Capítulo 3
Noëlle olhava as várias lojas na feira central de Blaskogar buscando as ervas medicinais que curariam a ferida causada pela picada da vespa negra no pescoço do Júlio. A maioria funcionava em quitandas tão malconservadas que a elfa suspeitava que uma chuva seria o bastante para derrubá-las. Outras tantas ficavam nas casas à beira da rua cujas fachadas não deviam ser renovadas havia muito tempo dado o aspecto envelhecido com rachaduras e tinta descascando.
O movimento no comércio era muito fraco. Para cada pessoa procurando algo para comprar, Noëlle conseguia contar cerca de cinco mendigos implorando por uma moeda ou qualquer migalha para comer. Esses homens e mulheres maltrapilhos estavam por toda parte e bastava se aproximar de um para sentir o odor de dias ou semanas sem um único banho. A Fênix Corvina chegou a dar uma moeda de prata para um deles, mas iria falir se ajudasse todos ali. Assim, acabou optando por ignorá-los, embora a tarefa fosse difícil.
À medida que se moviam, os vendedores tentavam mostrar seus escassos produtos com uma boa dose de desespero. Considerando o que já havia observado, não era difícil imaginar que aqueles comerciantes estivessem há dias sem vender um único produto. A elfa já estava ficando sem graça de recusar ofertas para comprar frutas não tão frescas e joias de qualidade duvidosa.
— Foco, Júlio! — resmungou Noëlle quando seu amigo parou para observar alguns bonitos cristais de um mercador.
Eles transitaram por mais alguns minutos até que a elfa finalmente avistasse o que tanto procurara. Animada, ela fez com que Kyrios acelerasse o movimento e, então desceu do arkanvolf. Atrás dela, Júlio fez o mesmo.
Ao contrário da grande maioria das lojas, aquela estava bem conservada. A pintura da fachada estava em dia e até mesmo a calçada parecia ter sido lavada. Os produtos expostos na vitrine eram muitos. Noëlle viu folhas de culvesh hart, a qual era comumente cultivada por anões em Kör, sementes de srûthane-mairel, as quais eram tão vermelhas quanto a folha da árvore em que se tornariam, entre tantas outras folhas, sementes, flores e raízes que não conseguiu identificar.
No toldo do estande, havia um sino com uma corda. Noëlle o balançou com força, fazendo com que o barulho soasse alto o bastante para que seus sensíveis tímpanos élficos sentissem uma leve pontada. Em seguida, uma mulher incrivelmente alta com a pele bronzeada saiu do interior da loja correndo com expressão de susto.
— Boa tarde — disse ela, desconfiada.
— Boa — respondeu Noëlle. — Desculpe o barulho. Não quis te assustar.
— Não, minha querida — a mulher pareceu ficar mais tranquila. — Eu fiquei com medo de que fossem... — ela hesitou. — Outros clientes.
— Tudo bem — falou a Fênix Corvina. — Eu só estou procurando ervas para tratar uma picada de vespa negra. — Noëlle apontou para o pescoço do Júlio.
— Ah, minha querida! — a mulher abriu um sorriso. — Pois vocês vieram no lugar certo, viu?
Ela começou a mexer nos frascos até encontrar um com um pó roxo. Em seguida, procurou entre as folhas até achar uma bem larga com as bordas amareladas. Essas não parecem ser as ervas que usaram comigo na Oishi-Fuari. Noëlle soltou um leve suspiro ao se lembrar do nome da tribo que a renegara. Se Júlio ou a mulher notaram, eles não se manifestaram.
— Nessa época do ano, minha querida, as vespas negras ficam um horror — exclamou a herbanária com bastante ênfase na última palavra. — Você acredita que esse já é o terceiro caso só hoje? E com esses portões fechados, minha querida, ninguém aguenta, né? Ainda bem que eu tenho a minha hortinha! Só deve ter mais uns três apotecários com produtos.
— Mas vocês ficaram sem estoque em só uma semana? — questionou Noëlle.
— Vamos entrar, minha querida — sugeriu a mulher com um olhar desconfiado para os seus arredores. Em seguida, ela se virou e foi para o interior da sua venda, sendo seguida por Júlio e Noëlle.
