Capítulo IV
Todos se silenciaram, o salão de baile se tornou frio com o terror e a expectativa. Não houve som de passos, apenas um vulto foi visto na sacada da escadaria antes que todas as pessoas no aposento se curvassem e saudassem em uníssono:
- Que a graça esteja com a Vossa Majestade.
A resposta levou apenas alguns segundos.
- Sim. – Isabella sentiu todos os pelos do seu corpo se arrepiarem, aquele era o tipo de voz veludosa que faria qualquer pessoa derreter de luxuria.
A jovem de olhos azuis já não podia mais conter sua indiscrição, ela levantou a cabeça para dar uma boa olhada no tão famigerado Imperador Vermelho, e sua aparência a surpreendeu mais do que Isabella poderia imaginar. Era um homem alto e forte entre seus vinte anos, com feições que lhe davam um ar realmente sisudo e ao mesmo tempo atraente, possuía o nariz reto de um licryano e lábios harmoniosos, seu rosto possuíam um leve formato de coração, como a versão maléfica de um cúpido e seu cabelo negro descia como uma seda até quase atingir sua mandíbula. E é claro que havia a cereja do bolo, a coisa que Isabella mais queria ver a respeito de Sua Majestade desde que falara com Marsha, seus olhos, é claro. O Imperador, em facto, possuía olhos realmente libidinosos, tais globos oculares foram desenhados de tal maneira que até suas contemplações de esguelha pareciam extremamente intensos, eles brilhariam impetuosamente em carmim como olhos de gato e fariam com que as pessoas tremessem de medo e – no caso de Isabella – tentação.
A jovem de olhos azuis sentiu seu corpo queimar em rubor, sua mente girava com todo tipo de pensamento indecente, ela virou-se para Marsha com um olhar tumultuado e se surpreendeu ao ver o rosto da jovem, que era sempre tão inexpressivo, preenchido por puro terror.
- O que foi? – indagou Isabella com preocupação, ela tocou levemente nos ombros de sua colega apenas para senti-la tremendo sob sua mão.
- Já vai passar... é só que Sua Majestade está especialmente assustador hoje.
"Sério?" perguntou Isabella para si mesma, então ela olhou ao seu redor percebendo que todos tinham expressões semelhantes em seu rosto, "Sério???" pensou novamente.
A jovem de olhos azuis fitou o Imperador novamente, bom, ele certamente tinha os sobrolhos levemente franzidos como se estivesse irritado e uma aura ao redor dele que dizia 'caí fora que eu estou de mal humor' contudo Sua Majestade não parecia terrifico, pelo menos não para Isabella, para a garota ele só parecia perigosamente lascivo e talvez um pouco acrimonioso.
Aquele homem andou pela multidão como Moisés e o mar vermelho, sentou-se no seu trono preguiçosamente e deu um aceno de mão que provavelmente significava 'voltem logo a dançar' (ou pelo menos foi que Isabella imaginou que significava).
A música voltou a tocar e os nobres no salão fizeram o possível para ignorar a presença do Imperador, nenhum deles queria ir e se arriscar a chamá-lo para festejar naquele estado de ânimo em que ele se encontrava, ou quase nenhum. Uma das jovens na multidão criou alguma coragem e se ajoelhou em frente ao imperador para convidá-lo para uma azáfama, a pobre moça poderia parecer ainda mais intrépida se suas mãos não estivessem trêmulas e se seus olhos não estivessem tão embaçados.
- Meus deuses, é a princesa Margaret do reino de Mabrel – murmurou Marsha prendendo a respiração.
Não se parecia muito com uma princesa na opinião de Isabella, talvez porque ela tivesse crescido com as imagens da Disney tatuadas em sua cabeça ou talvez porque (tirando os olhos cor de oliva e a pele bronzeada), sua Alteza Margaret tivesse a perfeita imagem de uma jovem nobre licryana.
Todos no aposento sufocaram com expectativa, o Imperador iria aceitar a dança? Iria recusar? Ou ele deceparia a cabeça de Margaret? A própria princesa começou a suar frio enquanto esperava o veredicto, não que isso fosse um grande trato já que sua expressão nunca esteve boa para começo de conversa.
- Vamos fazer isso – respondeu o Imperador, e com sua resposta um grande alivio se espalhou pelo salão.
