Capítulo 1 - Ela conhecerá Ele (part. 4)
- Ele tem um irmão gêmeo então, não é possível! Está mentindo!
- Não, não tem nenhum irmão gêmeo, Amanda, tenho certeza!
- Eu não estou doida. Eu juro que era ele. Tenho certeza.
- Amiga, me desculpa, mas essa é uma das histórias mais doidas que eu já escutei na vida.
- Esses dois devem ter feito isso pra me sacanear, só pode.
- Você está acusando o meu namorado de compactuar com isso?
- Bí, eu não quero brigar com você, na boa. Beleza, independentemente de quem esteja envolvido na brincadeira de mau gosto eu não vou mais me importar, ok? Vamos voltar pra mesa e fingir que nada aconteceu mesmo e, enfim... É isso!
- Por favor, amiga. Não estraga o jantar. Eu falei tão bem de você pra ele e chegamos aqui e... e... isso!
- Tudo bem, farei por você. Estou jogando o alfinete fora – digo, despejando meu instrumento de costura imaginário na privada para logo em seguida apertar a descarga a fim de impor dramaticidade e veracidade ao meu desprendimento da ironia fina que havia praticado na mesa. Bianca agradece o compromisso, me promete que depois conversaríamos melhor sobre o ocorrido e retornamos juntas para a mesa.
- Desculpe-me, Marcelo – digo dessa vez tentando muito fingir sinceridade no tom. "Pela minha amiga" – penso. Mesmo assim, acho que não sai com a verdade que eu queria. Diferentemente dele, eu não era boa em mentiras.
- A Amanda confundiu o Marcelo com um cara que sacaneou ela uma vez. Ficou com isso na cabeça.
- É muito parecido – digo treinando a minha falsidade.
- Posso saber o que ele fez? – pergunta com um sorriso desafiador, Marcelo. O mesmo sorriso desafiador do "homem do futuro". O que ele quer dizer com aquele sinal? "Sim, sou eu?" ou "Estou tentando ser simpático e puxar assunto descontraidamente para tentar apaziguar o clima?". Tenho sorte que a entrada que havia pedido chega exatamente no momento em que Marcelo termina a pergunta. Os garçons do restaurante estão no timing perfeito. Ofereço educadamente para todos, desviando da resposta. "Sirvam-se, não se acanhem." Eles realmente não se acanham e petiscam o prato. O silêncio se instaura com exceto ao som do movimento sutil das bocas mastigando, o que cria certo clima de desconforto na mesa. Marcelo, então, retoma o assunto, como se quisesse mesmo provocar, me impedindo de cumprir a promessa feita:
- Não fuja da pergunta, Amanda, o que esse sósia meu fez com você?
- Ele mentiu pra mim, uma lorota das fortes. Fiquei espantada com a capacidade genial dele em dissimular. Se mentir fosse um esporte, ele seria o Messi.
- Nossa! Esse cara parece que mexeu mesmo com você. Era o quê? Seu namorado? – pergunta dessa vez Murilo, para tentar enturmar-se na conversa.
- Sabe que não, respondi. Nunca senti nada por ele, mas quis me fazer de boba e eu odeio isso.
Marcelo me olha atento e carinhoso. Será que estava errada quanto àquele sorriso provocador?
- Gente, vamos tirar o foco de mim! Conta, Bianca, como foi que vocês se conheceram? – pergunto para minha amiga que se apruma toda feliz para responder:
- Foi na academia. Ele estava próximo e aí eu pedi ajuda com um aparelho...
- Não queira dar a entender que foi obra do acaso – interrompe Murilo, sorrindo – você fez de propósito, o momento certo, fingiu que estava enrolada com o aparelho e me chamou, aí começamos a conversar...
Bianca destila uma expressão alegre de culpada e prossegue o relato:
- Acaso ou não, começamos a conversar ali e você sabe, né? Falo muito! Fiquei tagarelando lá, acho que até atrapalhei ele...
- Atrapalhou nada – diz Murilo sendo fofo, mas conhecendo minha amiga, sei que atrapalhou sim.
