Capítulo 14

Noëlle e Sabrina seguiram pela estrada vendo as fazendas de Grof à direita e à esquerda. A Fênix Corvina realmente achou que a caminhada para Grof seria mais curta, mas ainda assim não se arrependeu de ter recusado o convite da Karolina.

A noite estrelada estava muito bonita e a brisa fresca que soprava era um alívio tremendo em meio ao calor constante de Istkor. A secura ainda fazia as narinas arderem de vez em quando, mas era uma sensação com a qual Noëlle já estava se acostumando.

A muralha de Grof era enorme, digna de uma cidade tão grande quanto a capital. A diferença era que a estrutura parecia muito malcuidada, passando bem menos confiança. Além disso, mesmo ainda estando longe, era visível que os portões da cidade estavam escancarados. Talvez eles fossem fechados mais tarde, mas a Fênix Corvina se lembrava bem que encontrara os portões da capital fechados em plena luz do dia quando chegara a Istkor com os Lobos Negros. Talvez, a preocupação com a segurança fosse menor em Grof do que em Blaskogar.

— Esse ventinho está gostoso, mas eu mal posso esperar por uma boa refeição e um banho. Espero que a gente arrume um lugar legal para passar a noite — comentou Sabrina.

— Estava pensando em procurar uma taverna quando entrarmos na cidade. Não deve ser muito difícil encontrar uma com hospedaria — respondeu Noëlle.

— Eu tinha a mesma coisa em mente. Não acho que a gente tenha condições de ficar em uma hospedaria mais sofisticada que a de uma taverna. Só espero que o lugar seja limpo.

— Eu só espero que aceitem o Kyrios — comentou a elfa, acariciando o arkanvolf.

Finalmente, as duas alcançaram o portão de Grof. Havia dois guardas posicionados em cada lado da entrada, mas eles mal olharam para as mulheres. Noëlle já não estava muito interessada em chamar atenção, então aproveitou a ausência de perguntas e entrou com Sabrina na cidade sem hesitar.

Já do lado de dentro, a primeira coisa que Noëlle viu foi a placa com os dizeres Avenida Rei Zanok. Mesmo de longe, o monarca claramente não perdera a oportunidade de deixar o nome dele marcado em algo grande localmente. Ela sentiu uma leve vontade de rir, mas se conteve.

Como era de se imaginar em uma cidade que encolhera muito rapidamente, muitas das casas próximas da muralha eram moradias abandonadas. O estado péssimo de conservação denunciava o fato. Algumas tinham o telhado já desabado, outras estavam com a grama do quintal na altura dos ombros da Noëlle.

As moradias mais distantes que pareciam ainda habitadas eram pequenas e simples. Quintais modestos e pouco espaço eram o padrão, que lembrava um pouco a região mais pobre de Blaskogar, a primeira que vira na capital.

À medida que Noëlle e Sabrina adentraram a cidade, foi perceptível a mudança de padrão. Quanto menos periférica a área, melhor a qualidade das casas. Moradias maiores e jardins mais vistosos faziam até mesmo com que a travessia se tornasse mais agradável.

Foi há quatro ou cinco quarteirões do centro de Grof que Noëlle avistou o que procurava. Na placa, lia-se "Caneca Real", com uma coroa dentro da letra R. Uma olhada pela janela e Noëlle viu um lugar razoavelmente cheio, mas não lotado, e que parecia ter comida decente. Se eles não expulsassem o Kyrios, aquele parecia um bom lugar para se hospedar.

A Fênix Corvina abriu a porta e sentiu o cheiro de hidromel invadindo suas narinas. Homens gritavam em jogos de carta ao passo que uma banda tocava uma música animada. O ritmo agradável fez até com que Noëlle se pegasse batendo a mão contra a coxa no compasso da melodia.

— Tem uma mesa vazia bem ali — comentou Sabrina.

A humana seguiu direto para o local que havia apontado e se sentou. Noëlle seguiu a amiga, sendo acompanhada por Kyrios. A mesa escolhida era bem favorável, pois ficava perto da parede e da porta, tendo junto a ela um espaço razoável para que o arkanvolf se acomodasse. Inevitavelmente, vários olhares foram desviados em direção ao lobo elemental, mas ninguém se aproximou para dizer qualquer coisa que fosse.

