Capítulo XVII
Assim como pedido no bilhete, Isabella visitou Abedel. Foi uma visita rápida e foi menos cansativo que visitar o campo de treinamento.
Caim ficou na recepção, ele não teve permissão de entrar.
Quando chegou a torre, ela usava um vestido roxo e grosso, com mangas bufantes e botões de ametista. Estava chovendo do lado de fora, então suas botas estavam enlameadas e encharcadas até a altura da canela. Isabella fechou o guarda-chuva e deu leves batinhas com ele no chão para tirar o excesso de água.
Abedel já esperava ela no saguão de entrada, possuía uma aparência estranhamente quebradiça, como se pudesse morrer a qualquer instante. Ele encarou Isabella por um bocado de tempo sem fazer barulho algum ou qualquer movimento. Se não estivesse respirando, a jovem não saberia dizer se era feito de carne e osso.
De supetão, o Arquimago arregalou os olhos anomalamente. Parecia que os globos saltariam de suas órbitas a qualquer minuto. Isabella deu um sobressalto assustado e prendeu a respiração.
- Que a graça esteja com a Vossa Alteza – cumprimentou. Sua voz era baixa e rouca, nem grave, nem aguda, só um pouquinho abafada.
- É um grande prazer te conhecer, Arquimago – replicou com um suspiro de alívio.
- Venha comigo, por favor. Eu preparei um pouco de chá – pediu erguendo a mão e apontado para escadaria.
Isabella sorriu e então mostrou suas botas para Abedel. – Eu talvez acabe sujando a torre, tem problema?
O mago mirou fixamente os sapatos de Isabella, alguma coisa ardia em suas íris, e antes que ela pudesse entender o que estava acontecendo, a sensação de umidade pegajosa havia desaparecido. Ela olhou para baixo estupefata, girando seus calcanhares para frente para trás. Não estavam mais enlameadas, nem molhadas.
- O que você fez?
O mago não respondeu. Pelo menos não de imediato. Ele virou-se com suas roupas azuis esvoaçantes e começou a subir a escadaria de pedra. Isabella seguiu Abedel, ouvindo o estrépito de suas botas ecoarem a cada passo. Toda vez que ele subia um degrau, parte de suas canelas magras ficavam a mostra. Tão finas quanto um cabo de vassoura.
- É um encantamento básico de limpeza, qualquer um que conheça um pouco de magia sabe fazer – replicou depois de uma nesga de tempo.
- Gostaria ter aprendido esse feitiço quando ainda era empregada no Palácio.
Abedel virou um pouco a cabeça e olhou para jovem de esguelha – não conseguiria, você não tem talento para magia. – Essa doeu, pensou. – Na verdade, eu diria até que a magia te rejeita, o que é bem estranho.
- Consegue dizer só de olhar? – Ele afirmou com a cabeça. – Impressionante, mas por que a magia me rejeita? E por que isso é estranho?
- Não sei por que a magia te rejeita, contudo qualquer ser humano consegue sentir um pouco de magia, mesmo que inconscientemente. Eu pelo menos nunca conheci ou ouvi falar de alguém que não pudesse, quer dizer, só você.
Isabella estreitou os olhos reflexiva. Ela entendia que nesse mundo magia era uma coisa real e até mesmo cotidiana, no entanto era a primeira vez que a jovem conversava com alguém sobre isso, então é claro que sua curiosidade não podia ser contida.
- Se você tivesse que estabelecer uma hipótese do porquê a magia me rejeita, qual seria ela?
- Eu diria que você não é uma humana normal ou que você não é desse mundo.
O coração de Isabella deu um salto; teria sido descoberta? O que faria agora? Era tão importante assim continuar mantendo o segredo? Será que já não estava na hora de se revelar? Calma, disse para si mesma colocando os pensamentos em ordem, é só uma hipótese, não é uma afirmação.
Apesar do turbilhão de emoções que rondavam seu ser, a expressão de Isabella permaneceu impassível.
– Mas não tem como eu ser de outro mundo, certo? Eu posso ser leiga em magia, mas eu sei que transportar pessoas de um mundo para o outro não é viável. Além do mais, eu não acho que existam outros mundos além do nosso. – Ela se certificou de dar ênfase no 'nosso'.