Sua Majestade saiu de seu assento, moveu-se para o centro da câmara junto com Sua Alteza Margaret e os dois começaram a dançar languidamente em conjunto com o compasso dos violinos. Todo o baile parou para assistir enquanto os dois giravam magnificamente pelo salão, a dupla flutuava no ar, oscilava de um lado para o outro e executava movimentos abstrusos. Os dois também eram um tragicômico contraste, a complexão do Imperador Vermelho não mudara desde que ele irrompeu no salão, no entanto Margaret expunha-se cada vez mais pálida como se pudesse desmaiar a qualquer momento.
A música logo encontrou seu fim, os dois se curvaram e então Sua Majestade começou a fazer seu caminho de volta ao trono, mas não conseguiu chegar ao seu destino pois uma jovem ruiva postou-se a frente dele, curvou-se e com uma voz vacilante disse:
- Vossa Majestade Alexandre, vosmecê aceitaria me acompanhar na próxima dança?
Aquela nobre definitivamente não era licryana, ela não era tão alta, seu cabelo era cacheado e vermelho, o nariz era pequeno como um ponto em sua face e seus lábios eram carnudos. E apesar de sua fala ser carregada com confiança, a nobre ruiva aparentava possuir tanto pavor do Imperador Vermelho quanto Margaret.
- Receio que terei de recusar sua oferta, Vossa Alteza Valéria – replicou Sua Majestade passando por ela e sentando-se em seu trono sem olhar para trás.
A jovem nobre teve o rosto completamente vermelho, ela parecia estar sentindo uma mistura de raiva e constrangimento por ter sido rejeitada em frente a tantas pessoas.
- E ela é princesa de onde? – questionou Isabella à Marsha.
- É a Sua Alteza Valéria, do Reino de Guliav.
- Entendi.
Embora as pessoas se sentissem veementemente desconfortáveis com o olhar vermelho e imponente do homem na cadeira real, o baile não parou nem por um segundo, a festa continuou durante horas e as pessoas não parariam de dançar por nada nesse mundo. Infelizmente, nem todos pareciam estar se divertindo, o Imperador continuou sentado em seu trono como uma estátua taciturna e antissocial, ele não conversava com ninguém nem comia ou bebia nada, era como se Sua Majestade sequer estivesse ali. Ainda assim, havia uma pessoa entre os nobres presentes que parecia ter a permissão de se aproximar dele, um homem de cabelo castanho avermelhado e roupas azuis engomadas que Marsha disse ser o primeiro ministro quando Isabella perguntou.
Em algum momento do baile, aquele homem achegou-se lentamente ao ouvido de Sua Majestade e murmurou alguma coisa, então o Imperador o encarou como se estivesse prestes a mostrar seu dedo do meio e o primeiro ministro fez a penosa expressão de alguém que queria chorar no banheiro e se afastou do homem de olhos vermelhos com o rabo entre as pernas.
A cena foi tão hilária que Isabella quase urinou na saia quando tentou segurar o riso.
Quando faltava uma hora para meia-noite O imperador Vermelho levantou-se de seu assento e disse com uma voz imponente e deslumbrante:
- Eu estarei me retirando agora, vocês podem continuar o baile. – E tão rápido quanto ele surgiu, ele também desapareceu.
Todo o baile suspirou de alívio em uníssono enquanto as portas do salão se fechavam atrás de Sua Majestade, com exceção de Isabella que suspirou de lamúria.
***
Já era quase uma hora da madrugada, a jovem de olhos azuis tripudiava alegremente pelos corredores desertos do castelo enquanto agradecia aos céus por não ser umas das escolhidas para limpar a bagunça do baile. Isabella não conseguia evitar gargalhar quando se lembrava da expressão que Clementina fizera quando descobriu que teria de lavar o salão junto com algumas outras serventes.
- Hum... Só me deixa usar o banheiro rapidinho... – foi o que ela disse antes de desaparecer completamente.
"Agora preciso encontrar essa preguiçosa" pensou Isabella tentando imitar um dos movimentos das danças que ela viu na festa "Aposto que ela se escondeu no jardim."
A jovem continuou andando e cantarolando pelos corredores, mesmo que ela não tivesse participado da festa Isabella ainda se sentia satisfeita por ter sido capaz de vislumbra-la em toda a sua efêmera suntuosidade. Fazia muito tempo que ela não se divertia assim, cerca de três semanas pra ser mais exata.
De repente, uma deliciosa brisa fria adentrou o aposento, Isabella inalou-a profundamente e isso fê-la parar. A janela de uma das varandas do palácio estava aberta. "Alguém deve ter esquecido de fechar", foi o que Isabella imaginou naquele instante, afinal, neste horário as janelas já deveriam estar todas oclusas.
