Tarcisio



O HOMEM NA CADEIRA

Tarcisio se sentou na cadeira com a cabeça abaixada, as pernas afastadas uma da outra, as costas longe do encosto, os braços curvados sobre as pernas, as mãos apoiando o rosto, o olhar fitando o chão, mas enxergando o nada, e se perguntou:

"Porra, o que eu fiz da minha vida?"

No rosto, uma expressão de interrogação, de incredulidade.

Do alto dos seus cinquenta e poucos anos, queria saber o que tinha feito da sua vida, que até aquele momento, ainda pagava aluguel, não criara os filhos, não construíra um patrimônio.

Recebendo um salário suficiente apenas para comer, mal podia comprar as cervejas do final de semana e tinha o nome estava sujo na praça, vivendo praticamente da renda da atual mulher.

E sim, tratava-se da mulher atual, porque a lista de todas que passaram por sua vida era grande.

Seria somente mais uma história, se não se referisse a Tarcisio, um homem que levou o poder da sua aparência e o gosto pelo prazer imediato como a direção da sua vida.

A criança Tarcisio era a representação do Capeta. Moleque bonito e inteligente, mas endiabrado!

Aprontava todo o tipo de travessura. Batia nos amigos, enganava a professora, escapava no meio da aula pra planejar alguma traquinagem. Não houve um único dia na sua curta vida escolar que se limitasse ao papel de aluno.

A graça da existência estava em tocar o terror, criar o caos. Só conseguia se divertir quando tinha bagunçado a ordem das coisas. A aula não podia ser apenas uma aula, a escola não podia ser apenas uma escola. Todo o sistema tinha de ser anárquico.

E por que isso? Por raiva? Revolta? Nada disso, por pura diversão!

O moleque desgraçado sorria até se mijar toda vez que as suas estripolias davam certo. Gargalhava sem dó e nem piedade dos meninos que choravam por alguma traquinagem que ele aprontara. Debochava da professora que o excomungava com todo o ódio que existia no seu coração.

Quando ele chegava na escola ou na casa dos primos, a sensação de desconforto era geral.

As tias e professoras já botavam uma expressão fechada no rosto; os primos e colegas já davam um jeito de sumir e se afastarem daquele ser maléfico.

Aonde quer que chegasse, o seu objetivo era produzir caos! Nada o divertia tanto quanto ver as pessoas perdendo a cabeça.

Gargalhava até não poder mais. Em pouco tempo, depois de aprontar alguma, já estava pronto para outra. Era uma energia infinita. Assim como o seu senso de humor perverso.

Quando a família se mudou de cidade, levando aquela criatura nefasta junto, no bairro e na escola, o assunto era um só:

— Você viu quem foi embora?

— O Tarcisio!

— Vocês souberam da novidade?

— Souberam que Tarcisio se mudou da cidade?

— Já foi tarde, aquele demônio! Que volte para o quinto dos infernos, de onde nunca devia ter saído!

Foi assim, com toda essa benquerença, que o abençoado deixou a cidade onde nasceu, e também a infância, para ingressar na adolescência, agora em outra cidade.

Imagine um animal na sua plena essência. Esse era o Tarcisio quando descobriu o sexo. Jesus, não havia criatura mais animalesca! Aquela natureza devastadora, agora com os hormônios sexuais aflorados.

Minha Nossa Senhora!

Já nas primeiras experiências, Tarcisio apanhou bastante da sua mãe para que parasse de violar os garotos menores que encontrava pela frente. Qualquer menino desavisado que aparecesse dando bobeira em algum lugar onde o terrível estivesse, já era, teria a sua inocência levada embora pelo devorador de garotos. Em pouco tempo, não havia mais desavisados por ali.

Na vizinhança, na escola, ninguém se atrevia a ficar perto de Tarcisio sem que tivesse outras pessoas próximas. Era assinar a própria sentença.

Com a adolescência avançando, o corpo tomando forma de rapaz, os belos traços ficando mais evidentes, os meninos enfim tiveram paz, e foi a vez das meninas terem a sua paz roubada.