A parte de dentro da loja era exatamente o que a elfa esperava. Muitas prateleiras tomavam as paredes e eram ocupadas por uma infinidade de frascos. Uma variedade de plantas ainda maior que a exposta do lado de fora impressionava.
A Fênix Corvina começou a buscar em sua mente os conhecimentos que havia aprendido décadas antes sobre plantas medicinais e tentou identificar algumas delas. Viu agrião, tão comum às margens dos rios do continente de Ûnia. Logo ao lado, reconheceu folhas e flores de alfazema, provavelmente trazidas do sul de Kör. Havia ainda arnica, frequentemente encontrada nas montanhas de Istkor. Em um frasco mais alto, viu flores de uyar hart, que ela imaginou terem sido cultivadas pela própria herbanária, dada a raridade delas. Por fim, deparou-se com uma velha conhecida. Ironicamente, a memória da Noëlle falhou na tentativa de recordar o nome daquele ramo com folhas vermelhas.
— Os portões estão fechados há mais de um mês, minha querida — lamentou a mulher. — O rei anda com tanto medo dos rebeldes que o acesso de mercadores está bastante restrito e muitos não conseguem mais reabastecer o estoque. Com os impostos crescendo o tempo inteiro, fica difícil conseguir sustento. Vários colegas já estão falando em fechar suas lojas, minha querida. Se pudessem, iriam para outras cidades, mas a declaração de guerra os impede, então alguns andam pensando em se juntar ao exército. Não está fácil.
— Eu sinto muito — consolou-a Noëlle sem saber muito mais o que dizer.
— A propósito, eu me chamo Dóris. Vocês são da companhia de mercenários que o rei contratou, não é? — Noëlle assentiu com a cabeça. — Eu imaginei que seriam. Pois bem, minha querida, sobre o seu amigo...
— Eu imaginei que a erva ideal seria aquela ali — sugeriu Noëlle apontando para a planta cujo nome não sabia.
— Elfos adoram a luibe dearge — ela deu uma risada simpática. — Realmente, é uma erva muito boa, minha querida, mas é, digamos... — Dóris pôs o dedo no queixo ao pensar na palavra que ia usar. — Forte demais.
— Entendi.
— Por cinquenta moedas de prata, eu posso fazer um remédio bem melhor, mais direto, minha querida.
— E que remédio seria esse?
— Vou fazer uma pasta com folha de hilkap triturada e sal roxo. Aí, minha querida, é só colocar no local da picada e manter o curativo por um dia que o composto vai drenar o veneno sem efeitos colaterais. A luibe dearge poderia entrar no lugar da hilkap, mas o resultado seria problemático, porque a pele humana é mais delicada que a élfica. Essa erva ia trocar a inflamação da picada por uma tremenda queimadura no pescoço do seu companheiro — explicou Dóris.
Noëlle tinha a sensação de que a mulher estava usando seus conhecimentos para convencê-la a gastar mais dinheiro do que seria necessário, mas a ferida no pescoço do Júlio estava ficando feia e ela não queria arriscar. Suspirou, abriu a bolsa dimensional amarrada na sua coxa direita e tirou de lá as cinquenta moedas de prata pedidas.
A herbanária abriu um sorriso ao pegar o dinheiro e foi até o balcão da loja pegar um almofariz. Ela retornou e, ao lado dos clientes, dobrou a folha de hilkap em vários pedaços, colocou-a no instrumento e começou a amassá-la com o pilão. Dóris repetiu o movimento incontáveis vezes até que a folha liberasse toda a seiva em seu interior e o composto ficasse pastoso. Em seguida, foi intercalando pitadas de sal roxo e uso do pilão até que, finalmente, respirou bem fundo e parou.
— Terminou? — perguntou Júlio. Noëlle estava tão concentrada na ação da mulher que tomou um susto com a voz do amigo.
— Sim, meu querido — disse Dóris com um sorriso. — Agora, você pode se sentar aqui nesse banquinho que eu vou colocar o remédio no seu machucado e fazer o curativo.
Júlio seguiu as instruções da herbanária e ela pegou um pincel para passar a pasta na picada no pescoço dele. Noëlle observou a expressão de dor surgir no rosto do amigo e, lentamente, sumir. Então, Dóris pegou bandagens bem finas e fez o curativo com bastante desenvoltura.
