Capítulo 17
— Os senhores devem estar imaginando o motivo de eu tê-los reunido hoje — disse Revgar, observando os demais conselheiros.
— Considerando que estamos perdendo tempo que poderia ser dedicado à marcha, com certeza estamos bastante curiosos — afirmou Paven, com acidez.
— Senhores, todos vimos como foi problemático o ataque em Jandikar. Eliminamos os rebeldes, é verdade, mas a custo de muitos inocentes. E se houvesse uma forma de forçar a população local a nos entregar aqueles que queremos?
— Tenente Revgar, nós já debatemos este assunto. Se fosse fácil assim, não avançaríamos com o plano agressivo. Chegaremos em Alviora amanhã e atacaremos a cidade.
— Senhores, eu quero propor uma alternativa que pode poupar vidas preciosas caso seja bem sucedida.
— Tenho certeza que o nosso grande General Paven não se recusaria a ouvir uma proposta que pudesse salvar vidas que juramos proteger, não é? — ironizou Keagan, olhando de soslaio para o comandante.
— Claro que não — replicou Paven, dando um leve suspiro.
— Oras, atacar diretamente Alviora é uma forma prática e objetiva de alcançarmos nosso objetivo, mas a que custo? É pensando em preservar o sangue inocente de várias famílias locais que acho que deveríamos mudar nossa abordagem para um cerco. Nos custaria tempo, é verdade, mas pressionaria os habitantes locais a entregar os rebeldes e menos mortes seriam necessárias.
— Um cerco efetivo leva semanas — pontuou Paven. — As pessoas têm estoque de comida e bebida, não se renderiam em pouco tempo.
— E por acaso temos pressa, general? — questionou Keagan. — Temos algum motivo para crer que não seja bom demorar mais e evitar um novo massacre?
— O sangue da batalha é a mensagem que estamos enviando para a Lança Branca — lembrou Bert, batendo na mesa. — Queremos a cabeça dos malditos lanceiros nas pontas de nossas lanças, não suas barrigas vazias.
— Eu me vejo forçada a concordar com o Tenente Revgar e com o General Keagan — disse Louise, sem alterar a voz. — Se é possível alcançar o nosso objetivo com menos sangue derramado, não há lógica alguma em não buscar essa alternativa primeiro. Ainda mais quando estamos discutindo um provável massacre.
— Senhores, eu entendo que estejam pensando desta forma por conta do peso sentimental da batalha, mas lembrem-se que estamos caçando os maiores inimigos que habitam nosso reino. Cada minuto dado a eles pode e será usado contra nós — argumentou Paven. — Os lanceiros fingem fraqueza agora para nos dar o bote depois. São cobras traiçoeiras.
— E você está disposto a matar centenas de inocentes no processo? Seu argumento até tem um ponto, general, mas é ilógico não testar uma abordagem menos, digamos, avassaladora primeiro — contestou Keagan. — A solução trazida pelo Tenente Revgar atende ao plano de atacar Alviora, mas permite que a população local se renda e nos entregue os verdadeiros inimigos de Istkor.
— Os ganhos dessa abordagem são muito mais relevantes que as perdas, General Paven — ponderou Revgar. — Pense na imagem que o exército deixa para o povo ao massacrar cegamente.
— Eu reafirmo que estou de acordo com o pleito do Tenente Revgar. Seus argumentos até têm um ponto, General Paven, mas nosso juramento é de defender vidas istkorianas a todo custo. Eu me sentiria uma traidora se me opusesse a um plano que não nos desvia de nosso objetivo e ainda pode poupar inocentes.
— Muito bem, então — disse Paven. — É perceptível que a minha posição não é a mais defendida aqui. Assim sendo, vou ceder e nós podemos proceder com um cerco. Espero que possamos, assim, ter resultados mais efetivos, preservando a vida de cidadãos istkorianos sem prejudicar o ataque à Lança Branca.
Revgar olhou para o comandante, tentando disfarçar sua incredulidade ao ver que o plano funcionara. Ainda assim, um discreto sorriso brotou em seus lábios. O alívio ao saber que pessoas seriam salvas do massacre era muito satisfatório.
— Caso ninguém mais queira falar algo, estão todos dispensados — anunciou Paven.
Um a um, os membros do Conselho se levantaram de seus lugares e se retiraram da tenda. Revgar foi o penúltimo a se erguer, ainda com um misto de alegria e surpresa após ter tido sua sugestão acatada. Ele se moveu em direção à saída, mas foi parado por uma mão em seu ombro, o que fez com que ele parasse.