Havia um garçom recebendo pedidos dos clientes, mas ele parecia bem sobrecarregado e talvez fosse demorar para chegar à mesa recém-ocupada. Sabrina virou o olhar na direção do sujeito, talvez esperando qualquer oportunidade para ser notada e fazê-lo se aproximar mais rápido.

— Você ficou sabendo que o dragão sobrevoou a cidade de novo e foi para o norte? — Noëlle ouviu sem querer uma voz masculina na mesa ao lado. A menção ao dragão capturou a atenção dela.

— Fiquei sim — respondeu uma voz feminina. — Pelo que andam comentando por aí, esse dragão está atacando as fazendas há um tempo.

— E aquele inútil do conde só serve pra cobrar imposto. Na hora de dar um jeito nesse monstro, o cara não faz nada — reclamou uma voz rouca e firme.

— É pior que nada — disse a primeira voz. — O homem-do-conde de Grof teve a cara lavada de dizer que os ataques não ocorreram. Um homem desse é um quincornum em pele humana.

— E não é só o homem-do-conde não, viu? A guarda, pasme, também negou os eventos. Disseram que ninguém viu o suposto dragão. Parece piada pra basilisco rir.

— Com licença — Noëlle não se conteve e se virou para entrar na conversa.

Por um instante, ela observou as três pessoas que conversavam. Tratava-se de um homem aparentemente jovem de cabelos pretos, uma mulher negra com vastos cabelos crespos e um senhor nitidamente mais velho e muito parecido com a mulher, possivelmente sendo o pai dela.

— Eu não pude deixar de ouvir a conversa de vocês e gostaria de saber o que há ao norte. Eu tive um encontro com um dragão que acredito ser o que vocês mencionaram. Talvez, eu possa eliminá-lo.

— Algumas pessoas dizem ter visto o dragão voando para o Pico da Neblina. Fica a nordeste de Grof e é coberto por uma neblina perene. Daí o nome — explicou a mulher. — Lá é famoso por fazer muito frio o ano inteiro, então eu iria preparada.

— Se eu fosse você, moça, eu não anunciaria muito essa aventura, porque eu garanto que, se o conde tá fazendo tanta força pra esconder a existência desse dragão, tem coisa errada nessa história.

— Obrigada pelas informações. Eu vou me preparar com calma antes de investigar — finalizou Noëlle antes de se virar novamente para Sabrina, encontrando a amiga falando com o garçom, que finalmente chegara à mesa delas.

Noëlle observou o garçom com calma, enquanto ele parecia estar com o olhar sugado pelos seios da companheira de viagem. A Fênix Corvina aguardou Sabrina explicar como queria a sua refeição antes de falar com o funcionário do estabelecimento.

— Deixe-me ver se anotei tudo certo — disse o garçom, alternando o olhar entre o decote discreto e o rosto da cliente. — Uma caneca de hidromel, um contrafilé de kýr ao ponto com moderação no tempero e uma porção de pernas de rã fritas.

— Pode dobrar o hidromel e triplicar o contrafilé — pediu Noëlle, fazendo com que o homem olhasse para ela por um breve instante antes de assentir e guardar o bloco de notas no bolso. — Com quem eu falo para alugar um quarto?

— Isso é com o Brorver, moça — respondeu o garçom, apontando para um homem atrás do balcão literalmente do outro lado da taverna.

— Com licença, Sabrina. Vou ali resolver logo a nossa vida. Kyrios, me espera aqui. Eu já volto.

Noëlle se levantou da mesa e atravessou a taverna. Por conta da quantidade de mesas, ela preferiu que seu arkanvolf não se movesse. Tinha medo do alvoroço que aquilo poderia causar. A presença dele na taverna já era atenção o suficiente por si só.

Enquanto passava, a Fênix Corvina percebeu os olhares de vários homens, bêbados ou não, lançados em sua direção. Ela já era acostumada com aquilo, mas nunca deixava de ficar um pouco constrangida. Entretanto, não havia nada que pudesse a fazer a respeito, a não ser que quisesse iniciar uma briga generalizada. Era mais fácil ignorar a inconveniência.

— O que faz uma elfa nessa humilde cidade humana? — perguntou o balconista assim que Noëlle se aproximou. O tal de Brorver a examinou de cima a baixo. — Bem armada para ser uma transeunte qualquer.

