O tamanho e a angulação denunciaram que ela era uma meio-elfa.

Júlio parou um pouco de prestar atenção na moça e olhou para o horizonte. Eles estavam muito próximos a um pequeno vilarejo, cujo nome o guerreiro desconhecia. A luz no interior das casas brilhava pelas janelas abertas. O mercenário ficou curioso. Nenhum de seus colegas sabia informar o motivo da parada. Um deles chegou inclusive a brincar dizendo que invadiriam e matariam todos os moradores locais, levando todos os presentes a gargalhar.

A cantoria ao redor da fogueira foi perdendo força aos poucos. Finalmente, Nuris parou de tocar e acenou a todos enquanto se retirou acompanhado pela meio-elfa de cabelos prateados. Risos e piadas maliciosas se espalharam entre os mercenários quando os dois entraram na mesma tenda. Júlio não pôde evitar sentir um pouco de inveja do bardo, mas manteve seus pensamentos para si.

O guerreiro se sentou na grama e usou o tempo sozinho para dar uma polida na sua espada. Por mais que a arma não tivesse tanta qualidade, Júlio gostava dela e fazia questão de mantê-la brilhando. Enquanto fazia aquilo, o rapaz levantava a cabeça e observava as outras pessoas ao seu redor. Muitos já começavam a se recolher para suas tendas. A lua começava a subir e a noite devia ser bem aproveitada para a marcha do dia seguinte.

Então, alguns militares começaram a passar em meio aos mercenários. Eles não deveriam estar descansando também? Curioso, Júlio parou um pouco de polir a espada para olhar os soldados, mas não demorou para que entendesse o que estava acontecendo.

— Atenção! — gritou um deles. — Preparar para o combate!

Eles seguiram pelo acampamento berrando aquele comando e Júlio mal conseguiu esconder a confusão. Pelo punho de Labório, quem raios nós vamos atacar? O guerreiro não vira qualquer movimentação suspeita e tinha certeza de que o vilarejo nas proximidades não passava nem perto de ser uma ameaça.

Por sorte, Júlio não havia tirado sua armadura. Ela era pesada e não era exatamente fácil para colocar. Assim, ele optava por removê-la apenas na hora de dormir. A única peça que ele deixava para botar somente na hora do combate era o elmo, o que ele fez após ouvir os militares gritando.

O guerreiro seguiu o fluxo dos seus pares e se posicionou para o combate aguardando ordens. Naquele lugar, não havia palanques para que visse quem falava e a voz de comando que soou como um trovão em seguida não foi reconhecida por Júlio.

— Amigos, o vilarejo de Jandikar abrigou o assassino no nosso amado príncipe e, agora, se recusa a cooperar com as tropas reais. É triste, mas nossos agentes apuraram a informação de que o local foi completamente tomado pela Lança Branca. Não há civis aqui! Repito: não há civis! Deste modo, vamos mostrar aos rebeldes o poder das tropas reais! Não façam prisioneiros. Nós designamos algumas unidades específicas com essa finalidade. Aos demais, o único comando que damos é que matem sem piedade!

Júlio sentiu o suor descendo na testa e a mão tremendo. Ele respirou fundo para conter o nervosismo e a ânsia de vômito. O mercenário custou a acreditar nas palavras que acabara de ouvir. Ele estava sendo pago para lutar uma guerra, mas participaria de um verdadeiro massacre. Eu sou um mercenário. Estou aqui para lutar e vou fazer valer cada centavo que estão me pagando.

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