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Mas não houve tempo. Quando Basílio conseguiu falar com Maringá, já era tarde. O tio de Renato já havia sido assassinado. Como já era esperado, Renato entregou-se no dia seguinte. E, também, como era de esperar-se, ninguém acreditou nele. Mesmo porque, ele possuía um álibi inquestionável para a hora do crime. Encontrava-se sob efeito de fortes remédios, dormindo em casa, segundo o depoimento de sua mãe e de seus irmãos.

— Basílio, como você sabia que o tio iria morrer?

— Ora, o último mandamento, Madeira. Não cobiçarás as coisas alheias. Na ótica de Renato, foi justamente o que seu tio fez em relação aos bens de seu pai. A cobiça gerou um suposto crime e um suposto testamento forjado. No entanto, a justiça legitimou o testamento, bem como nunca encontrou provas de que o tio fosse um assassino. Ao que tudo indica, o testamento era realmente legítimo e nunca houve crime, embora Renato não pensasse assim, nunca tendo se conformado.

— Mas, se ele realmente matou o tio, como o fez, se tem um álibi mais que perfeito?

— Ora, meu caro, mas quem garante este álibi a ele? A mãe e os irmãos! Alegam que ele estava dormindo, dopado, sob efeito de fortes remédios para seu problema psiquiátrico.

— Bem, então não há mais o que fazer. Ele é inocente.

— Inocente? Nas nove primeiras vezes, sim, mas agora, não. Agora ele tinha motivos e relação com a vítima. Acabei de receber uma ligação de Maringá. Informaram-me sobre o resultado de um exame de sangue, feito em Renato, por sugestão minha. E, adivinhe só, nada foi encontrado em seu sangue. Nenhum sinal de remédios. Nada! Sugeri tal verificação, porque pensei, e se não apenas Renato ficou revoltado com a decisão da justiça à época da morte de seu pai? E se a mãe e os irmãos também ficaram? Parece claro que o pai realmente fez o testamento. E parece claro também que nunca foi assassinado pelo irmão. Muito provavelmente ele julgou que a família iria mesmo detonar sua fortuna e por isto resolveu confiá-la ao irmão, garantindo à família apenas o necessário. Mas Renato, sua mãe e seus irmãos, podem realmente nunca ter acreditado nesta versão, apesar de todas as evidências. Então, arquitetaram um plano mirabolante, longo, árduo, mas que levaria a um porto seguro, isto é, Renato passaria longos anos se entregando por crimes que não cometera, passando-se por louco, para que, no dia em que realmente cometesse o crime que queriam, ninguém acreditasse. Ninguém lhe daria mais crédito. E, quem iria então imaginar que a família toda estivesse junta nisto? Ninguém, afinal, apenas Renato se mostrara insatisfeito e revoltado com toda aquela situação. O restante da família sempre passara a impressão de aceitar tudo passivamente. Mas tudo uma fachada, para que agora, ao afirmarem que Renato não saiu de casa, estando sob efeito de fortes remédios, ninguém pudesse suspeitar de que estavam mentindo, num conluio para dar fim à vida do guardião de seus bens e assim, retomarem tudo que lhes foi tirado. Todos iriam acreditar que Renato realmente estivera dormindo o tempo todo. Mas não! Ele saiu e matou o tio. Assim, a mãe e os irmãos garantiriam álibis uns aos outros e todos eles garantiriam o álibi de Renato.
Madeira balançou a cabeça:

— Não, não. Eu não posso acreditar numa história destas.

— Mas a família mentiu. Ele não andava tomando remédio algum. Por que iriam mentir, se não houvesse algo a esconder? Tenho certeza de que, diante desta teoria que propus, irão descobrir evidências de que Renato realmente cometeu este crime. Aliás, fui convidado pela polícia de Maringá a ajudar no caso e já fui liberado por meus superiores para viajar para lá.

— Mas Basílio...

— O que há, Madeira? O que ainda o incomoda?

— Esta história dos dez mandamentos. Não fosse isto, você nunca iria relacionar um caso ao outro; nunca iria também verificar que faltava um caso e um mandamento a se cumprir; assim, nunca teria a ideia de que o último crime poderia ser, enfim, aquele que Renato cometeria verdadeiramente e que a vítima só poderia ser o tio dele.

— Sim, isto é verdade. E, digo mais, nunca iria sugerir exames de sangue, nem imaginar que toda a família estivesse junta nisto. Assim, fatalmente, ninguém iria chegar ao Renato e assim, todos eles sairiam ilesos e finalmente ricos. Seria um crime perfeito.

— Pois então! Se eles estão para serem indiciados, é por culpa própria. É porque resolveram criar esta ligação com os dez mandamentos, caso contrário, estariam livres agora. Então, me pergunto, por que fizeram isto? Ou terá sido mera coincidência?

Basílio tamborilou sobre a mesa:

— Coincidência não foi. São dez casos perfeitamente relacionáveis com os mandamentos.
"Não. Eles pensaram nisto. Por quê? Provavelmente, um requinte de crueldade. Ou mesmo, talvez, e o mais provável, para amenizar o peso na consciência pelo crime que pretendiam, inserindo-o assim, forçosamente, no contexto da lei divina, como se a morte do tio fosse realmente um castigo merecido pelo descumprimento desta mesma lei, como em todos os outros casos, onde esta lei não foi seguida. Este foi o erro deles, embora, como poderiam imaginar que alguém pudesse perceber tal coisa? Só eu mesmo, modéstia à parte.
Basílio levantou-se, rindo da brincadeira, pois, no fundo, era um sujeito humilde:

— Bem, vou para casa, fazer as malas. O caso está solucionado, mas não resolvido. É preciso provar tudo o que estou dizendo. E para isto, Maringá me espera.

E assim, deram-se os fatos do caso mais singular e inusitado da vida do delegado Basílio — pelo menos até aquele momento, e que deixara boquiaberto o investigador Madeira. Ao despedir- se do chefe no aeroporto, pensou:

"E o pior é que o miserável desvendou tudo sem levantar a bunda da cadeira".

Fim.

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