— Vim conhecer essa região e, se possível, arrumar um trocado aqui e ali fazendo tarefas que as pessoas não tem coragem para executar — respondeu a elfa, observando com calma o sujeito forte de cabelos grisalhos. Chamava a atenção uma mancha escura no rosto dele, que acompanhava o contorno do olho esquerdo e se espalhava um pouco pelo mesmo lado do rosto.

— Imagino que esteja à procura de um quarto para se hospedar, então. Dez moedas de prata é o nosso custo para passar a noite. Doze se quiser fazer o desjejum aqui. O lobo ali tem que ficar no nosso estábulo. Você chega lá pela porta dos fundos. Não tem problema ficar onde está por enquanto, mas o quarto é pequeno pra ele.

— O estábulo é cortesia da casa? — questionou a Fênix Corvina.

— Cortesia por cinco moedas de prata — ironizou o balconista.

Noëlle puxou uma moeda de ouro de sua bolsa dimensional e a empurrou no balcão discretamente até Brorver. Então, ela piscou para ele.

— Acredito que isso compre alguns dias de hospedagem com alimentação e o seu silêncio.

— Com toda certeza, senhorita — confirmou o balconista, antes de entregar uma chave com o número sete nas mãos da cliente. — O acesso ao corredor dos quartos é pela escada logo ali — ele apontou. — Na primeira vez que subir, vá junto com todos que forem dividir o quarto contigo e se apresente ao segurança. A memória dele é boa, então não precisa repetir o processo.

— Agradecida — respondeu a Fênix Corvina, virando-se em seguida e retornando à mesa.

Com o tanto que aquela taverna estava cheia, foi uma surpresa para Noëlle perceber que ela chegou junto com o garçom trazendo a comida delas. Os contrafilés de kýr pareciam muito apetitosos e as pernas de rã fritas eram o oposto, mas se Sabrina gostava, ela não falaria nada.

A elfa deu uma olhada torta para o garçom, que estava enrolando sem necessidade na mesa para continuar encarando o decote da Sabrina. Ele deve ter percebido, porque saiu em seguida.

Noëlle pegou um dos pratos de contrafilé e colocou-o no chão para que Kyrios pudesse comer. O lobo elemental avançou animadamente na comida. Como as duas, ele também devia estar faminto.

As duas ficaram em silêncio, saboreando aquela refeição divina. A carne estava perfeitamente temperada e o ponto permitia suculência e maciez sem que ela ficasse quase crua. A hidromel local era de qualidade, descendo com o sabor equilibrado. Sabrina parecia estar amando as pernas de rã, mas Noëlle tinha a impressão de que não compartilharia a mesma opinião se provasse o petisco tradicional de Istkor.

Quando terminou sua refeição, a elfa tinha gostado tanto que teve vontade de lamber o prato. Só não fez isso porque sabia como humanos consideravam o gesto rude. Então, aguardou pacientemente por Sabrina, que comia um pouco mais devagar. A humana parecia estar nas nuvens com aquela refeição. Depois de tanta ração arcana na viagem, quem poderia culpá-la? A melhor refeição que elas tinham feito até ali havia sido carne de anta.

— Sabrina, vou precisar levar o Kyrios para o estábulo da taverna. Você me espera aqui, tudo bem?

A humana assentiu entre uma mordida e outra nas pernas de rã. Noëlle se levantou e fez um carinho no arkanvolf, sinalizando em seguida para que o lobo elemental a seguisse.

Inevitavelmente, vários olhares se dirigiram na direção da elfa, mas daquela vez o alvo era outro. Com seu tamanho e sua pelagem vermelha e laranja, Kyrios chamava muita atenção onde quer que fosse. Por isso, a Fênix Corvina tentou ser breve e torceu para que aqueles homens estivessem bêbados demais para entender o que estava diante de seus olhos.

Em poucos instantes, Noëlle alcançou a porta dos fundos. Havia um pequeno gramado vazio ali e o que julgou ser o estábulo estava mais adiante. Ela andou calmamente, respirando o ar fresco do lado de fora.

— Eu gosto mais quando você dorme no quarto comigo — sussurrou Noëlle para Kyrios.

O lobo elemental se aproximou da dona e encostou o focinho na testa dela. A Fênix Corvina amava aqueles momentos em que podia sentir a conexão que mantinha com o arkanvolf. Naquele toque, sentiu o calor que emanava dele, como se estivesse dizendo que estaria por perto para o que ela precisasse. Podiam chamá-la de louca por interpretar tanta coisa a partir de um toque e um pouco de calor, mas ninguém passara tanto tempo com Noëlle nos últimos anos quanto Kyrios. Eles eram capazes de se entender com olhares e pequenos gestos.

