Capítulo 4 - Ela amará Ele (part. 7)
Por ter trabalhado até tarde, no dia anterior, acordo na quinta-feira um pouco mais tarde e chego à redação por volta das onze da manhã. Em pouco tempo já era a parada do almoço... Em pouco tempo já estava na hora de voltar pra casa. Todo esse tempo, claro, pensando na hipótese de ter encontrado Marcelo no Maracanã. Alguns segundos de diferença e talvez estivéssemos saindo pela mesma porta. Seria muito azar ou muita sorte? Não sei. Essas ausências de respostas acerca de tudo relacionado ao Marcelo, ao mesmo tempo em que me deixava agoniada, inflamava meus sentimentos por ele. As incertezas me mantinham alimentando os pensamentos em sua pessoa, pagando o alto preço do aluguel dele no meu coração. Eu queria descobri-lo melhor, eu queria saber a verdade, eu queria confirmar as hipóteses, eu queria amá-lo. Sem dúvida, vê-lo me fez mal, eu estou angustiada, com a minha cabeça sem saber processar tantos dados. Resolvo então, já saindo da redação, mandar uma mensagem para Bianca confirmando o chope e ela me responde positivamente em caixa alta e com cinco exclamações ao final. Ótimo, eu iria conversar com minha amiga, desabafar, quem sabe ela também desabafasse do caso inexplicável dela com Murilo, a bebida ia descer, falaríamos besteiras, ficaríamos alegres e eu esqueceria o idiota do meu namorado do futuro. Chego em casa, dou boa noite para minha mãe que já preparava o jantar, separo a roupa que irei sair, tomo um banho, sento à mesa e me sirvo do maravilhoso risoto de queijo brie com rosbife feito com carinho de mamãe. Volto ao meu quarto e começo a me arrumar. Mesmo uma simples ida ao barzinho merece uma produção feminina, ainda mais no desamparo sentimental em que me encontro. Tenho que me sentir bonita, ser notada, enfim, erguer minha autoestima. A produção tem que ser caprichada, contudo, não pode ser chamativa. Os outros devem enxergar a beleza de relance, não em função de um clarão. Visto, então, um short preto e uma blusinha branca, me maqueio, chamo o uber e desço. Hoje, eu voltaria para casa bem melhor, sem as lamúrias sobre o sumiço de Marcelo consumindo minha cabeça, ele seria afogado em um copo de cerveja e o corpo restaria perdido no fundo do copo, em sacolas pretas.
Como sempre, chego antes de Bianca. Peço ao garçom uma mesa para duas pessoas e, com o bar cheio, como toda sexta-feira, ele me pede para aguardar. Fico na porta, olhando as pessoas e mexendo no celular. Aquele buchicho do bar lotado, pessoas ocupando todas as mesas e muitas outras bebendo confortavelmente em pé, na calçada mesmo, já me causa boas sensações, elas estão felizes, conversam entusiasmadas, riem, contam histórias, os homens tirando vantagem de algum envolvimento sexual (será que meu caso com Marcelo foi jogado à mesa e recebido com altas gargalhas? Homem do futuro? Risos, posso ver muitos risos, com certeza), as mulheres fofocando, como sempre. Enfim, há vida, vida fora das lamentações. O garçom então chama e me leva até uma mesa encostada com a grade. Ele puxa a cadeira para que eu me sente e me entrega o cardápio, após o ter recolhido de outra mesa. Sem nem olhar o menu e antes que o garçom desaparecesse para atender as pessoas de outra mesa que já o chamavam aflitas, peço um chope. O relógio marca nove e meia e meu copo encontrava a sua metade, quando, Bianca, pontualmente atrasada, chega. Ela demora a me achar, naquele formigueiro de gente, tenho que dar uma levantadinha, balançar a mão para que Bianca consiga me ver. Assim que nossos olhares se encontram ela abre um sorriso e caminha em minha direção. Cumprimentamo-nos com dois beijinhos e ela se senta a minha frente.
— Nossa, está cheio demais isso aqui hoje – diz.
— Muito. Quinta-feira, mó calorão, povo quer beber mesmo.
— Mas e aí, me conta, como você está? Ele apareceu afinal? – ela faz a pergunta sem nem pestanejar, com um largo sorriso, cuja resposta pôde facilmente decifrar pela minha expressão que se fez presente antes das palavras.