- Ai pediu meu telefone, me ligou, saímos para tomar um chope, ficamos alegrinhos, acabamos ficando, foi ótimo e estamos juntos até hoje. Nossa, falo como se já fosse uma eternidade, ok, uma eternidade de um mês – finaliza Bianca descontraída.
Havia prometido não ser provocativa, até joguei meu alfinete pela privada, mas, parece que o esgoto não quis levar:
- E você, Marcelo, sua vez de ser sabatinado. Como vão as mulheres, muitas cantadas por ai? – questiono. Ele dá um leve sorriso antes de responder.
- Não sou muito de noitadas, sabe. Sou mais caseiro, namorador, no momento estou solteiro, mas sempre curti um relacionamento tranquilo. Então, respondendo, sua pergunta, acho que as cantadas vão mal, bem mal...
- Hum – é o barulho irônico que sai da minha boca, enquanto ele completa.
- Mas... Se, por um acaso, a menina fica absurdamente charmosa quando brava e me encara com ódio por me confundir com um sósia, aí eu não resisto e tenho que flertar – soltando ao final um enorme sorriso, lindo por sinal.
Bianca ri e bate duas palmas, joga o corpo para trás e solta:
- Uau!
Murilo dá uma grande risada. E eu? Fico como uma boba encarando ele, com um sorriso querendo escapar do rosto, mas prendido, mordido. Ele deve estar achando aquilo muito sexy. Eu sei fazer um olhar que perturba os homens, tenho esse talento. Ele me devolve sem dizer "Sim, estou adorando seu sorriso, ou quase sorriso"! Enquanto nós disputámos os olhares, regurgito as palavras que ele havia dito. "Absurdamente charmosa quando brava" – são palavras do homem do futuro. "Me encara com ódio" – ele finge que não está percebendo, mas no fundo, atento estava à minha metralhadora automática. Ele é um dissimulado e está me provocando. Safado!
- Quanta faísca, hein – comenta Murilo rindo – achei que seria um jantar ameno.
Permaneço calada, olhando–o. Ele devolvendo. Um jogo de sério que me permiti perder para falar:
- Bom realmente você tem que praticar melhor suas cantadas – digo sem o tom beligerante, mas com a dose de brincadeira e provocação que ele utilizou comigo.
- Talvez você não tenha ficado brava o suficiente ainda para me inspirar. Posso te irritar mais? – responde arqueando o dorso em minha direção e aproximando sua cabeça, não muito, mas o suficiente para me intimidar, os braços cruzados repousados na mesa para mostrar ao mesmo tempo respeito ao meu espaço. Desgraçado! Havia mandado muito bem nessa, me quebrou ao meio. Murilo e Bianca se divertem, soltando ruídos compridos, seguidos de boas risadas. Ele mantém o dorso inclinado e não consigo mais prender o meu sorriso. Marcelo, então, acompanha em sintonia o movimento dos meus lábios e mostra novamente seus bonitos dentes brancos.
- Sem dúvida você conseguirá me irritar mais, senhor do futuro – respondo.
Novamente os três se olham confusos. O que? Ora, meu deus! Eu estou soltando na mesa apenas que tinha entendido a brincadeira, que, OK, não estou mais brava, podemos parar com a farsa e jogar com as cartas abertas. Mas não, eles se entreolham novamente, como se não entendessem o aposto que usei para denominar o Marcelo. Bianca, especialmente, me flecha como se dissesse: "Para com isso, você prometeu!" Devolvo a flecha dizendo sem dizer, apenas com o movimento da cabeça e expressões faciais: "O que? Não é possível que você não esteja vendo que ele é ele!". Eles então agem desconcertados e acabamos por pedir as bebidas: os rapazes, cerveja, as mulheres, caipivodca de morango. Assim que as bebidas chegam, Marcelo propõe um brinde: "Vida longa ao casal, Bianca e Murilo" – e em seguida bebemos o líquido da verdade. Desejo que ele beba, quem sabe assim escorregue e eu possa, dessa maneira, provar para Bianca que estou certa e não maluca. Logo após o brinde, Murilo dá um beijo, dessa vez, mais demorado em Bianca, não daqueles constrangedores, só um pouco mais demorado, o que faz com que minha troca de olhares com Marcelo adquira outra espécie de tensão. O casal larga o beijo e Bianca então sugere que peçamos os pratos. Todos concordam e o garçom vem com os cardápios, um para cada um. Sempre sou indecisa para escolher pratos em restaurantes. Gosto de muitas opções e fico receosa de escolher um e depois avistar aquele que preteri lindo, saboroso e suculento na boca do meu companheiro de mesa. Enfim, olho e olho o cardápio e ainda escolhendo, me retenho em Marcelo: ele parece igualmente indeciso. Quando finalmente elejo, chamo o garçom e peço o Filé Mignon com aspargos e purê de batata baroa com queijo, Marcelo fecha o cardápio e pede igual, e mais uma cerveja.