O jovem tinha se tornado extremamente atraente. Musculatura definida, traços masculinos irresistíveis e um sorriso arrebatador. Nascia ali um sedutor nato.

Era o garoto mais disputado pelas meninas entre todos da sua faixa etária. Mocinhas defloradas eram a diversão da vez. Deitava-se com uma, com outra; jurava amor eterno a essa e aquela outra também. Amava a todas, ou pelo menos era o que dizia, mas o que amava mesmo era o prazer de conseguir, do imediatismo.

Todos os dias, buscava uma nova presa. Era o gosto que tinha pela vida naquela idade. Quanto maior o desafio, melhor.

Até que, um dia, engravidou a filha de um traficante da cidade onde morava. Agora, estava com um problema de gente grande. Era hora de dar tchau à adolescência.

Tarcisio até se casaria com a moça, e não que isso o impedisse de levar a sua vida de predador sexual, mas sua opção ainda era cair fora, escapulir pra qualquer lugar onde pudesse começar uma nova jornada de aventuras.
Era hora de deixar para trás a sua atual cidade, a namorada grávida e a adolescência.

Na sua nova morada, chegaria um homem pronto para recomeçar. Sem passado, apenas com a promessa de muitas vitórias futuras.

O homem Tarcisio tinha aprendido a camuflar o seu instinto selvagem. Agora, aparecia como um sujeito que, além de atraente, também tinha um olhar sedutor, o papo agradável, gestos contidos e educados, e a suposta paciência de esperar o tempo que a presa precisaria até ser devorada.

Ah! Agora, sabendo que as mulheres buscavam, além daquele sorriso irresistível, também segurança, estava dando vida às suas fantasias de grandeza.

Para cada nova paquera que encontrava, contava uma lorota mais elaborada que a outra: era empresário, gerente de banco, jornalista, engenheiro, policial e tudo que a sua imaginação quisesse usar para fisgar a presa.

O que as pretendentes e princesas não sabiam era que o príncipe não passava de um sapo, e que, assim como elas naquela fase da sua vida, queria segurança financeira, além do prazer propriamente dito. Embora essa segunda opção continuasse sendo o que norteava seus atos.

Casou-se, teve filhos, brincou por um curto período de tempo de homem de família, fez o papel do bom marido, até que a esposa resolveu não mais pagar as contas da família depois que o flagrou em pleno ritual de acasalamento com a sua vizinha.

Adeus, brincadeira de casinha.

Voltou a conquistar uma aqui e outra ali, sendo que, a cada vez, o prazer de seduzir ia se equivalendo ao gosto por ter quem pagasse as suas contas.

As mulheres não mais precisavam ser bonitas, a prioridade era que fossem bem sucedidas. Mas ele, é claro, seria sempre o garanhão.

Uma vida intensa. Muita energia, muito êxito com as mulheres, muito prazer e deleite. Parecia que começava a se cansar daquela busca incessante. A energia em excesso parecia ter diminuído. Agora, era ele avitima da vez.

O vício em álcool, a incapacidade de pagar as próprias contas, a incerteza do teto no próximo mês.

Tudo que conseguiu foi efêmero. As pessoas de sua idade tinham uma vida construída para exibir. Ele não construiu, apenas usufruiu. As suas mentiras já não eram mais tão boas, o mundo havia mudado e a sua capacidade de ludibriar parecia não ter acompanhado a mesma velocidade.

Queria poder um dia sair de casa e ser o homem que sempre vendeu para aquelas mulheres. Lamentava não o ser. E sabia que não seria.

Agora, era ele, o copo de cerveja ao seu lado e uma sensação de insegurança que ia crescendo dia após dia. Esperava ansioso por chegar em casa no final do dia e ser levado de volta ao seu mundo fantástico, na viagem proporcionada pelo efeito da bebida.

Era o mais intenso que conseguia ser, ali, sentado no seu trono. Digo, cadeira.

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