— Nada, desapareceu completamente do mapa – respondo, exterminando o sorriso da face dela, que se compadece com meu sofrimento. Ela se detém a me olhar, antes de prosseguir, como se me analisasse e quisesse decifrar exatamente a natureza e a profundidade da minha dor.
— Não estou acreditando. Ele parecia tão envolvido, tão a fim... – diz fazendo sinal para o garçom para que trouxesse um chope. Só nesse momento ela se dá conta, olhando para meu copo, que havia chegado atrasada – Já bebeu muito?
— Não, não, esse é o primeiro.
— Mas e como você tá?
— Estou meio mal, amiga – respondo pela primeira vez sem tentar enganar a mim mesma, a verdade pura.
Bianca volta a estacionar o olhar em mim, dessa vez com perplexidade. Ela não estava acostumada a me ver naquela posição. Ela já esteve do meu lado quando fiquei triste após terminar meus namoros antigos, mas eram situações diferentes, relacionamentos longos em que o mais difícil era compreender que haviam acabado. Agora, ela me vê desnorteada em razão de um relacionamento de uma semana, de um cara que brincou comigo a respeito de uma viagem no tempo. Ao lembrar disso eu me envergonho, por ter sido tão tola, mesmo diante de minha melhor amiga, me sinto humilhada.
— De repente aconteceu alguma coisa, de repente ela reaparece no final de semana – fala na tentativa de me consolar. Contudo, me munir de esperança, naquele momento, poderia fazer o tiro sair pela culatra.
— Não vai, não vai... E mesmo que aparecesse... Que tipo de história ele contaria?
— Bom, de histórias ele é bom... – solta uma gracinha já se arrependendo após pronunciá-las.
— Verdade – digo no tom de quem concordou com a constatação de humor negro.
O chope dela chega, o garçom o coloca na mesa e, sem que eu pedisse, troca meu copo que restava apenas um gole ínfimo, por outro cheio e marca, na comanda grudada na porta-guardanapo, o consumo de mais dois chopes.
— O que vamos brindar? – pergunto.
— À nossa solteirice, ao fato de termos nos livrado de homens que não prestam!
— Um brinde – digo sem o mesmo entusiasmo que ela e tocando os copos, para depois continuar, aproveitando a brecha dada – Mas e você? Não vai me contar mesmo sobre o que aconteceu com o Murilo? – somente me toco em perguntar nesse momento, o seu drama, definitivamente muito maior que o meu. Ela havia sido traída na festa que fora junto com o namorado!
— Eu disse que não queria comentar sobre o assunto, mas já superei, na medida do possível, sem problemas, posso falar – responde com uma expressão muito tranquila, serena, de quem realmente fala a verdade sobre sua condição, fato que me surpreende bastante – Ele ficou bêbado na festa e soltou umas verdades...
— Que verdades? – insisto para que ela revelasse enfim o que havia acontecido.
— Ele disse que as coisas tinham acontecido muito rápido, que ele não sabia se era isso mesmo que queria, que havíamos nos precipitado. Aquela velha ladainha...
— E você reagiu como?
—Ah, eu estava bem bêbada também... Perdi a paciência, fui grossa com ele, confesso, ele devolveu a grosseria, mandei ele praquele lugar e sai andando. Depois, quando fui ver ele tava se agarrando com uma garota na parede. Foi o cúmulo aquilo. Não demorou muito vocês me encontraram...
— Nossa... Como pôde ser tão babaca? – indago perplexa.
— Homens...
— O pior é que o Marcelo parecia indignado com o amigo, condolente, concordando comigo. Na verdade ele estava mais uma vez fingindo, apenas para ganhar a minha confiança e dar o seu bote, seguindo a índole do amigo.
— Pois é... – diz Bianca parecendo querer encerrar o assunto. Ela havia me contado a história, coisa que, parecia antes, não iria acontecer. Eu já estou no lucro. Contudo, eu preciso me assegurar de mais uma coisa antes:
— Nenhuma recaída pelo tal do Thiago, né? Aquele carma! Não ligou pra ele querendo afogar as mágoas, né?
— Não – ela diz abaixando constrangida a cabeça, parecia mentir.
— Não mesmo? – insisto, numa entonação que a fez reerguer a cabeça para me olhar nos olhos e afirmar.