- Eu suponho que sim – concordou Abedel –, mas nunca se sabe. – A jovem vislumbrou algo que pensou ser um sorriso nas faces murchas do longevo
Isabella sentiu um embrulho no estomago. Era melhor parar de falar sobre esse assunto de magia.
Havia muitos andares e muitas portas velhas, e, provavelmente, muitas pessoas na torre. Luzes que bruxuleavam em azul e roxo repousavam como lamparinas sobre todas as paredes de pedras cinza azulada. Havia um pouco de limo saindo de dentro das fissuras nas paredes, parecia que elas não era limpas a muito tempo. A jovem conseguia ouvir murmúrios, passos, animais e coisas vindo de dentro das salas fechadas. Parecia que a intenção de Abedel não era apresentar o lugar, então Isabella não achava que descobriria o que se passava dentro daqueles quartos.
- Você não é muito impaciente – constatou Abedel já na escadaria do sétimo andar. Neste ponto as pernas de Isabella estavam completamente bambas.
- Jura? Eu sempre.. arf... me achei...arf.... ansiosa – respondeu com a respiração entrecortada.
- Eu disse impaciente, não ansiosa. São coisas diferentes.
Isabella calou-se. A única coisa que ela conseguia pensar era que um elevador seria incrível agora.
- Apesar de sua aparência e de seu comportamento, aquele garoto é muito impaciente e possui uma ingenuidade semelhante a dê uma criança, muito embora ninguém veja – acrescentou pensativo.
A jovem não tinha certeza de quem Abedel estava falando, entretanto ela teve a impressão de aquele garoto provavelmente era o Imperador.
Foi com muita labuta que ambos chegaram a sala do Arquimago, pelo menos da parte de Isabella. A condição do longevo não poderia ser melhor, se não fosse por suas faces mais róseas não seria possível saber que Abedel tinha feito o mínimo esforço. Agora ela não podia evitar se sentir completamente humilhada, afinal Abedel já tinha noventa anos.
A sala do Arquimago ficava no décimo segundo andar, o último. Para chegar até lá foi preciso subir 144 degraus.
144, constatou Isabella sem fôlego.
Sem precisar tocar na porta, o velho a abriu, adentrando-a como se estivesse flutuando acima de tudo e todos, e convidando a jovem a entrar também. A sala estava bagunçada e molhada já que a janela tinha sido esquecida aberta; papéis estavam espalhados pelo chão, livros colocados de qualquer forma nas estantes que se estendiam até o teto e folhas de árvores embebidas grudadas em toda lugar, todavia isso só a princípio. A janela se fechou com um baque surdo, os papéis começaram a flutuar no ar e se ajeitaram por si mesmos, um pano começou a tirar a umidade e uma vassoura a varrer as folhas. E assim aquela bagunça se tornou em uma salinha drasticamente polida, com uma mesinha redonda de madeira e duas cadeiras de frente uma para a outra, tudo isso em alguns poucos segundos.
Isabella observou tudo isso acontecer diante de seus olhos completamente embasbacada.
- Sente-se por favor, Vossa Alteza – disse o mago acordando-a de seu devaneio.
- Certo – concordou, mas sua voz não parecia muito estável. O 'to' saiu bem mais alto que o 'cer'.
Ela abancou-se e o mago veio logo atrás, servindo-a com um bule que vinha a estar na mesa desde que a jovem adentrara aquela sala, e servindo-se logo em seguida.
O líquido dentro da xicara era laranja escuro. Combinava com as cores da estação e possuía um balsamo que preenchia a sala de uma forma deveras agradável.
- Que tipo de chá é esse? – indagou aproximando-o de seu nariz fino e arrebitado.
- É chá hoxictavo. – Ela não tinha ideia de que tipo de chá era aquele, entretanto tinha a impressão de que era mais uma das iguarias únicas daquele mundo.
Isabella bebericou o chá, sentindo seu cheiro fragrante espalhar-se pela sua língua. Não era muito doce e tinha um sabor cítrico, algo entre maçã e limão. – É tão gostoso – elogiou Isabela, então ergueu seus olhos e quase se engasgou com a visão do mago a sua frente.
