Capítulo Único

"Nas complexidades da existência, é na simplicidade que encontramos a verdadeira essência da vida. Ao confiar nos nossos sentimentos e instintos, desvendamos o caminho para tomar decisões que ecoam com a sabedoria do nosso ser interior."


         Arthur era um homem solteiro de 41 anos, realizado profissionalmente na área da construção civil. Morava num apartamento confortável, no centro de São Paulo, onde tudo ali era como o dono, funcional e prático. A única coisa que destoava, era um vaso vermelho com um cacto florido, herança de uma antiga vizinha do prédio.

Naquele dia, sentia-se mais animado do que o habitual, pois tinha um projeto arquitetônico bem desafiador e levaria o dobro do tempo para colocar em prática, mas ele adorava desafios e mostraria para si que conseguiria cumprir dentro do prazo estipulado.

Estava olhando o céu através das enormes vidraças fumê, pensando em viajar assim que o projeto saísse do papel e começasse a criar vida nas mãos dos engenheiros, quando seu celular vibrou no bolso da calça.

― Alô? [...] Sim, Clóvis. [...] Já estou de saída, não me demoro, logo estarei no escritório. [...] Obrigado! ― Desligou, guardando o aparelho.

Ao sair do apartamento, percebeu que seu vizinho saía para o elevador, correndo até lá para ganhar tempo, aproveitando a carona. Cumprimentou-o polidamente, como era de hábito e clicou no botão que levaria até a garagem do prédio.

Foi pensando no quanto Clóvis o ajudava com quaisquer problemas que surgia no escritório de arquitetura. Desde material para mão de obra até papelada e alvarás. Fazia um ano que estavam namorando e ainda não tinha coragem de assumir aquele relacionamento. Se sentia inseguro em ter que dividir sua independência e seu mundo tão organizado com outra pessoa. Mesmo que fosse alguém que amava tanto.

Parou num posto de gasolina, como de praxe, desceu e foi até a conveniência para comprar uma água mineral. Pegou o celular, enquanto ia andando com passos largos, sem olhar para os lados, quando trombou com um homem franzino, maltrapilho, caindo de todo, espalhando algumas laranjas no chão.

― Perdão, senhor! Eu estava distraído, não vi o senhor! ― Disse o homem amedrontado, tentando juntar suas frutas.

― Eu que estava distraído e não vi o senhor. A culpa é toda minha. ― Disse, ajudando a recolher as laranjas. ― O senhor se machucou? Precisa de ajuda?

― Eu não posso parar! Obrigado! Eu preciso muito ir! ― O homem correu, atravessando a rua e desaparecendo na esquina.

Arthur ficou desconcertado, tentando recuperar a plácida calma, quando percebeu que o homem havia deixado para trás um pedaço de papel dobrado. O pegou e enfiou no bolso, pensando em ir atrás para devolvê-lo. Deu meia-volta, entrando no seu carro e indo na direção em que o pequeno homem dobrou. Seguiu até o final da rua, olhando para os dois lados, mas nenhuma pista dele.

― Mas que diabos... Onde aquele homenzinho foi parar? ― Manobrava pelas ruas e nem rastro do homem.

O celular vibrava constantemente, obrigando-o a estacionar e atender.

― Fala, Clóvis.

[― O que aconteceu? Você teve algum imprevisto?]

― Mais ou menos, amor. Resolve aí por mim que logo estarei no escritório, ok?

[― Aconteceu alguma coisa?]

― Nada demais. Depois eu explico. Até mais!

Desligou, jogando o celular no vão entre os bancos e voltando sua atenção para o papel no bolso do paletó, resolvendo abrir e ler. Poderia ter um endereço e assim, facilitar as coisas.

Ao ler, se surpreendeu. Parecia uma lista de instruções ao qual deveria cumprir, antes de chegar ao destino.

"Olá, você que está lendo. Quer chegar ao destino? Então siga as instruções ao "pé da letra". E tão logo chegará. Não tente pular as etapas, pois acabará voltando ao ponto de partida. Acredite. Sua vida irá mudar depois que no fim chegar. Etapa um: Compre frutas no mercado Silva. Segue o endereço abaixo. Compre como desejar, na quantidade que achar necessário e do jeito que quiser. Tens duas horas...A etapa dois estará nesse mercado. Boa sorte."

― Só pode ser pegadinha! ― Bufou, jogando o papel para dentro do porta-luvas.

Olhou o relógio, pensando que o pobre homem estava tentando cumprir tais tarefas e, poderia ser o sustento da família. Aquilo começou a pesar na consciência.

Pegou o papel, procurando a localização pelo GPS no celular e assim que achou, dirigiu até lá, sem perder tempo.

Não demorou muito para chegar ao local marcado. Pretendia comprar uma boa quantidade de frutas e ver qual seria a próxima parada. Ele tinha certeza que levaria até a residência do pobre homem e sua família.