A elfa abriu a porta do estábulo, que tinha várias baias, mas apenas um cavalo. Este pareceu desconfortável com a presença de um predador, mas pareceu se acalmar com o nítido desinteresse demonstrado pelo lobo.

Noëlle selecionou uma baia um pouco distante do cavalo e a abriu para que Kyrios pudesse se acomodar. Então, ela se sentou ali na palha e fez um pouco de carinho no companheiro mais leal que já tivera na vida.

Após alguns minutos, a Fênix Corvina se retirou, dando mais uma olhada para o arkanvolf e, então, reparando no bonito cavalo preto. Na verdade, era uma égua e parecia ser um animal muito bem-criado, tendo em vista a bela pelagem e o porte imponente.

Noëlle retornou à taverna e não se surpreendeu ao encontrar mais uma vez o garçom ao lado da mesa, conversando com Sabrina. Se a humana pedisse com carinho, era capaz de aquele sujeito oferecer qualquer coisa para entrar debaixo da saia dela.

Ao se aproximar, a Fênix Corvina limpou a garganta, fazendo com que o garçom desse um pulo com o susto que levou. Nada precisou ser dito para que o sujeito se retirasse e voltasse ao trabalho.

— Já que você terminou, vamos para o quarto? — chamou Noëlle. — Temos um longo dia amanhã e precisamos estar bem descansadas.

— Vamos, antes que aquele garçom venha puxar assunto comigo de novo — brincou Sabrina.

As duas se levantaram e vagaram a mesa. Então, seguiram para o quarto, rumo a uma boa noite de sono.

Em meio à noite, a fogueira queima, iluminando o acampamento. Mercenários e soldados se juntam na cantoria promovida por um bardo. Nitidamente, o exército de Istkor gostava de investir em entretenimento para as tropas.

Animados pelo som do alaúde, eles dançavam como se estivessem em uma festa, sem a menor citação ao massacre em Jandikar. Para Júlio, porém, era diferente. Ele nunca havia participado de uma campanha de guerra antes. Ingênuo, acreditara que seria mais fácil derrotar um adversário tão mais frágil.

As missões corriqueiras dos Lobos Negros envolviam escoltas de mercadores e caçadas a monstros que estivessem causando problemas. Júlio participara várias vezes de missões assim. Noëlle já tinha dito para ele que a guerra era para aqueles com estômago forte, mas foi somente quando viu o homem gargalhando após matar uma mulher e uma criança que o guerreiro percebeu o tanto que a amiga estava certa.

Ele ainda não tinha superado o fato de Noëlle estar com um homem na tenda dela. Claro que era direito dela dividir os lençóis com quem quisesse, mas o humano não podia negar o ciúme. A elfa sabia dos sentimentos que o guerreiro nutria por ela. Júlio havia se declarado e pedido a mão da Fênix Corvina em namoro pelo menos três vezes no passado, sendo rejeitado em todas elas. A justificativa era plausível. Noëlle dizia que queria se relacionar com alguém que pudesse acompanhá-la pelos séculos que sua vida duraria. Viveria cerca de setecentos anos e não queria se relacionar com alguém que veria envelhecer e morrer sendo que ela permaneceria jovem. Em outras palavras, a amiga não queria se envolver com um humano.

Oras, se era para acabar com um dentro de sua tenda, por que não ele? O sentimento de rejeição incomodava bastante, mas ele sabia que teria que levantar a cabeça e lidar com aquilo, pois não queria perder a amizade da elfa que lutara para que ele pudesse ser membro dos Lobos Negros.

Júlio decidiu tirar Noëlle de seus pensamentos e, assim, tornou a olhar para as pessoas dançando. Entre elas, viu a meio-elfa que tinha observado antes da Batalha de Jandikar. Aliás, ele não era o único hipnotizado pela beleza dela. O guerreiro notou que vários outros admiravam a dança elegante e sensual da moça.

Ela se movia perfeitamente com o ritmo como se ela e melodia fossem um. A cada pirueta, seus cabelos prateados esvoaçavam em contraste com o céu escuro. Refletindo a luz da fogueira, seus olhos pareciam joias da prata mais pura. Cada contorno da meio-elfa era perfeitamente proporcional. O corpo dessa moça deve ter sido esculpido pessoalmente por Anora.