A imagem dele naquela cadeira parecia no mínimo estranha. Sem sombra de dúvida, aquela era uma cadeira perfeitamente normal, porém Abedel tinha mais de dois metros de altura, portanto parecia que alguém havia dado um jeito de lhe enfiar em uma cadeirinha de criança e agora ele se encontrava totalmente encolhido e ainda por cima com uma xicarazinha de chá na mão.
- Hã... espero que você possa me convidar novamente para tomar chá... – foi balbuciando ao mesmo passo que tentava não rir.
O Arquimago não disse que sim nem que não, ele apenas bebericou seu chá como se estivesse o mastigando, assim como os idosos fazem, e perguntou com seus olhos azuis bem claros, ainda mais claros que os da jovem, uma cor tão rara para um licryano, completamente vidrados:
- Por que se casou com Sua Majestade? – Isabella já esperava aquela pergunta, talvez não do mago, não naquele momento, mas ela já sabia que essa questão viria, só aconteceu de ser agora.
- É complicado...
- Foi por amor?
- Não.
- Por dinheiro, então?
- Foi um motivador, embora não tenha sido a razão.
- Foi por poder? – A garota negou com a cabeça. – Então por quê?
- Pelo conforto, pela solidão, pelo desespero. Um conjunto de muitas coisas, muitos sentimentos complicados. Não acho que você possa entender o quão desesperada eu estava para ter alguém que pudesse me aliviar a dor, me apoiar, alguém para chamar de meu naquela época. Foi um momento terrível na minha vida, e eu ainda sinto um embrulho no estomago de pensar que talvez eu nunca mais encontre meus pais ou meus entes queridos – Isabella vislumbrou Abedel por debaixo de suas pestanas loiras, suas feições enrugadas perfeitamente indiferentes não mostravam aprovação ou desaprovação, nem pena nem indignação e isso deu conforto para que jovem continuasse falando. – Não me entenda mal, no começo do meu noivado eu sentia sim uma atração por Sua Majestade, também foi um dos motivos de eu ter aceitado toda essa situação, pensei que talvez pudesse aprender a amá-lo em algum momento, e eu estava certa. Acho que independente de quão tentadora fosse a oferta eu não poderia aceitá-la se não visse um futuro para nós dois.
O Arquimago não disse nada, só deu mais uma grande golada eu seu chá e se serviu mais uma vez.
- Fui aprovada em seu teste? – indagou escorando o queixo em suas mãos.
- Não era o teste para começo de conversa.
- Só curiosidade, então?
- Pode se dizer que sim. – Foi só então que Isabella finalmente entendeu o que estava acontecendo.
- Você está me analisando? – sondou, no entanto não precisou de uma resposta para saber que era exatamente o que estava acontecendo desde o momento em que ela adentrou aquela torre.
- Você pode chamar assim se quiser.
- Há! Então você está me analisando.
- Se é assim que quer chamar...
Isabella não sabia como se sentir em relação a isso, porém a palavra certa não era ofendida. Verdade seja dita, ela estava quase lisonjeada por ter alguém que quisesse se dar ao trabalho de esquadrinhá-la, mas a garota não podia dar a cara a tapa.
- Já que você vem, e eu quero chamar assim, me analisando, acho que eu mereço saber algo sobre você também em retorno – propôs com um sorriso ofuscante.
Abedel pausou pensativo, alternando seu olhar entre o chá e garota. – O que quer saber?
- Você foi um dos professores do Imperador, mais especificamente o de magia, certo? – Ela tinha aprendido isso em uma das suas aulas com Rowa. Ele assentiu com a cabeça. – Conte-me algo sobre ele, algo que marcou você de alguma forma, algo que não necessariamente seja um segredo ou que possa deixá-lo constrangido depois.
- Uma história?
- Uma história, uma impressão, o que você quiser.