Não me arrependo da escolha, pois quando o garçom coloca o prato à minha frente, ele está obscenamente cheiroso e apetitoso, bem mais que o salmão e o risoto de funghi que Bianca e Murilo haviam pedido, respectivamente. Pedimos a reposição das bebidas que rapidamente haviam acabado em razão da nossa sede desvairada e um pouco irresponsável (estamos numa segunda e trabalhamos amanhã!):
- O que significa essa tatuagem no seu pulso? – Marcelo aponta com seu dedo indicador para a minha coroa de três pontas.
- Acima de cada uma delas está tatuado um naipe do baralho, ouros, espadas e paus. Dentro da coroa, o coração de copas - respondi, levantando o pulso direito e mostrando melhor a tatuagem.
- Foi uma homenagem para uma amiga nossa que morreu, amiga de infância. A Bianca também tem igual, só que na nuca. – apontando com os olhos pra ela. Bianca se vira, levanta o cabelo e mostra.
- O coração de copas representa a Fernanda. Sempre pensamos em fazer uma tatuagem com os naipes para as quatros amigas, Eu, Amanda, Fernanda e Paula. Teríamos cada uma um símbolo e, quando juntas, nos completaríamos, assim como um baralho. Contudo, quando ela morreu, resolvemos adaptar a tatuagem e aí num sonho, surgiu a ideia do desenho e fomos correndo no estúdio fazer.
- Muito bonito – Marcelo comenta, fechando a expressão facial. Havia puxado um assunto um pouco inadequado.
- Posso ser indiscreto e perguntar o que aconteceu com ela? – Murilo entra na conversa, curioso.
- Sim, sim. Uma bela... Quer dizer, bela só a expressão mesmo, uma bela noite ela foi dormir e não acordou mais. Não sabemos até hoje o que aconteceu exatamente.
- Menos mal que foi dormindo, não sentiu nada – diz Marcelo, num tom de voz tentando novamente encerrar o assunto.
- Pois é – respondo. A lembrança retoma um pensamento que me persegue. A única diferença entre o sono profundo sem sonhos e a morte é que do sono nós acordamos. Quando durmo profundamente, sem sonhos, é como se estivesse morta. Naquele momento, não me importo em estar consciente ou se vou acordar, é simplesmente indiferente. Esse pensamento que ao mesmo tempo pode ser muito angustiante me confortava quando penso na Fernanda, para mim, ela está apenas dormindo até hoje.
- A ficha ainda não caiu – diz Bianca como se completasse em sincronia o meu pensamento – mesmo passado um ano, não entendo ela como morta.
- É exatamente isso. Enfim, não que ela não mereça ser assunto da nossa conversa, mas para um primeiro jantar, acho que podemos mudar de assunto. – coloco o ponto final. Marcelo concorda. Entretanto, nenhum de nós encontra palavras, então apenas levamos os copos à boca. Assim que retorno o meu à mesa, sinto meu celular vibrar e, já que estamos em silêncio, resolvo olhar:
"Preparadapara nosso primeiro beijo? Com saudades, seu namorado do futuro".
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top