— Prontinho, meus queridos — comemorou a mulher com um tom orgulhoso. — Tente não mexer aí até amanhã à tarde. Cuidado extra na hora de dormir. Eu sugiro que, hoje à noite, vocês dois não... — Noëlle percebeu o que Dóris estava dizendo e ficou bastante sem graça, mas não tanto quanto o rosto enrubescido do Júlio sugeria que ele estava.
— Nós somos só amigos — interrompeu a elfa.
— Ah! Me desculpem! Não é muito comum por aqui ver um homem e uma mulher andando juntos sem que eles formem um casal — retratou-se.
— Enfim, muito obrigado, dona Dóris — a voz do Júlio soou mais fina do que de costume. — Nós já vamos!
— Eu que agradeço, meus queridos! Voltem sempre que precisarem!
Noëlle e Júlio saíram da loja e se digiram às suas montarias. Eles estavam com um pouco de pressa porque já haviam demorado o suficiente longe do castelo, mas a Fênix Corvina reparou que uma criança tentava se aproximar do Kyrios, enquanto sua mãe, alguns metros distante, pedia para que o menino não tocasse no arkanvolf.
— Moça — disse a mulher olhando para Noëlle. — Desculpe, eu sei que esse lobo gigante é seu porque te vi passando. Ele morde?
— Tecnicamente, ele morde — disse a elfa, fazendo com que os olhos da mulher se arregalassem. — Mas não precisa se preocupar. Ele não ataca sem motivo. E o Kyrios adora crianças. — Noëlle olhou de forma bem amigável para o menino. — Ei, mocinho! Pode fazer carinho nele.
Sem titubear, o rapazinho se aproximou do arkanvolf e começou a passar a mão no pelo vermelho. Kyrios olhou para a criança e voltou a abaixar a cabeça aproveitando as carícias.
A mãe do menino pareceu hesitar um pouco, mas se aproximou do filho e repetiu o gesto da criança. O animal sequer se moveu.
— Obrigada — disse a mãe. — Nesses tempos tão difíceis, é complicado encontrar gente paciente com crianças. A maioria das pessoas está assustada com a presença de vocês na cidade, mas eu sei que o Rei Zanok não traria para dentro de Blaskogar alguém que fosse fazer mal a seu povo.
— De nada — respondeu Noëlle. — Eu sou uma elfa, então pode ter certeza que eu sei o tanto que é importante o contato com animais.
— Filho — a mulher se virou para a criança. — Eles vão embora agora. Vamos dizer tchau para o lobo?
O menino fez uma cara triste, mas parou de acariciar Kyrios. O arkanvolf ergueu sua cabeça e deu uma leve lambida na mão da criança, que abriu um largo sorriso. A mãe repetiu o gesto antes de acenar e se virar, afastando-se com o filho.
De repente, Noëlle ouviu cascos batendo no chão. Em resposta, ouviu muito barulho entre os mercadores e olhou para os lados, percebendo caixas sendo enfiadas embaixo de mesas, janelas sendo fechadas, joias sendo colocadas dentro de bolsos e até mesmo uma espada sendo colocada em um piso falso. A Fênix Corvina não sabia quem se aproximava, mas claramente não era alguém apreciado pelos comerciantes locais.
Ao contrário dos demais, Dóris não se escondeu. Em vez disso, ela se posicionou à frente da loja e ficou ali, parecendo aguardar. O olhar dela oscilava, mirando a rua na direção do som, o chão de sua loja ou o céu azul. Ela uniu as mãos, talvez fazendo uma prece a alguma divindade, e desenhou o contorno de uma chama no peito. Aparentemente, ela é uma seguidora de Angra.
Noëlle praticamente podia sentir o medo que emanava em todos naquela rua quando os guardas com a montanha vermelha de Istkor estampada no peito surgiram em seus cavalos. E eles deviam estar ali por um motivo muito específico, porque pareceram ignorar completamente todos que cruzavam seu caminho até pararem em frente à loja da herbanária.
— São duas semanas sem imposto — anunciou um guarda, encarando diretamente a dona da loja. — Seria uma pena se alguém deixasse cair uma tocha nessa lojinha tão bonita.
— Não! — gritou Dóris. — Eu tenho o dinheiro. Quanto é que eu devia?