— Minhas congratulações por ter encontrado uma solução simples e eficiente para o nosso problema, Revgar, mas devo te lembrar que a vontade do Rei Zanok não deve ser desafiada por ninguém, nem mesmo um conselheiro — sussurrou Paven em seu ouvido antes de passar por ele.
— Isso é uma ameaça, Paven? — indagou o tenente.
— Jamais, Revgar — assegurou o general, de costas e sem olhar para trás. — Jamais.
As palavras do comandante fizeram com que o Arcano de Rhyfel sentisse um frio na espinha. O tenente engoliu em seco e se retirou. Talvez desafiar Paven fosse mais perigoso do que ele imaginava.
☼
Noëlle abriu os olhos ao sentir a luz do sol batendo em seu rosto. Seu corpo doía como se tivesse sido pisoteada por um basilisco. Com dificuldade, sentou-se e sentiu o cheiro de esterco, agradável perto do que sentira no Pico da Neblina.
— Eu pago por um quarto e você me faz dormir no estábulo, Kyrios? — brincou a elfa, a voz saindo fraca.
— Ele não deixou ninguém chegar perto de você.
Noëlle olhou imediatamente para a fonte da voz apenas para ver de perto o humano que encontrara no Pico da Neblina. A pele era clara, embora um pouco mais escura que a dela, e os curtos cabelos castanhos estavam desgrenhados. Qualquer um que olhasse seria capaz de dizer que o sujeito era pouco mais que um menino. Não fosse a discreta barba por fazer, poderia até ser confundido com uma criança.
— Agora vocês mandam bebês para investigar cavernas com dragões, é?
— Bebê? — ele franziu o cenho e suas bochechas ficaram rosadas. — Eu tenho dezoito anos, tudo bem? A propósito, obrigado por salvar a minha vida. Meu nome é Zylkoris.
— Incrível, você é quase um ancião, então — ironizou a elfa em tom de brincadeira. — Ficou aqui me vendo dormir ou chegou agora?
— Como eu não gosto muito de passar fome, eu deixei a Nevasca aqui — ele apontou para uma égua branca — e fui comer. Aí eu dormi, comi mais um pouco e vim conferir como você estava. Dormiu um dia inteiro, um feito notável.
— Um dia? — alarmou-se a elfa, estendendo a mão para ser ajudada a levantar.
Quando Zylkoris a puxou, Noëlle sentiu mais dor no corpo, mas conseguiu se conter. Fazia muito tempo que não disparava um tiro tão poderoso com o Fen'nala. O arco consumia um pouco de sua mana toda vez que atirava uma flecha, mas aquilo costumava ser absolutamente irrelevante em circunstâncias habituais.
— Espero que o tiro tenha acabado com a raça daquele dragão — comentou Noëlle, soltando um leve gemido de dor ao sentir uma pontada na coxa, enquanto dava os primeiros passos. — Pra me fazer dormir por um dia inteiro, tem que valer cada gota de mana.
— A explosão que você fez ali deve ter dizimado qualquer coisa que estivesse viva dentro daquela caverna — afirmou Zylkoris.
Noëlle deu uma olhada para trás e viu Kyrios a encarando deitado. O lobo emitiu um leve rosnado e ganiu de leve. A elfa entendia que o companheiro queria mantê-la por perto, mas ela precisava entrar na taverna, comer e saber se estava tudo certo com a Sabrina.
— Está tudo bem comigo, Kyrios — disse ela. — Comporte-se aqui e eu prometo te trazer uma refeição de primeira, viu?
— É um companheiro e tanto esse que você tem — observou Zylkoris. — Não me deixou chegar nem perto de você a viagem inteira de volta.
— Ele é muito especial — concordou a elfa. — Cuida muito melhor de mim do que eu, dele.
Os dois deixaram o estábulo para trás e seguiram para a taverna. Noëlle fez o percurso a passos lentos, sentindo o corpo reclamar do movimento. Da última vez que aquilo acontecera, ela tivera Júlio para cuidar dela. Espero que ele esteja bem.
O interior da taverna não estava muito movimentado, mesmo já sendo por volta de meio-dia. Acho que, realmente, as pessoas só vêm aqui pra beber. As narinas captaram o cheiro absolutamente delicioso de carne assada e a elfa notou o abismo que havia em seu estômago, o qual roncou tão alto, que poderia acordar a cidade inteira.