— Quer dançar comigo? — Júlio foi pego de surpresa quando a meio-elfa se aproxima dele, oferecendo-lhe a mão.

— Claro — respondeu, sentindo as bochechas ficando mais quentes.

Um rápido olhar em volta e Júlio percebeu os sorrisos maliciosos e as expressões de inveja. Aquilo não era muito diferente do que já vivera em vários outros momentos antes. Já notara incontáveis vezes em tavernas os olhares de inveja, de raiva até, partindo de outros homens que o viam com a Noëlle. Queria ele fazer o que achavam que ele fazia com ela.

Júlio se permitiu conduzir na dança. Se a moça era maravilhosa, fluindo pela música como a água passeia pelo curso de um rio, o guerreiro era duro como uma pedra. Felizmente, a meio-elfa era boa pelos dois e conseguiu garantir que a performance não fosse uma vergonha.

Ela simplificou os movimentos para que Júlio a pudesse acompanhar e apertou-o na cintura, encurtando a distância entre os corpos. O guerreiro sentiu os pequenos seios dela pressionando seu tórax e sentiu o calor em seu rosto. Se tivesse um espelho, ele imaginava que veria a face completamente vermelha.

Então, ela se afastou um pouco e o encarou, passando de leve a língua no lábio superior. Júlio se sentia enfeitiçado por aquela mulher e sentiu vontade de agarrá-la bem ali na frente de todos, mas se conteve. Afinal, era apenas uma dança.

— Cansei — sussurrou ela ao pé do ouvido dele.

A meio-elfa parou e se sentou em um banco de madeira, convidando Júlio para ficar ao lado dela. O guerreiro obedeceu prontamente.

— Gostou da dança? — perguntou ela.

— Gostei bastante — respondeu. — Você é muito boa nisso.

— Sempre fui muito afeita a música. Canto e danço desde criança — explicou. — A propósito, eu me chamo Ashlan.

— Júlio. E acho que deu pra ver que eu não sou exatamente um homem musical.

— Para alguém que não dança, você não foi nada mal. Dificilmente alguém tem coragem de dançar comigo com plateia. Um amigo uma vez me disse que eu intimido as pessoas.

— Acho que "hipnotizo" seria o termo mais adequado — comentou Júlio. — Você dança tão bem que dá para esquecer de tudo só te olhando.

— O objetivo é esse, não? É minha primeira campanha de guerra e eu queria pensar em qualquer coisa que não fosse a carnificina lá em Jandikar. Por isso, eu danço.

— É a minha primeira campanha também. Às vezes, eu penso se não devia ter deixado outro guerreiro interessado lá em Terafirr assumir o meu lugar.

— Mas aí, como você ia conhecer a melhor meio-elfa dançarina dos Lobos Negros?

— Tecnicamente, a gente poderia se conhecer lá, não?

— Em uma companhia do tamanho da nossa, acho difícil — disse ela, rindo. — Era o destino que nos conhecêssemos aqui.

— Eu não duvido disso, embora não acredite muito em destino.

— Eu também não acredito, mas os homens com quem eu flerto costumam gostar quando eu falo isso.

— Interessante saber disso — Júlio deu uma risada. — Eu poderia dizer algo assim, mas a verdade é que eu não flerto muito.

— É mesmo? Mas você não é o humano da Fênix Corvina?

— Como assim? Você me conhece, então?

— Só de longe. A sua elfa é uma celebridade na companhia, você deve saber disso muito bem. Já te vi com ela muitas vezes. Estava interessada há tempos, mas, sabe como é, não? Ainda não tinha tido a chance certa de me aproximar. Des-ti-no.

— Talvez seja do seu interesse que você saiba que ela não é mais a minha elfa — afirmou Júlio, escondendo a leve irritação ao lembrar da Noëlle, mas aproveitando a crença da meio-elfa para colocar um mentiroso "mais" em sua fala.

— Sabe, Júlio — sussurrou Ashlan. — Está um pouco frio aqui fora e eu estava interessada em alguém para me aquecer ali na minha tenda. Talvez uma meio-elfa te ajude a esquecer a elfa que ficou pra trás. O que me diz?

Por um instante, Júlio hesitou. Ele não sabia muito bem se era uma boa ideia se envolver daquele jeito com uma pessoa que havia acabado de conhecer. "Quer saber o que tem lá dentro? Tem um homem nu me esperando." As palavras da Noëlle saltaram em sua memória e o guerreiro lançou um olhar malicioso na direção da meio-elfa.