A jovem de cabelos loiros se aproximou para trancar a vidraça polida, sentido o vento gélido lhe açoitar as faces róseas. Foi nesta hora que Isabella viu a sombra do topo de uma cabeça entre os buracos da balaustrada. Um sorriso se espalhou pelos seus lábios enquanto ela cantarolava:
- Te encontrei, Clementina!
A jovem moveu-se em direção a sacada e apoiou o corpo no balaústre no intento de ter uma melhor visão do que ela pensou ser Clementina. Havia o vulto de um ser humano sentado num banco entre duas árvores frondosas, mas as folhas das copas ainda a impediam de ter certeza se aquela pessoa era mesmo sua colega. Por conseguinte, Isabella tirou lentamente os pés do chão e apoiou todo o peso do seu corpo em seu tórax e em suas mãos, mas que ideia terrível. A jovem esticou seu corpo ainda mais para frente, sentiu suas mãos escorregarem da balaustrada e soltou um grito agudo que ecoou pela noite. As folhas das árvores começaram a se aproximar a uma velocidade insana até atingir-lhe em diversas partes do seu corpo, pernas, braços, rosto, ancas e assim Isabella finalmente parou. Ela abriu seus olhos languidamente para ver o tamanho do estrago enquanto xingava um bocado em seus pensamentos, quando a jovem vislumbrou a situação em que estava sentiu uma vontade mista de rir e chorar. Isabella ainda não tinha chego ao chão, seu corpo estava preso em um emaranhado de ramos em uma posição no mínimo interessante, uma perna para cima, outra para esquerda, um dos seus braços estava preso e o outro segurava firmemente um dos galhos da árvore.
"Maravilha" pensou enquanto tramava uma maneira de sair dali.
Naquele momento, Isabella se lembrou o porque dela ter acabado nesta conjuntura e olhou pra baixo em busca de Clementina, mas o que ela viu fez seu corpo gelar e ruborizar ao mesmo tempo. Foi a mesma sensação de ter um choque térmico.
Dois olhos vermelho sangue encaravam-na intensamente. Uma face inexpressiva e lábios bem cerrados.
Por um momento, a jovem de olhos azuis não soube o que fazer, ela se mexeu desajeitadamente na árvore como se quisesse sair de lá, todavia desistiu antes que fizesse um papel mais estúpido do que aquele que já havia feito.
- Q-que a graça esteja com a Vossa Majestade. – Foi a única coisa que escapou de seus lábios na hora do desespero.
- Sim – replicou o Imperador ainda com sua expressão composta.
Aquele foi o limite de Isabella, que foi alcançado bem rapidamente por sinal, seu rosto começou a queimar, ela desviou seus olhos e dedicou-se a sair da árvore o mais rápido possível: - Sinto muito por te incomodar, Vossa Majestade, eu partirei daqui imediatamente então não preste atenção em mim.
A jovem dos olhos azuis tentou primeiro mexer a sua perna direita, procurando desprendê-la de duas ramadas que agarraram em sua meia-calça, contudo no momento em que toda a situação pareceu fútil, Isabella voltou-se para sua perna esquerda apenas para perceber que o problema é que lhe faltava flexibilidade.
- Se acalme ou você vai cair – avisou o Imperador com sua voz de veludo ao ínterim que tocava levemente a panturrilha de Isabella e ajudava-a a desprender a perna direita.
Ela sentiu o toque das mãos de Sua Majestade aquecer levemente os lugares onde tocava e corou ainda mais vorazmente no momento em que todo o tipo de ideia lhe saltava à mente.
- Obrigada.
Ele não respondeu, ao invés disso continuou ajudando-a a soltar o restante de seus membros.
- Se apoie em mim – disse Sua Majestade quando a jovem empregada finalmente tinha seus braços livres.
- Certo. – Isabella colocou suas mãos na espalda dele tendo um diligente trabalho de manter sua face afastada da do Imperador.
- Pode usar mais força, eu não vou quebrar.
Isabella escorou-se nos ombros do Imperador e ele, por sua vez, agarrou-lhe pela cintura e colocou-a em cima do banco em que estava sentado a poucos minutos atrás como se ela não pesasse mais que uma criança miúda.
- Muito obrigado, Vossa Majestade. – A jovem agradeceu e curvou-se como se deveria, ainda que tenha permanecido em cima do banco. – Agora se me der licença, eu irei me retirar para não mais incomo...
- Sente-se – ordenou o Imperador e apontou para o banco.
Um frio passou pela espinha da jovem. Isabella indispunha de quaisquer dúvidas de que seria repreendida e não é como se ela gozasse da dádiva que era ter escolha. A jovem assentou-se no banco gélido, entrelaçou seus dedos ossudos em seu colo e aguardou qualquer que fosse o veredicto para seu comportamento impróprio ao mesmo tempo que rezava para não ser demitida.