— Não. Nada de recaídas. Esse também está morto e encerrado.
Thiago era um assunto complicado para Bianca. Ela desde muito tempo foi (ou é) apaixonada por ele. No entanto, Thiago sempre a tratou como objeto. Bianca sempre foi para ele apenas sexo, um bom sexo. Ela, boba e assanhada, acabava cedendo e depois, toda machucada vinha chorar no meu ombro. Ela havia me prometido que não se encontrava com ele fazia um bom tempo, que conseguia conter os seus impulsos carnais. Mas, diante de um fora, a recaída no vício poderia ter acontecido. Por essa razão, tive que persistir na pergunta. Com a resposta negativa dela, enfim, pude embarcar na mudança de assunto.
— Então, o que faremos amanhã? – pergunto, terminando o chope ao mesmo tempo em que Bianca.
— Vai ter aquele funk da alta sociedade lá na quadra da Rocinha, com Marcinho, Buchecha e outros aí... Já tá no terceiro lote de ingressos, mas, na situação de fossa que estamos, acho que vale o preço – ela diz para dar uma risadinha em seguida.
— Claro! Vamos sim. Não ficarei em casa na sexta à noite de jeito nenhum. Onde compra?
— Dá pra comprar pela internet. Fazemos agora?
— Podemos – digo já pegando o celular. Bianca me indica o site e, enquanto o garçom deixa mais um chope, o conteúdo virtual abre na tela. Em rápidos três minutos, digito os dados do cartão de crédito e a compra está efetuada. A noite de sábado está garantida. Antes que eu iniciasse o terceiro chope, outro garçom que passava de mesa em mesa carregando uma bandeja com pequenos copinhos, abaixa e nos oferece um coquetel de cachaça. Olho para Bianca, ela me olha de volta e assentimos, como se aquele copinho vazio representasse nossa superação e uma prévia de uma ótima noite que teríamos no dia seguinte. Bebemos num gole só, eu escolhi a de sabor canela, Bianca a de limão, e batemos o copo na mesa, para, logo sem seguida, o garçom recolhe-los. A cachaça estava bem gostosa, mas eu nunca consigo deixar de fazer uma caretinha ao beber destilados em um gole só. Sorrimos felizes e voltamos para o chope. De rabo de olho, posso ver um grupo de quatro rapazes que nos observam. Certamente eles estão prestando atenção nas duas possíveis presas fáceis que estão bebendo cachaça. Quando volto minha atenção para Bianca, seus olhos me revelam que ela já estava ciente das investidas visuais há um bom tempo, quase que me recriminando por der demorado tanto a perceber. Bianca não se contém, ela adora o jogo de conquista, ser desejada, flerte pra lá, flerte pra cá. Em sua cabeça, nada melhor para esquecer um caso perdido que uma boca perdida. Eu, pelo contrário, nunca achei que se perder fosse o melhor caminho para se achar interiormente. Eu, Amanda, tinha um tempo de luto, um período sozinha, antes de encarar uma nova empreitada. Bianca puxa um assunto de trabalho, deixando bem claro que agora desdenhava propositalmente dos olhares dos rapazes, como se fosse uma tática de guerra, um movimento calculado.
— O seu chefe continua charmoso daquele jeito? – pergunta com um sorriso malicioso.
— Não me arranja problema, hein, Bianca... Ele casado, mas já soltou que adorou você, depois que fomos naquele happy hour.
— Eu sei bem. Ele estava assanhadinho, mas me tratou com todo respeito e não insinuou nada além, ficou só no pensamento. Ele é um amor...
— É sim, tenho que agradecer de tê-lo como chefe.
O papo vai e volta e nós já estamos no sexto chope. Bianca, bebendo mais depressa, já havia me igualado no número. Ela, então, se levanta e vai até o banheiro. No caminho, eu a observo, sei que trama algo. Bianca antes de entrar no toalete feminino, desacelera o passo, se detém por um segundo e, já empurrando a porta, se vira para a mesa dos rapazes e apenas olha. Havia sido um pequeno sinal, mas Bianca era sagaz, é o suficiente para inflamá-los e gerar cutucadas, risinhos. Um deles se encosta na cadeira, bebe seu chope e faz a expressão de garanhão tranquilo, apenas a espera da hora do abate da presa. Ela, a presa, demora um pouco no banheiro, sem dúvida estava dando um toque na maquiagem. Quando finalmente sai, os homens acompanham descaradamente cada movimento seu, mas, ela joga, dessa vez, sequer faz menção de virar o rosto, um aviso só já fora o suficiente. Logo que se senta, dispara:
— E aí? Qual você mais gostou?