— Brorver, manda fazerem comida pra essa moça aqui, antes que ela resolve devorar a primeira coisa que aparecer pela frente.
O taverneiro deu uma risada antes de sinalizar algo para alguém atrás da pequena janela quadrada atrás dele, provavelmente o cozinheiro. A Fênix Corvina não fazia nem ideia de que comida seria preparada, mas a fome era tão grande que ela toparia comer até mesmo as pernas de rã fritas que esnobara antes.
Em uma mesa perto da entrada, Noëlle viu Sabrina. Ao lado dela, o garçom inconveniente de dois dias antes puxava assunto, provavelmente com os seios dela, tendo em vista o olhar atraído para o decote como metal sendo puxado por um ímã.
— Pelos deuses, Erik — disse Zylkoris. — Disfarça, cara. Desse jeito, sua cara vai cair nos peitos da menina.
Brorver e outros dois garçons caíram na gargalhada e a própria Noëlle esboçou uma risada, sendo interrompida pelo desconforto no corpo. O coitado do Erik se levantou de uma vez, seu rosto mais vermelho que uma cereja, e abriu a boca para falar, mas não emitiu som algum, provavelmente porque estava pensando em alguma desculpa esfarrapada que não convenceria nem a própria mãe.
Ignorando o indivíduo, a Fênix Corvina se aproximou da amiga, que a encarou. No momento em que os olhares se encontraram, o rosto da humana se iluminou. Noëlle deu um sorriso para amiga, enquanto se acomodava em uma cadeira ao lado dela. Ao se abaixar, sentiu mais uma pontada de dor e soltou um gemido.
— Você está bem? — questionou Sabrina, a voz tensa, as sobrancelhas franzidas e os olhos bem abertos.
— Estou, mas vou precisar de um bom descanso antes de podermos seguir viagem — respondeu Noëlle. — Ainda tive que dar uma força para esse mocinho atrás de mim.
A elfa se virou para Zylkoris, esperando encontrá-lo rindo, mas ele tinha os olhos arregalados e a boca aberta. O humano encarava Sabrina como se estivesse enxergando um fantasma diante dele. Ele ainda esfregou o rosto antes de se aproximar.
— Florina? — o nome saiu da boca dele em um sussurro.
— Não, Sabrina. Devo presumir que você conhece a minha irmã mais nova, mas pode ficar tranquilo que você não é o primeiro e não será o último a confundir a gente — afirmou a humana, cheia de doçura na voz.
— Conheço — afirmou Zylkoris. — Conheço, sim. Eu vou deixar vocês sozinhas agora. Estou com muita fome e tenho algumas coisas pra fazer.
O humano seguiu reto, cruzando a taverna antes de pegar uma mesa distante das duas. Enquanto ele se deslocava, Noëlle percebeu os olhos da Sabrina acompanhando o rapaz. Imediatamente, a elfa abriu um sorriso malicioso. A amiga percebeu e corou.
— O que foi? Estava só olhando!
— Eu não disse nada — afirmou Noëlle, soltando uma risada de leve e se arrependendo em seguida, porque aquilo fez com que seu tórax doesse um pouco.
— Senti sua falta aqui, mas aos poucos estou ficando mais segura. Consegui descer e fazer minha refeição sem medo. Obrigada por estar me ajudando tanto.
— Isso é ótimo, mas saiba que continuo disponível, caso precise, tudo bem? Não precisa se obrigar a dar passos que não esteja preparada para dar ainda.
— Eu sei e agradeço por isso.
— Com licença, moças — Erik as interrompeu. — A comida chegou.
Noëlle sentiu a boca encher de água e o estômago roncar mais uma vez ao encarar aquele contrafilé de kýr suculento diante de seus olhos. Ele estava acompanhado por batata assada e arroz com brócolis. A elfa virou para Zylkoris e, de longe, mandou um beijo com as mãos antes de dar uma risada e sentir outra pontada.
— De nada — gritou o humano, rindo.
A Fênix Corvina e Sabrina pararam de conversar para comer. O sabor estava ainda melhor que a aparência, provavelmente potencializado pela fome. A refeição foi muito bem aproveitada, assim como o descanso que se seguiu. Tudo para que as energias pudessem ser repostas e Noëlle estivesse em melhor forma no dia seguinte.