— Cem moedas de prata — resmungou o homem.
— Como assim? — o desespero brotou no olhar da herbanária. — Ontem eram cinquenta!
— É o preço por me fazer esperar, sua erkkiai! — o guarda botou bastante ênfase naquela palavra. Noëlle não sabia o que significava, mas foi nítido que Dóris ficou bastante ofendida. — Talvez um pouco de fogo faça o dinheiro aparecer!
— Não, por favor! — suplicou. — Eu tenho o dinheiro que me cobrou ontem! Como ia imaginar que minha dívida dobraria?
— Eu estou cansado da ambição de vocês, mercadores! — urrou o guarda. — Como ousam não pagar o que devem ao grande Rei Zanok?
— Mas eu não tenho mais dinheiro, só as minhas plantas!
Ignorando os gritos da mulher, o sujeito pegou uma tocha que estava com um de seus companheiros e se preparou para acendê-la. Dóris se pôs a chorar e a suplicar, mas os soldados estavam impassíveis. A única propriedade que ela tinha seria queimada.
Noëlle sentiu um aperto em seu peito. Aquela mulher acabara de ajudá-la e não merecia passar por algo tão cruel. Por outro lado, a elfa sabia muito bem que as regras dos Lobos Negros impediam que ela intervisse. Entretanto, ela não conseguia dar as costas e ir embora. A Aura vai me matar.
A Fênix Corvina fechou os olhos por um instante e se concentrou. Ela sentiu a energia que habitava o âmago de seu ser e deu o comando para que ela se retirasse. O calor tomou conta dos poros de mana em sua pele e seu corpo emitiu um tênue brilho alaranjado. Noëlle estendeu a mão e a luz convergiu para ela, materializando um arco de madeira escura e penas de fênix nas extremidades, mas sem fio ou flechas físicas visíveis. Vamos ver se eles gostam de brincar com fogo.
— Ei, palhaço! — rosnou. — Tá achando bonito atacar pessoas desarmadas? — A postura agressiva da elfa foi imediatamente assimilada por seu arkanvolf, que se posicionou entre ela e os guardas, mostrando suas enormes presas afiadas.
— Vai atacar a gente com um arco sem corda, é? — riu um dos guardas.
Noëlle colocou a arma em posição de ataque e um fio vermelho de energia surgiu. Em seguida, ela o tocou e uma flecha flamejante se materializou.
— Este é Fen'nala, o Coração da Fênix — anunciou com autoridade na voz. Em seguida, tracionou o arco e apontou o projétil para o homem segurando a tocha. — Uma flechada na sua cabeça e o seu funeral vai ser bem desagradável. E acredite, seu esterco de basilisco, eu não erro de tão perto.
— Você não teria coragem de atacar um servo do rei — provocou um dos guardas.
— Eu só vou contar até três para que vocês desapareçam da minha vista.
— Cabo Hardi, ela está blefando com certeza — disse outro deles.
— Um! — contou Noëlle. O homem suava frio. Ele jogou a tocha no chão e colocou a mão no cabo da espada em sua cintura. — Dois! — Ele desistiu de sacar a arma e subiu no cavalo.
— Isso não vai ficar assim, elfa! — rosnou o guarda. Ele se virou e bateu em retirada com seus capangas.
A Fênix Corvina se virou para Dóris, que parecia estar em choque com a cena. Júlio se aproximou, mas ela o empurrou com o braço. Tremendo, a mulher pegou a cadeira mais próxima e se sentou.
Por alguns instantes, o silêncio se instalou no lugar. Dóris manteve a cabeça baixa apoiada nas duas mãos. Então, ela começou a chorar.
— Obrigada, minha querida — disse a herbanária entre soluços. — A minha loja não ia ser a primeira queimada na feira.
— O que você vai fazer agora? — perguntou Júlio.
— Eu não sei — respondeu. — Vocês podem ir agora. Se ficarem aqui, vão acabar tendo problemas.
— Há algo que possamos fazer por você? — questionou Noëlle.
— Não, meus queridos — lamentou. — Vocês já me salvaram. O resto é por minha conta.
— Então, nós já vamos — disse Noëlle com um pouco de hesitação na voz. Ela tinha um sentimento ruim sobre deixar Dóris para trás.