— Pô, Bianca, nem tô a fim de ficar com ninguém...
— Você tem que esquecer aquele canalha – responde já num tom acima, em razão da bebida.
— Eu vou esquecê-lo, quero muito, mas não é assim que funciona comigo – pondero, fato que é ignorado por Bianca, que parece sequer escutar minhas palavras.
— Eu adorei o de camisa social rosa claro, uma graça. Ele tá sempre nessas festinhas que a gente vai... figurinha conhecida.
— Mais um motivo...
— Amanda, eu não vou me envolver... É só diversão...
— Bom, me deixa fora dessa.
— Vai ser difícil, o amigo de blusa preta não para de olhar pra você. Bem bonitinho... – ela constata o fato que eu já havia suspeitado, mas que pretendia ignorar.
— É, até que não é de se jogar fora, mas eu estou zero a fim mesmo. Vou ficar só na chopinho.
Como se conseguisse prever o futuro, assim como Marcelo, Bianca diz:
— Eles estão vindo...
Os rapazes ainda não haviam levantado, mas Bianca tem um felling, uma ótima leitura corporal, mesmo sem olhar diretamente, apenas com a visão periférica, ela consegue antever os movimentos. Exatamente os dois citados, quando ela termina de falar sua frase, arrastam suas cadeiras para trás, levantam e veem em nossa direção. A bebida havia os deixado completamente desinibidos, eles puxam a cadeira de uma mesa vaga (nessa hora o bar já esvaziara um pouco) e sentam ao nosso lado, sem qualquer cerimônia. O olhar de Bianca já havia permitido que eles agissem dessa maneira. Entretanto, mesmo sabendo disso, ela se faz de desentendida, a mocinha assustada com a ousadia.
— Que isso? – indaga fingindo perplexidade.
— Podemos nos sentar? – diz o rapaz de camisa social já sentado ao lado dela.
— Agora que já sentou...
— Prazer, Felipe – ele diz e dá dois beijinhos de cumprimento.
— Bianca, prazer.
O "meu" que parecia seguir os passos do amigo, mas ainda com resquícios de timidez, repete o gesto, se apresentando: Paulo. Educada, tenho que agir conforme a música.
— Prazer, Amanda.
— E ai? Boa essa cachaça que vocês tomaram? – Felipe tenta iniciar uma conversa distraída.
— Tava boa, sim. Estavam espionando a gente? – diz Bianca
— Não pude deixar de espiar – Felipe diz com um sorriso safado nos lábios –Vão pra alguma noitada depois daqui?
— Não, não, vamos ficar por aqui mesmo – responde Bianca. Enquanto isso, Paulo e eu apenas observamos a conversa deles dois. A situação é bem incômoda para mim, mas, como amiga de longa data de Bianca já deveria estar acostumada.
— E bebendo cachaça assim? Estou impressionando!
— Somos meninas fortes – diz Bianca estufando o peito e mostrando o muque num tom de brincadeira. Felipe adora o tom de descontração que Bianca dá, é o sinal verde que ele precisa para continuar no ritmo.
— Vamos tomar outra, então? – propõe.
— Quer nos embebedar é? – indago com toda a minha acidez.
Paulo, nesse momento, vendo que eu interagi, é obrigado a se mover também e toma as rédeas da defesa.
— Que isso, nada de embebedar. Estamos aqui bebendo socialmente – contemporiza.
— Eu por mim, estou bem de cachaça – digo, deixando mostrar minha restrição quanto àquela situação toda. Eu queria ficar conversando com minha amiga...
— Vamos, amiga, só mais uma...