☼
Depois de um dia intenso de marcha, Júlio deu graças aos deuses pela chegada da noite e a consequente parada. A lua minguante estava acompanhada de inúmeras estrelas que pareciam todas olhar diretamente para o guerreiro, julgando-o. A proximidade de mais um combate o incomodava e pensar naquilo era desagradável, mas ele não estava se sentindo à vontade para participar mais uma vez da roda de música. Assim, optou por pegar sua espada, se afastar um pouco e treinar.
Tendo os tufos de grama mais alta como vítima, ele praticou seus movimentos preferidos, erguendo o escudo para se defender de ataques imaginários e contra-atacando com estocadas ou movimentos mais amplos laterais ou verticais. Antes de brigar com Noëlle, ele se juntava à amiga nas raras vezes que optava por praticar em vez de descansar. "Seus movimentos precisam ser mais rápidos, mais naturais", a voz dela ressoava em sua mente e o guerreiro se esforçava para repetir cada golpe com mais precisão.
Lembrar da Noëlle fez com que Júlio sentisse um aperto no peito. Ele não via a amiga desde a descoberta de que ela estava se deitando com outro homem. Não tivera coragem ainda de buscá-la para aparar as arestas. Não saberia o que dizer, afinal, não era como se a amiga devesse alguma satisfação a ele. Entretanto, estranhava o fato de não a ter visto nem sequer na marcha. Não era exatamente como se Kyrios fosse uma montaria discreta. Ainda assim, se ela estivesse mantendo uma distância grande, em meio a um exército daquele tamanho, não era impossível que a Fênix Corvina conseguisse se manter escondida dele. Deve ser apenas uma grande coincidência, pensou e decidiu acreditar no próprio pensamento.
Júlio imaginou um guerreiro vindo de seu flanco direito e usou o escudo para bloquear o avanço dele, girando o corpo em seguida e usando o movimento para acelerar a espada em um golpe cortante contra o pescoço do atacante invisível. Então, ele sentiu o pé deslizando algo e perdeu o equilíbrio. Antes de cair, soltou a espada para ter as mãos livres, usando-as de apoio para não dar com a cara no chão. Imediatamente, ele ouviu uma voz feminina gargalhando. Olhou para o ponto onde escorregara e viu ali uma pequena poça de água congelada.
— Desculpe, não resisti — disse Ashlan, enxugando as lágrimas com o dedo e ainda rindo.
— Achei que você tivesse ido para a cantoria lá na fogueira — comentou Júlio, enquanto se levantava e batia a mão contra o corpo para tirar a sujeira que ficara nele.
— Tava chato lá, então vim ver o que você tava fazendo.
— Estou treinando um pouco — explicou. — Preciso deixar as habilidades em dia para a batalha, né?
— Quer uma mãozinha? — ofereceu a meio-elfa. — Acho que posso deixar seu treino um pouco mais interessante.
— Por que não? Ajuda é sempre bom.
Ashlan deu um sorriso malicioso de canto de boca e fez um movimento com a mão. Imediatamente, Júlio viu lanças de gelo se formando no ar. O guerreiro ergueu o escudo e a meio-elfa arremessou a primeira contra ele. O projétil mágico se deslocou pelo ar, mas foi bloqueado.
— Nada mal — elogiou Ashlan.
As lanças de gelo foram arremessadas uma após a outra e Júlio manteve-se atento, alternando o escudo e a esquiva para não ser atingido. No quarto projétil, o guerreiro errou o movimento defensivo e a lança o atingiria em cheio no rosto, mas parou no ar.
— Nessa, você teria morrido — afirmou a meio-elfa. — Faltou erguer um pouco mais o escudo.
— Vamos de novo — pediu Júlio.
Eles repetiram o treinamento algumas vezes. Júlio bloqueava as lanças mais rápidas com o escudo e usava a espada para quebrar no ar as mais lentas. Ashlan parecia ser muito habilidosa e lutar contra os projéteis de gelo era desafiador, mas a prática também era divertida.
Vez ou outra, quando o guerreiro estava mais concentrado, a meio-elfa repetia a brincadeira de criar camadas de gelo no chão, fazendo com que Júlio escorregasse. Ela caía na gargalhada, mas o humano não conseguia ficar irritado. Fosse pelo som encantador ou pela expressão inocente, ele acabava gostando dos momentos de descontração.
— Estou cansada — anunciou Ashlan, ofegante.
— Você nem se mexeu — protestou Júlio, embainhando a espada e se aproximando da meio-elfa.