— Que o fogo sagrado de Angra esteja com vocês.
Noëlle e Júlio se despediram da herbanária e saíram da feira. Embora tenham seguido sozinhos ao longo do caminho, a elfa não conseguiu se livrar da sensação de que eles estavam sendo observados.
No horizonte, o tom purpúreo no céu mostrava que o sol azul de Azúria estava prestes a dar lugar à lua. Noëlle e Júlio chegaram ao Azesh'lan Kassl. Eles iam se juntar ao restante dos Lobos Negros.
☼
Revgar estava atrás da larga mesa em seu escritório assinando documentos que precisavam passar por todos os membros do Conselho do Exército. A maioria dizia respeito à liberação de armamentos para o movimento de guerra que havia sido iniciado contra os rebeldes da Lança Branca.
À medida que olhava para os papéis, o tenente se lembrava da última reunião. Uma pontada de insatisfação brotou em seu peito. Normalmente, os encontros se davam para que decisões fossem tomadas em conjunto, mas o último fora apenas informativo. Por que o Rei Zanok esquematizou o plano com o Paven sem nos consultar?
Entretanto, a posição do general servia de alento para Revgar. O rei não estava ignorando os outros membros, mas, sim, buscando a sabedoria do membro mais experiente e competente do Conselho. O Arcano de Rhyfel invejava um pouco o colega, mas preferia enxergar a situação como um incentivo para se esforçar, crescer e, um dia, ser a Mão Direita do monarca que ele tanto admirava.
Revgar foi tirado de seu estado reflexivo quando ouviu alguém bater na porta. Levemente incomodado pela interrupção, o tenente parou de assinar os documentos e foi abrir a sala. Ele ficou surpreso ao se deparar com aquele homem de pele muito escura, careca e com a barba volumosa. Konrad deu um sorriso amarelo enquanto entrava no escritório e se sentava de frente para a mesa do Arcano de Rhyfel.
— Aconteceu alguma coisa? — questionou Revgar enquanto retornava ao seu lugar.
— Então, cara — o chefe da guarda esfregou a mão na testa. — Sim. E foi algo bem desagradável.
— O que houve, Konrad? — indagou.
— Alguns guardas vieram me procurar há alguns minutos para dizer que uma mercenária ameaçou atacá-los quando foram fazer uma vistoria em uma loja com suspeita de vender produtos ilegais. Supostamente, era uma elfa que tinha um arkanvolf vermelho como animal de estimação — afirmou ele com a voz soando cansada. A informação de que a suposta agressora possuía um lobo arcano elemental, criatura raríssima e pouquíssimo domesticável, fez com que Revgar erguesse uma sobrancelha. — Eu achei a história um pouco esquisita, confesso, mas tenho que assumir que estejam falando a verdade e, bem, o responsável pelos mercenários é você. Como o exército vai iniciar a marcha depois de amanhã, acho melhor não fazermos alarde, mas queria que você conversasse com a líder dos Lobos Negros... — ele fez uma pausa. — É Aura, né?
— Isso — confirmou Revgar. — Pode deixar. Eu queria mesmo uma folga dessa papelada infernal que nunca acaba. Vou agora mesmo falar com ela. Talvez seja tudo um grande mal-entendido, mas não custa nada deixar as pessoas informadas, não é mesmo?
— Obrigado, amigo — disse Konrad se colocando de pé. — Eu sabia que podia contar contigo.
— Claro! Sempre que precisar.
Revgar e Konrad se levantaram e saíram do escritório. Então, eles se separaram já no corredor. O tenente desceu as escadas e foi direto para o pátio, ignorando completamente as pessoas com quem cruzou no caminho.
A área externa do castelo estava tomada por tendas. A maioria dos mercenários havia montado estruturas simples, mas tinha uma pequena parcela que possuía artefatos mágicos caros, como tendas climatizadas e casas dimensionais. Era em uma destas que a líder dos Lobos Negros tinha se instalado.
Revgar passou pelo acampamento dos mercenários observando o comportamento deles. A maioria absoluta já estava descansando no interior das tendas, talvez por conta da longa viagem de Terafirr até Blaskogar, mas alguns tocavam instrumentos e cantavam, outros conversavam sobre assuntos diversos e havia ainda os que aproveitavam o tempo livre para aperfeiçoar técnicas de combate.