O Longevo juntou seus dedos rijos formando um triangulo com as mãos e apoiou seus cotovelos magricelas sobre a mesa – De fato, eu fui o professor de Sua Majestade, mas não só eu como você já deve saber. Goliak foi seu professor de espadas, Rowa foi sua professora de diversos e a primeira conselheira, sua professora de políticas, dentre tantos outros que não duraram tanto quanto nós. Modéstia à parte, éramos os melhores, no entanto nunca verdadeiramente ensinamos para Alexandre, a realidade é que estávamos ensinando ao Imperador. Criamos ele para ser o melhor e o moldamos para subir no trono. Desde o começo queríamos que ele ascendesse, não, que ele tomasse o poder. Ele é um mago melhor do que eu, um guerreiro melhor que o Goliak, um estrategista melhor que a primeira conselheira e um imperador melhor do que todos os outros antes dele. Sua Majestade tem todos os atributos necessários para estar onde está agora. E às vezes penso que tenhamos tirado dele a dádiva da escolha, e esse é um pensamento que me assombra, apesar de que não me arrependo, nem por um milésimo, de minhas escolhas.
- O que você quer dizer isso? – Abedel não respondeu. – Isso não faz o menor sentido, por que vocês queriam que ele fosse o Imperador? Ele nem era o primogênito, se eu me lembro bem, ele era o caçula, não era?
- É tudo que eu posso falar. É o justo. – E isso encerrava o assunto.
Isabella queria falar mais, queria insistir no tópico, mas dava para ver, só de fitar os olhos turvos de Abedel, que seu empenho não traria resultado.
O resto da visita foi tranquila, eles tomaram mais chá, comeram uns bolinhos recheados de uma geleia esquisita e conversaram mais sobre coisas referentes a magia, evitando ao extremo falar sobre a possível origem de Isabella. Uma das coisas que a jovem de olhos azuis aprendeu foi a imensurável importância dos cristais mágicos para existência humano. Não existia eletricidade nesse mundo, mas existiam cristais e eles eram os responsáveis por gerar luz, energia e criar objetos facilitadores. Outrossim, eles eram responsáveis por esquentar alimentos, movimentar veículos, criar 'imagens cristalizadas' e até mesmo pela produção de armas. Toda a sociedade giravam em torno deles.
Em certo ponto da conversa, Abedel se virou e começou a escrutinar as gavetinhas puídas fincadas na parede, tateando seu fundo e jogando para fora tudo que não lhe tinha serventia – uma bola vermelha, um leque, uma maçã e a estatua de uma mão que lhe passava uma sensação terrível. – Isabela espiou por cima de seus ombros durante todo o processo, curiosa com o que aquele velho Arquimago estaria aprontado.
- Encontrei! – exclamou. Foi o único momento do dia em que uma expressão além da impassível se esboçou em seu rosto.
Ele ergueu-se com uma pedra vermelha carregada de ângulos e retas, luzindo em sua mão manchada.
- O que é isso? – indagou a garota, orbitando em volta do objeto.
- É um cristal mágico bruto. Ele ainda não tem proposito definido, então é bastante inútil. – Não parecia um cristal, parecia uma rocha brilhante.
Abedel abriu sua palma áspera e estendeu o cristal para a garota. Isabella não pensou muito antes de agarrar a pedra, entretanto se arrependeu de tê-lo feito. Foi como segurar um ferro quente, ela sentiu sua tez queimar e um choque se espalhar por todo o seu antebraço, obrigando seus dedos a se abrirem. Um ai esganiçado e abafado emergiu de sua garganta enquanto o cristal caia no chão, quicando algumas vezes antes de parar, produzindo um tilintar agradável de vidro proveniente do choque. As pálpebras murchas do longevo se esticaram em um espasmo de surpresa, mostrando que ele também não esperava esse resultado.
Isabella fitou a própria mão, constatando um filete vermelho em sua palma e em suas dedos. Ela não precisava ser um gênio para saber que aquilo viraria uma queimadura disforme.
- Eu sabia que a magia te rejeitava, só não pensei que fosse nessa extensão – apontou observando a mão de Isabella.
- Se você não sabia, imagine eu.
Enquanto tentava abrir e fechar a mão, a jovem de cabelos dourados já pensava na dor de cabeça que teria por causa daquela ferida. A pungência em sua mão era constante, e diferente de uma ferida comum, a queimadura ficaria ainda mais dolorosa com o tempo. Era ainda pior por ser sua mão dominante.