— Eu acho uma ótima ideia.

Revgar aproveitou o silêncio da noite e o fato de que todos estavam dormindo em suas tendas para se esgueirar pelo acampamento. Cada passo era meticuloso para não fazer barulho, afinal, todo som era amplificado pela calmaria.

A última reunião ainda ecoava em sua cabeça. O Arcano de Rhyfel se sentia um pouco constrangido por não ter apoiado Keagan. Paven estava claramente fora de si ao sugerir que o exército marchasse para Alviora. Por outro lado, como demover o general da ideia? O homem se mostrara irredutível em Jandikar e parecia não ter mudado em nada a ideia de fazer uma campanha de guerra absolutamente implacável. Aparentemente, matar civis era um preço pequeno a se pagar pelo extermínio dos rebeldes.

Revgar olhou com cuidado os seus arredores antes de decidir que era seguro entrar na tenda para onde estava indo. Com a lua e as estrelas como únicas testemunhas, ele entrou no espaço pessoal da Alexia e fechou a entrada em seguida.

A amiga estava dormindo em um colchonete, seus cabelos esparramados e com uma mecha dentro de sua boca. Revgar invejava um pouco o sono profundo que ela parecia ter mesmo em um ambiente tão desconfortável.

— Alexia — sussurrou o Arcano de Rhyfel, balançando delicadamente o ombro da amiga para despertá-la.

Revgar se afastou um pouco enquanto via a amiga levar uma mão preguiçosa ao olho antes de se sentar e franzir de leve a sobrancelha. Ela soltou um longo bocejo, que deixou os olhos lacrimejantes.

— Desculpe te acordar desse jeito, mas tenho notícias terríveis para te dar — afirmou o Arcano de Rhyfel.

Então, Revgar contou minuciosamente o que tinha se passado na reunião do Conselho, detalhando a reação do Keagan e exaltando a intransigência do Paven. Quanto mais ele contava, mais ele percebia a expressão de desgosto tomando conta da face da amiga.

— Isso é tenebroso, Revgar — declarou Alexia com os olhos arregalados e uma mão na testa assim que o tenente terminou o relato.

— Eu sei disso. É o prelúdio de um novo massacre.

— Não há dúvidas disso. Nosso querido general parece não ligar muito, não é?

— Alexia, o que podemos fazer? Deve haver algo...

— Já estamos razoavelmente perto de Alviora, não? Fica difícil planejar algo organizado de modo a não chamar atenção do Paven. Ele deve ter muita gente observando nossos movimentos.

— Não há dúvidas, mas precisamos poupar o maior número possível de vidas.

— Nesse caso, Revgar, acho que vamos ter que improvisar. Salvar vidas à medida que a oportunidade se apresentar. Se algo interessante surgir, eu te informo.

— Estou de acordo com isso — respondeu o tenente. — Eu digo o mesmo pra você.

— Agora, acho melhor você ir embora. Alguém vai acabar sentindo sua falta.

— É melhor mesmo. Boa noite, Alexia.

— Boa noite.

Alexia se recolheu em seu colchonete, mas Revgar sabia que ela não dormiria tão cedo. Ele mesmo teria dificuldade naquela noite. Era informação demais para processar.

Tentando manter a discrição, o tenente saiu da tenda da Alexia sem fazer barulho, mas daquela vez, a sorte não estava ao seu lado. Justo na hora em que ele colocou o corpo para fora, uma figura bem conhecida surgiu, possivelmente por estar fazendo uma ronda no lugar.

— Está tarde para ficar visitando os amigos, Revgar — disse Louise, encarando o tenente.

— Eu tinha questões pessoais a resolver e a Alexia é minha amiga há tempos, como você bem sabe — respondeu o Arcano de Rhyfel.

— Agora que já resolveu seus problemas, vá dormir, então. Uma noite de sono decente é o mínimo que precisamos para conseguirmos marchar direito.

— Pode deixar — garantiu o tenente. — É isso que farei.

Confiante de que não levantara suspeitas, Revgar se dirigiu à sua tenda para dormir. Pediria aos deuses que o iluminassem com alguma ideia para impedir que Alviora terminasse como Jandikar, mas sabia que havia pouco a ser feito. Ele só não conseguiria fazer nada.

***

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