O Arcano de Rhyfel viu uma bela jovem de longos cabelos prateados, que parecia ser uma meio-elfa, dividir uma garrafa de cerveja com um mercenário mais velho. Eles jogavam cartas enquanto eram observados por outros dois sujeitos.
Revgar observou um homem mais velho polindo sua espada. Ele tinha uma cicatriz enorme no rosto, que saía da testa e chegava ao queixo, passando por um nariz deformado e poupando os olhos por pouco. Tá aí uma marca de um guerreiro que deve ter visto muitas batalhas. Eu gostaria de conhecer a história por trás dessa cicatriz.
Quanto mais Revgar analisava os rostos, mais percebia a diversidade entre os muitos membros dos Lobos Negros. Elfos, anões, draconatos, humanos, entre outras raças compunham as fileiras daqueles mercenários. Não era para isso que estava ali, mas aquela observação reforçava sua confiança de que o Conselho havia acertado na contratação.
Da mesma forma como prestara bastante atenção nos indivíduos que vira, o Arcano de Rhyfel percebeu que muitos olhares foram direcionados a ele. Ainda assim, a maior parte das pessoas ignorou a presença dele por completo.
No meio do acampamento, Revgar notou um discreto casebre de madeira com algumas runas na porta. Os símbolos poderiam passar desapercebidos por qualquer pessoa comum, mas um Arcano de Rhyfel bem treinado como ele reconheceria uma casa dimensional em qualquer lugar.
Eram artefatos raros e caríssimos manufaturados por engenheiros arcanos. Normalmente, tinham uma forma pequena para serem transportadas, ganhando o tamanho de uma casa ao serem desencadeadas por alguma palavra-chave. Para melhorar, ainda usavam magia dimensional para que o tamanho interno fosse maior que o externo. Se a líder dessa guilda tem uma belezinha dessas, dá pra imaginar o tanto de ouro que ela tem.
O Arcano de Rhyfel bateu à porta e aguardou por alguns instantes. Uma elfa de longos cabelos dourados e encantadores olhos verdes saiu, encarando-o com as sobrancelhas arqueadas.
— Pois não? — disse Aura.
— Posso entrar? — perguntou o tenente. A líder dos Lobos Negros escancarou a porta para que Revgar pudesse acessar o interior da casa dimensional.
Como esperado daquele artefato tão caro, ele era muito maior por dentro do que por fora. Na sala, Revgar admirou a grande coleção de arcos na parede e a bonita e luxuosa mobília. E dizem que elfos só gostam dos móveis rústicos que eles mesmos produzem. Quem fala isso precisa conhecer essa senhorita.
Aura conduziu o Arcano de Rhyfel até uma mesa de madeira esculpida com detalhes belíssimos, puxou uma cadeira para sentar-se e indicou com a mão para que o tenente fizesse o mesmo. Revgar obedeceu e limpou a garganta antes de falar.
— Boa noite, senhorita Lanovar — disse o Arcano de Rhyfel. — Chegou a mim a informação de que houve um incidente envolvendo uma mercenária e alguns guardas. Aparentemente, ela ameaçou atacá-los enquanto eles faziam o serviço deles.
— Vocês sabem que mercenária é essa? — questionou Aura.
— Supostamente, é uma que tem um arkanvolf vermelho.
— Existe alguma orientação local a respeito do ocorrido?
— Nós queremos que a história não se espalhe. Não iremos fazer o procedimento padrão, que seria julgamento e prisão, pois acreditamos que o ideal é que os mercenários não sofram desfalques antes da guerra, mas gostaríamos que a senhora, como líder da instituição, faça o que estiver ao seu alcance para evitar novos incidentes como este.
— Eu sei muito bem quem é a mercenária em questão — afirmou Aura. — Conversarei com ela e posso garantir que isso não vai se repetir.
— Fico feliz com isso — Revgar, então, se levantou e suspirou por conta do cansaço. — Agora, vou retornar aos meus afazeres.
Após se despedir, o tenente se retirou da casa dimensional e foi para o seu escritório. Ele estava com um pouco de fome, mas preferiu terminar o trabalho antes de se alimentar.
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