No entanto, não houve repreensão nem tão pouco Isabella foi demitida. Em fato, o Imperador se abaixou e segurou o joelho da jovem loira, um joelho que acabara exposto devido ao rasgo em sua meia e que jorrava pequenos filetes de sangue.
- Eu não sou tão bom em feitiços de cura portanto pode demorar um pouco.
- O que você quer dizer com...
Então algo preto que parecia gasoso, sólido e liquido ao mesmo tempo começou a sair da palma da mão do Imperador, e tocou a tez de Isabella como um conforto cálido.
Não havia mais dúvida, agora ela tinha ido longe demais.
- Vossa Majestade, você não precisa para fazer isso...
O imperador franziu seus sobrolhos, encarou-a impetuosamente e ordenou com uma voz autoritária - cale-se.
Isabella não teve escolha, sua boca se fechou enquanto lamúrias e mais lamúrias tripudiavam feito bailarinas em sua mente.
"Se Marsha ou Madame Luza descobrirem sobre isso eu serei morta, definitivamente" refletiu.
E apesar de ter certa compreensão de que aquele tipo situação não era a mais adequada, Isabella não podia impedir a si mesma de ter o coração acelerado e olhos luzidios, no fim das contas, o Imperador era um ser humano dez vezes mais concupiscente se visto de perto e ainda por cima, ele estava literalmente curando seu arranhão com magia, o que era sem sombra de dúvida soberbo.
- Como se chama? – interrogou à medida que sondava a jovem a sua frente.
- Isabella, Vossa Majestade.
- Como você acabou na árvore, Isabella?
- Oh bem, eu... me escorei um pouco demais na mureta da varanda. Daí eu meio que escorreguei....
- Não foi uma ideia muito inteligente da sua parte, pois não? – Isabella enrubesceu.
"Eu sei, eu não sou cega", era o que ela pensava enquanto transformava seus lábios em uma linha fina.
A jovem quis desviar a face, entretanto os olhos do Sua Majestade eram absorventes demais. Aquilo não devia ser considerado crime?
- Pronto – avisou, e assim pressionou seu polegar na parte onde havia estado a contusão e perguntou – ainda dói?
- Não, Vossa Majestade.
- Você está machucada em algum outro lugar?
- Não, Vossa Majestade.
Na verdade, Isabella tinha um outra arranhão em suas nádegas, não obstante ela chegou à conclusão, com uma dubiedade preocupante devo dizer, de que revelar essa informação não seria pertinente.
O Imperador levantou-se. A brisa fria espalhou-se pelo palácio trazendo uma doce musicalidade e um delicioso cheiro de flores as narinas de Isabella. A lua minguante brilhava atrás do homem de olhos vermelhos e pequenas estrelas saltavam aqui e ali naquele mar negro e flutuante.
- Você já pode se retirar – avisou com sua voz polida.
A jovem piscou atordoada. Demorou um tempo até que ela recuperasse a sensibilidade. Isabella levantou-se de supetão e curvou-se desajeitadamente. – Muito obrigada, eu estarei indo agora, Vossa Majestade.
A jovem de olhos azuis começou a andar até suas acomodações, sentindo alguém observando-a pelas suas costas e algo em plena incineração dentro si
- Não caia – uma voz ressoou pela noite.
- Eu tomarei cuidado, obrigado – replicou curvando-se novamente e desaparecendo na escuridão.
As pernas da garota quase se moviam por conta própria ao ínterim que Isabella sonhava acordada e processava tudo que havia acontecido consigo. Bom, primeiro ela caiu da sacada e ficou presa em uma árvore, depois o Imperador Vermelho a ajudou a descer como se ela fosse algum tipo de gato perdido e por fim ele usou magia para curar 'todos' os ferimentos da jovem empregada, ou pelo menos os visíveis.
Isabella beliscou levemente suas bochechas. Estaria ela tão sedenta depois que viu Sua Majestade no baile que começou a imaginar coisas? Ou estaria ela fazendo uso de substâncias ilícitas?
Embora a resposta fosse óbvia, a jovem de olhos azuis continuou ruminando a coisa toda até conseguir se convencer de que aquela excêntrica circunstância foi real.
Bom, independente dos ocorridos da noite, uma coisa era certa, a partir dali a imagem de Sua Majestade estaria para sempre tatuada nas retinas de Isabella, apesar de que a sensação de que ela havia esquecido alguma coisa começava a surgir em seu âmago.
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