O Arquimago segurou o pulso de Isabella. Seus dedos não pareciam usar muita força, entretanto eram como uma garra de ferro ao redor de seu braço. De repente, uma forma plasmática, esverdeada e fluorescente se projetou da palma de Abedel e envolveu a mão da jovem suavizando sua angústia.
Não era a primeira vez que aquilo acontecia. Quando Isabella caiu daquela árvore a tanto tempo atrás e se machucou, Alexandre usara um método semelhante para curar suas lesões, a diferença era que a energia que ele produzira era negra e um pouco menos cálida e reconfortante do que a de Abedel.
- Você está me curando? – inquiriu.
- Eu sou muito jovem para ser assassinado pelo Imperador – explicou cerrando levemente os lábios, aparentemente a prestação de seu serviço em nada se devia a bondade em seu coração.
- Ele não faria isso. – Eu acho, acrescentou em pensamento.
Isabella quase pode ver o velho mago rolando os olhos. – Então ainda não o conhece suficiente, Vossa Alteza.
A queimadura na mão jovem desapareceu, e em pouco tempo sua pele voltou ao tom creme e róseo que antes fora. E sem dores, como constara o esfregar a ponta dos dedos em sua palma calosa.
Nesse processo, Isabella se deu conta de algo no mínimo curioso. – Espera um pouco, se a magia me rejeita, então por que não aconteceu nada comigo quando você usou esse feitiço de cura?
- Oh, você é perspicaz! – bendisse num tom que se assemelhava mais ao sarcástico do que ao impressionado. – Mas o feitiço de cura já não é mais 'magia', já virou algo único e próprio. Por exemplo, se eu usar magia para fazer uma bola de fogo – E quando ele disse isso uma massa de chama lucilante apareceu e pairou ao redor de sua cabeça, fazendo com que as sombras saltitassem entusiasmadas pela saleta -, isso já não é mais magia é só uma bola de fogo e, se eu porventura decidir jogá-la em você, vai te afetar como tal. – Então as labaredas se extinguiram como se nunca tivessem existido. - É o mesmo com o feitiço de cura, não é mais 'magia', é só uma espécie de remédio de efeito surpreendente imediato.
- Mas os cristais mágicos....
Abedel a interrompeu. – Cristais mágicos não são nada mais do magia pura, condensada e solidificada em algo bruto, suas propriedades se devem ao tipo de magia que vamos imbuir neles. No caso do cristal que eu te dei, ainda não havia qualquer tipo de magia incutida nele, era só um produto grosseiro. Um cristal que já tem um proposito não mais te afetaria.
E como se para provar seu ponto, ele recolheu o cristal rubro que ainda se encontrava no chão e o envolveu com aquela mesma magia verde que usara para curar seu braço. Então o estendeu novamente para Isabella, convidando-lhe a tocar.
Dessa vez, a jovem não se atreveu a ser tão precipitado. Ela pôs seu dedo indicador em riste e tocou a pedra com excepcional leveza, sentindo apenas a frieza originaria de um cristal comum. Presumivelmente, o caso era exatamente como Abedel havia sugerido. Estranho. Ele voltou a guardar o cristal e lhe avisou em um tom agourento:
- Fique longe da magia, Vossa Alteza.
***
Por muito tempo ainda, Isabella continuou conversando com o Arquimago, quase todas suas perguntas foram respondidas por ele pacientemente. E para as questões que a jovem não conseguia obter respostas, o mago diria – você tem seus segredos, e eu tenho os meus. Nada mais justo. – Geralmente essas dúvidas eram referentes a Alexandre.
Ela só voltou para casa quando o sol já se punha no horizonte.
A chuva já tinha cessado. O céu tinha um tom azul escuro, distintivamente dos fins de tarde de primavera e verão que possuíam uma cor rosa e carmim. As copas das árvores pareciam uma moldura para o firmamento quando a garota de olhos azuis mirava sob elas. A terra úmida fazia seus pés afundarem, tornando o caminhar relativamente difícil.