— Muito engraçado — ironizou ela, mostrando a língua ao guerreiro de forma pueril. — Usar magia cansa tanto quanto qualquer trabalho braçal, viu?
— Eu sei disso — confessou. — Só estava brincando. Quer ir lá pra fogueira agora?
— Eu aceito o convite.
Os dois saíram do gramado e retornaram juntos ao acampamento. Durante o trajeto conversaram trivialidades, enquanto observaram o belíssimo céu estrelado daquela noite. Júlio estava ofegante e sentia o suor escorrendo pelo corpo. Olhou para o lado, percebendo que a situação da Ashlan era idêntica.
Passaram por entre as várias tendas do acampamento e chegaram juntos à fogueira. Àquela altura, a música já havia cessado, mas ainda tinha algumas pessoas por ali. Júlio se acomodou no chão e Ashlan se sentou ao lado dele.
— Será que a próxima batalha será como a primeira? — disse a meio-elfa, mantendo a voz baixa.
— Não sei — respondeu o humano.
— Estou torcendo muito para que não seja. Óbvio que isso aumentaria o risco para nós, mas eu não gostaria de estar envolvida em mais um massacre. Ainda mais de inocentes.
— Até onde eu sei, eram rebeldes, não?
— Você acredita mesmo nisso? Rebeldes que mal tinham uma arma para contra-atacar? Júlio, eu vi uma mulher usar uma faca de cozinha para se defender de uma espada e o soldado a matou. É surreal o que está acontecendo aqui em Istkor.
As palavras da Ashlan fizeram com que ele sentisse um aperto no peito. A memória de Jandikar ainda estava viva em sua mente. Temia jamais esquecer do que vivenciara no pequeno vilarejo. Entretanto, ele era um mercenário e não tinha como manter-se no ramo se não conseguisse lidar com situações como aquela. Conversar sobre o assunto talvez fosse uma boa ideia, mas ele não se sentia pronto.
— Desculpa pelo que falei — murmurou Ashlan. — Essa guerra mexeu mais comigo do que eu imaginava.
— Não se preocupe — respondeu o guerreiro. — Eu sei bem como se sente.
— O treinamento foi muito bom — mudou de assunto a meio-elfa. — A gente devia fazer isso mais vezes.
— Eu concordo. Isso seria muito bom.
Júlio colocou a mão na cintura da Ashlan e a trouxe para mais perto. Sentiu a cabeça dela no ombro e levou os dedos gentilmente aos cabelos prateados, fazendo cafuné nela, enquanto observavam a fogueira ao som dos grilos e dos estalos da madeira. Se a realidade era dura, ao menos o guerreiro tinha alguém para compartilhá-la.
☼
A Corvo Maior brilhava no céu, quando Revgar deixou a casa de pedra que fizera ao acampar. O silêncio tomava conta da noite, com soldados descansando em suas tendas após mais um dia exaustivo de marcha.
O tenente respirou fundo ao se deslocar pelas sombras, sentindo-se um grande conspirador. Estava convencido de que era a coisa certa a se fazer, mas isso não mudava o fato de que aquilo era traição e poderia ter consequências graves.
A tenda da Alexia, assim como todas, estava escura. Discretamente, Revgar entrou ali, apenas para encontrar sua amiga dormindo. Por um instante, ele a observou, admirando-a naquele estado absolutamente indefeso.
— Alexia — sussurrou o Arcano de Rhyfel, colocando uma mão no ombro dela e balançando gentilmente.
A mulher abriu os olhos preguiçosamente, bocejando e se espreguiçando antes de se sentar. Ela encarou Revgar e deu um meio-sorriso.
— Espero que tenha boas notícias. Você me tirou de um raro bom sonho.
— Consegui convencer o Conselho. Faremos o cerco em Alviora.
— Isso é ótimo — ela agitou as mãos com os punhos fechados. — Queria poder gritar de alegria. Começarei os preparativos imediatamente. Volte para sua casinha e, da próxima vez, faz uma pra mim também.
— Pode deixar — respondeu Revgar.
O tenente pensou em comentar sobre a ameaça de Paven, mas não quis preocupar a amiga. Todos os envolvidos estavam arriscando alguma coisa. Era de se esperar que, ao se aliar com Alexia, haveria riscos.
Com a Corvo Maior como testemunha, Revgar retornou à casa de pedra e rezou para que Dastarar os ajudasse a fazer justiça. Então, deitou-se e esperou o sono chegar.
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