Respondo negativamente, enrugando o nariz. Contudo, os três insistem e embora eu esteja insatisfeita com a situação, não posso bancar a chata intransigente. Paulo, então, chama o garçom e manda trazer quatro copinhos da cachaça com canela. Eles puxam algum assunto trivial, da espécie de "o que fazem da vida?" "quantos anos vocês têm? "Onde moram"?", as perguntas que são tão obrigatórias quanto hipócritas, eles estão pouco se importando para o que fazemos da vida ou qualquer coisa do tipo. Essas perguntas são uma espécie de salvo-conduto para poderem atacar com as maldosas depois. Ticadas todas as questões banais, eles pressupõem que ganharam mais confiança e uma pequena dose de intimidade, ínfima, mas já suficiente para tentar se encostar e jogar uma piadinha assanhada.
Quando a cachaça chega brindamos o tradicional "saúde" e viramos ao mesmo tempo. Logo, a conversa deixa de ser grupal, Felipe vira a cadeira para Bianca e Paulo a dele para mim. O papo agora é dividido, cada um no seu interesse e, como previsto, o tom muda. Contudo, não deixo a prosa ser levada para o caminho que Paulo deseja. A cada investida mais eufórica eu desconverso e retorno para a trivialidade. Descubro que Paulo é um engenheiro de produção que trabalha na parte administrativa de uma construtora, tem a mesma idade que eu e havia se formado na mesma faculdade. Ele argumenta, em um tom cômico, que era um sinal do destino, eu discordo, ressaltando o aspecto provinciano do Rio de Janeiro. Ao menos na Zona Sul, todo mundo se conhece, frequenta os mesmo lugares, já se esbarrou por aí muitas vezes. A conversa fluí e eu sinto que estou levemente bêbada. Paulo também está, a cachaça havia sido o golpe final. Sua timidez inicial com certeza já tinha se dissipado:
— Você é linda, sabia?
Odeio essas cantadas óbvias. Por que ele não pode ser um viajante do tempo e me intrigar com suas previsões acertadas sobre o futuro? Para de pensar nele, Amanda! Minha resposta para o elogio dele é apenas um sorriso amarelo. O que eu iria dizer? Sim, eu sei? Ou, não... não sabia... Minha única resposta é o sorriso amarelo. E sei lá, o gracejo não me convence, não me parece muito verdadeiro. Ele até podia me achar bonita, mas aquelas palavras saiam da boca dele como uma espécie de técnica, frase padrão para tentar ganhar a mulher, uma simples mecânica na esteira de produção, usada com todas.
— Qual a boa de amanhã? – pergunta, depois de um tempo me olhando, sem saber muito bem o que dizer, sendo necessário o uso do artifício da pergunta fácil para que a conversa não desandasse.
— Vamos na Favorita.
— Que ótimo! Nós compramos também! De repente a gente se encontra lá...
Eu percebo que a conversa entre Felipe e Bianca está bem mais animada que a minha com Paulo. Ela transcorria sem pausas, sem necessidade de perguntas forçadas para dar o ritmo. Eles papeiam com fluidez, um assunto leva ao outro, naturalmente, ambos entregam sorrisos que denunciam: em pouco tempo estarão se beijando. Enquanto isso, Paulo com o dedo, levemente, ajeita uma mecha do meu cabelo que caíra no rosto. Não podia ser grossa e fazer uma cara de zangada, mas minha expressão é a suficiente para ele entender que eu não havia dado esse tipo de confiança. Paulo observa que tanto o seu quanto o meu copo estão vazios e me pergunta se poderia pedir mais dois. Respondo afirmativamente e, de forma rápida, o garçom traz os chopes. Ele bebe, mas, mesmo nesse momento, não tira o olho de mim. Não gosto desse tipo de abordagem. Nunca o vi na vida, não sei nada sobre ele, se temos algo realmente em comum, mas isso não importa, em suma: ele me achou bonita (quem sabe média, "dá pra pegar"), viu uma oportunidade de se aproximar com o amigo e quer me beijar a qualquer custo. Pra quê? Para trocarmos salivas? Eu não vejo muito sentido nisso tudo, mas são essas espécies que Bianca vivia se envolvendo. A meu ver, é uma coisa muito vazia, supérflua, que eu já havia aproveitado mais nova. Na idade atual, sem dúvida, me acrescentava muito pouco. Marcelo, contudo, foi diferente, a maneira como ele se apresentou, sexy e romântica ao mesmo tempo, me intrigou desde o primeiro instante. Ainda que assustada, aquela doideira toda me fez sair do lugar comum, me transportou para um contexto de mistério, uma aventura romântica. Infelizmente, no final das contas, Marcelo era só mais um desse espécime, exatamente como Paulo, só queria me usar por algum tempo. Contudo, meu namorado do futuro foi mais criativo, mais inteligente, mexeu com meu imaginário, me colocou numa armadilha, fez desabar todas minhas barreiras e, assim, me tornei uma vítima fácil de seu golpe.