Mais tarde naquele dia, quando Alexandre perguntou a Isabella o que achara da visita ao mago, ela apenas respondeu que apesar de não ter sido necessariamente divertida, fora proveitosa. E contou a ele todas as coisas que aconteceram detalhadamente, desde a análise de Abedel até sua aparente 'alergia a mágica', inclusive a parte da história onde ela foi queimada por um cristal.
- Você sabia que meu corpo rejeitava magia? – sondou Isabella, afinal, era suposto que o Imperador fosse um mago ainda melhor que Abedel.
Ambos estavam sentados no sofá cor de vinho no quarto de Alexandre, não cabiam muito mais do que dois nele. A lareira estava acesa e queimava copiosamente em labaredas azuladas, emitindo sua luz por todo o aposento. As cortinas estavam entreabertas, permitindo que o breu pudesse ser contemplado pelas portas de vidro. Garoava do lado de fora, mas não dava para ver as gotículas sendo engolidas pela escuridão, apenas ouvir o som surdo que emitiam quando se chocavam contra a terra.
Isabella estava descalça e segurava suas próprias pernas enquanto encarava o homem de olhos encarnados, aguardando por uma resposta.
- Sabia – admitiu por fim.
- Por que nunca me contou?
- Não achei que era importante, não tinha ideia de que expor você diretamente a magia pudesse te ferir – explicou. – Se soubesse eu teria contado, tomado medidas e o que mais fosse necessário.
Isabella tocou em sua palma, ponderando o quanto a sua 'alergia a magia' a afetaria naquele mundo. Provavelmente, não muito, conclui por fim. Magia bruta não era algo tão comum assim. Dos oito meses que a garota estivera ali, essa era a primeira vez que ela entrava em contado com isso, e não é como se tivesse sido um acidente. Contanto que a jovem fosse cuidadosa nada de ruim poderia acontecer. Ou assim ela pensava.
- Eu deveria matar Abedel por ter te machucado? – sugeriu Alexandre de súbito, segurando a mão dominante de Isabella.
- Não foi de propósito. E você não faria isso – argumentou, porém sua voz não denotava tanta segurança quanto ela desejava.
Alexandre aproximou a mão da jovem de sua face e beijou o local onde antes havia uma queimadura, sem desviar seus olhos encarnados que deixavam escapar uma pontinha de intenção assassina. Isabella sentiu sua palma formigar em deleite.
- Deveria? – repetiu sedutoramente e Isabella se sentiu tentada a dizer que sim.
- Claro que não! – exclamou empenhando-se para não vacilar. – Absolutamente não – repetiu.
Alexandre meramente riu. Seu riso fez com que as borboletas no estomago da garota rodopiassem.
Isabella nunca soube se ele estava brincando ou não sobre matar o Arquimago; ela esperava que sim, mas algo no fundo da sua mente fazia-a crer que podia haver uma ponta de verdade nas palavras do Imperador.
Durante a noite, a jovem remexeu-se na cama sem conseguir pregar o olho. Se preguntou se no mundo do qual ela era originaria realmente não existia magia ou se as pessoas apenas a rejeitavam. Não seria estranho, se esse fosse o caso. Na sua terra as pessoas haviam se tornado cada vez mais céticos quanto a ela. Cada dia mais frios, alheios e insensíveis. Criaturas semirobóticas. Seres infelizes, taciturnos e sorumbáticos.
Pensou muito sobre os mistérios que ainda a cercavam, mas as repostas nunca chegaram e ela se perdeu no mundo dos sonhos.
***
Nota da autora:
Nossa, vocês não tem ideia da minha alegria. O WattpadRomanceLP romance adicionou o Imperador Vermelho em uma de suas listas de leitura no dia 03.06.2022. Mais especificamente, à lista 'Amor Fantástico'. Cara, eu estou surtando.
Muito obrigado a todos que tem lido minha história e um agradecimento especial a @JolineE2. No começo desse ano, eu estava a ponto desistir dessa obra, foi ela que me apoiou quando eu estava a prestes a largar completamente o mundo da escrita.
Um beijo para todos vocês e espero que continuem lendo e apoiando minha obra.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top