Paulo me faz mais uma pergunta tentando animar a conversa, mas não presto muito atenção, meu olhar se move para Bianca e Felipe. Ele já pega na sua mão, sorri um sorriso bonito, mas depravado, já tem certeza que havia ganhado o jogo, Bianca entrega todos os sinais e liberdade para que ele avance. Não demoram muito, os rostos se aproximam lentamente, Felipe, agora, com a mão na bochecha dela, até os lábios se encontrarem. Paulo também esquecera o que havia me perguntado para acompanhar o desfecho do outro casal. Quando eles finalmente se beijam, Paulo olha para mim, como se dissesse que agora ficaria mais difícil ainda que eu negasse suas vontades. Ele, em certo ponto, tem razão. Ou ficávamos ou permaneceríamos segurando vela do casal, que, pelo jeito, iria longe, o beijo é profundo, cabeças pra lá e pra cá, línguas vorazes. Eu estou péssima. Queria Marcelo aqui comigo, dizendo que voltaria no tempo só para reviver o nosso amor, isso, eu quero ele, mesmo brega, mentiroso, cafajeste. Não esse estranho ao meu lado, que, agora, tenta colocar a mão no meu ombro.
— Adorei você – diz Paulo, na tentativa de surfar o momento, ele é o ladrão querendo aproveitar a ocasião e faz uma cara falsa de sinceridade, tentava ao máximo transmitir que havia me adorado mesmo, mas suas palavras não me descem. Paulo tenta aproximar seu rosto ao meu e me afasto. Frustrado, ele recolhe, tendo consciência que se precipitara. Nesse exato momento, Bianca desgruda de Felipe e assiste minha clara negação. Ela, sem muita cerimônia, levanta da cadeira e convoca-me para ir ao banheiro. Concordo com a cabeça e me levanto também. Paulo e Felipe observam nossos movimentos, sem dúvida curiosos sobre o que seria dito no banheiro.
— Já voltamos – promete Bianca.
Caminho até a porta do banheiro com Bianca no meu encalço. Assim que entramos, Bianca, em um tom levemente indignado dispara:
— Eu não estou acreditando! Ele é lindo! Por que você não fica com ele?
— Já falei, Bianca, eu não estava a fim de conversa, de papinho mole de homem hoje, tinha te avisado – respondo entrando na cabine e fechando a porta. Bianca entra na cabine vizinha e continua falando, dessa vez mais alto, para vencer a parede de plástico que nos separa:
— Amanda, o que tem de errado em conhecer caras novos, bonitos, divertidos...
— Acontece que comigo as coisas não funcionam assim. Se eu ficasse com ele seria só mais uma boca, não me acrescentaria nada.
— E por que precisa acrescentar alguma coisa a mais? Por que um bom beijo já não é o suficiente?
— Bianca, você é um homem que nasceu no corpo de uma mulher – emendo a piada.
— Um homem gay, né? Porque se tem alguma coisa que eu gosto é... – ela diz sem completar, apertando o botão da descarga. Eu já estou do lado de fora da cabine, lavando as mãos:
— Enfim, eu não vou ficar com ele. Então, como não vou segurar vela nem continuar me esquivando das investidas do menino, coitado, vou embora.
— Ah, amiga, fica mais um pouco...
— Você pode ficar ai com ele de boa, relaxa.
— Ele é lindo né?
— É bonito sim.
— Mas relaxa, não vou embora com ele não. Vamos juntas.
— Ok, então. Tomamos mais um chope, você dá mais os beijos que tanto quer e aí vamos embora.
— Tudo bem, você quem manda.
Saímos do banheiro e os olhos de Paulo e Felipe nos aguardam. O meu pretendente busca captar algum sinal positivo, sem dúvida, ele havia se animado com nossa conversa secreta e ganhara falsas esperanças que as coisas se tornariam mais fáceis para ele. Bianca senta-se novamente e dá um beijo demorado em Felipe, como se fossem namorados que há meses foram separados. Paulo me olha, oferece um sorriso e vem falar perto do meu rosto, para que não pudéssemos ser ouvidos pelo casal entrelaçado à nossa frente:
— Amanda, sério, acredita em mim. Adorei você. Eu juro, juro mesmo que não é papinho. Te achei linda, inteligente, gente boa.
— Mas nem deu tempo de você descobrir isso tudo. Exceto pela beleza que você diz ter visto em mim, é muito precipitada a afirmação, não acha?
— Viu como você é esperta? – ele diz tentando se sair bem. Além de esperta é bem durona. Adoro esse tipo. Não estou dizendo que foi amor à primeira vista, mas, eu, de verdade, gostei de você. Me dá uma chance...
— Olha Paulo, você parece ser um cara super legal, mas, de verdade, hoje, não estou a fim mesmo, não vai rolar... Desculpa.
— Nossa, não precisa ser assim tão cruel. Assim você parte meu coração...
— Não disse que era papinho?
— Olha, vamos nos encontrar amanhã na Favorita. Vou te provar que não é papinho.
— Ok, amanhã, se por acaso nos encontrarmos na festa, a gente troca mais uma ideia. Mas, já vou adiantando, vai ser muito difícil eu mudar de opinião, sei que vocês homens não gostam de perder tempo – não digo isso fazendo algum tipo de jogo ou charme, de fato, já havia, por toda a situação, o descartado mentalmente e, quando coloco uma coisa na cabeça é muito difícil de tirar.
— Você pode me dar seu telefone, ao menos?
Analiso-o, pondero por alguns segundos e acabo ditando meu número. Assim que ele termina de anotar, eu chamo por Bianca, que estava aos mil sorrisos com Felipe, já havia passando muito mais tempo que o combinado. Ela me olha com uma cara de reprovação.
— Você quer ficar? Não tem problema mesmo, chamo o uber aqui – falo com sinceridade.
— Não, não, vou com você – ela diz no tom que deixava bem nítido que havia sido obrigada a assentir ao meu chamado, mesmo não querendo, para evitar que, porventura, eu ficasse chateada de ter ido embora sozinha, o que, de verdade, não aconteceria, gostaria mais é que ela espairecesse mesmo. Bianca se despede de Felipe, que insiste, em vão, que ela ficasse mais um pouco. Sem dúvida, estava com esperanças de terminar a noite na cama com ela. Não dessa vez... Dou dois beijinhos no rosto de Paulo que me olhava com uma feição de coitado, tentando amolecer meu coração, para, quem sabe, amanhã eu lhe desse uma chance. Em seguida cumprimento Felipe com os mesmos dois beijos. Esse, por sua vez, me encara com uma ponta de raiva, para ele, eu havia sido a amiga chata, que empatou sua vida. Era a culpada por estragar a noite que poderia ser perfeita pra ele. Enquanto saímos do bar, enfatizo à Amanda:
— Você pode ficar, sério, não tem problema.
— Não, amiga. Vamos juntas. Ele já estava com uns papos de ir dormir na casa dele, melhor assim, melhor ir devagar.
— Bom, se você está falando, tudo bem – digo ao mesmo tempo em que o uber encostava à nossa frente. Entramos no carro e continuamos a conversa:
— Eles vão amanhã à festa, né? – Bianca diz.
— É, o Paulo me falou.
— Me conta, Amanda, você só não ficou com ele por causa do Marcelo, né?
— Não, eu não estava a fim mesmo. Mas não posso negar que estou com ele ainda na cabeça.
— Mas logo passa, amiga, fica tranquila.
— Pois é – digo encerrando o assunto e virando-me para a janela, permanecendo a olhar as pessoas nas calçadas que, felizes, caminham pelo Leblon. Posso perceber, mesmo sem me virar, que Bianca me observa com um olhar de pena, um olhar de quem sabia, só pelo minha expressão corporal que eu estava sofrendo mais do que havia lhe contado. Contudo, ela prefere não insistir no assunto e ficamos caladas até que o uber me deixe em casa. Despedimo-nos e ficamos de conversar no dia seguinte para combinarmos a ida à festa. Subo para meu apartamento, tiro a roupa rapidamente, caio na cama e rapidamente sou dominada pelo sono.
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