Era uma fruteira simples, sem muitos recursos, mas os produtos eram todos bem frescos.

― Com licença, senhor? ― Disse, se aproximando do balcão, onde estava um senhor de bigodes largos e lábios finos.

― Opa! Que deseja, senhor?

― Por favor, eu vou querer um pouco de cada coisa.

― E o que é um pouco para o senhor? ― Perguntou o homem, confuso. ― Meio quilo? Um quilo?

Arthur nunca havia se preocupado com essas coisas, pois era o namorado que cuidava desses detalhes e ele nunca agradecia. Logo fariam dois anos juntos e Clóvis nunca reclamou de nada.

― Dois quilos. ― Respondeu, finalmente. ― Quero dois quilos de cada fruta, legume e verdura que o senhor tem aqui, por gentileza.

Alguns instantes depois e muitos pacotes fechados, Arthur tirou o papel do bolso, mostrando ao homem, perguntando se sabia onde poderia entregar tudo aquilo.

O homem de bigodes espessos olhou o bilhete anônimo e se agachou por detrás do balcão.

― O senhor mesmo é que deve entregar neste lugar. ― Alcançou um cartão simples e um endereço escrito em uma caligrafia perfeita.

Arthur colocou tudo com a ajuda do homem no porta-malas e dirigiu até o endereço. No meio do caminho, recebeu mais uma ligação do namorado, mas achou melhor não atender, sem antes entregar aquelas compras. Provavelmente estava indo para onde a família do homenzinho morava, já que era um bairro bem humilde.

Estacionou em frente a um casebre de madeira, onde não havia nenhum saneamento básico. Olhou para aquela casa, com sua estrutura quase caindo e sentiu uma pressão no peito.

― Minha nossa... Esta casa não vai suportar por muito tempo, a estrutura vai ceder logo. ― Murmurou.

Desceu, indo até a porteira de madeira já carcomida pelo tempo e um dia foi branca, hoje era um misto de cinza, de umidade, lascas de tinta branca encardida e musgo esverdeado, que tomava conta de toda a extensão. Bateu palmas e não demorou muito para vir uma senhora idosa de lenço multicolorido atendê-lo.

― Pronto?

― Minha senhora, tenho umas sacolas de frutas e legumes... ― Se sentia envergonhado de chegar do nada e acabar a ofendendo.

― Teria alguém para me ajudar a descarregar?

Ela olhou-o sem entender o que aquele rapaz bem-vestido queria em frente à sua casa, mas se era para ajudá-la, não iria questionar os motivos dele.

― O senhor aguenta um tantinho aí, tá?

Não demorou muito ela retornou com cinco crianças, de idades que variam entre 9 a 15 anos. Todas tinham feições semelhantes e o mesmo olhar perdido e sem vida. Arthur desviou o olhar, constrangido, mais por passar a vida reclamando da que levava, sem levar em conta como a maioria das pessoas batalhava para manterem-se vivas.

Foi até seu carro, abrindo o porta-malas e alcançando duas sacolas para cada uma das crianças, até que não restasse mais nenhuma. Fechou-o, indo até a velha senhora, emocionada com aquele gesto dele. 

― Me diga, senhora, essa casa é sua?

― Sim, senhor. É humilde, mas me pertence já há muitos anos. Meus netos moram comigo, juntamente com minhas duas filhas.  

A mulher sorria, orgulhosa, como se ter um teto fosse uma riqueza ímpar.

Arthur a encarava, compadecido com tudo que ouvira dela.

― Não tem nada pra mim? É que me pediram pra entregar estas coisas e... ― Encolheu os ombros, sem assunto. ― Olhe. Eu tenho este bilhete, que caiu do bolso de um homem e até pensei que ele estivesse aqui.

Ela pegou o bilhete, com cenho franzido e voltando a encará-lo. Desenrolou a manga da camiseta, tirando um cartão retangular e alcançando-o para ele.

― Me pediram pra entregar à pessoa que trouxesse este bilhete. Mas não sei de quem seja, não, moço.

― Obrigado, minha senhora. ― Agradeceu, pegando o cartão.

― Eu que agradeço pela sua bondade, moço. Que Deus o abençoe! ― Sorriu, com os olhos marejados. ― O senhor me dá licença, pra eu arrumar tudinho no armário.

Arthur se despediu, voltando para a estrada. Estacionou mais adiante e deixou-se chorar sem reservas. Não sabia porque, mas sentia que precisava.

Abriu o cartão, secando as lágrimas e ao ver o endereço, uma súbita surpresa encheu seu coração. Era o orfanato em que havia crescido.

― Mas o que é tudo isto, afinal? ─ Murmurou, se recompondo.

Olhou o relógio e faltava apenas quinze minutos do tempo restante. Ele não precisava da ajuda do GPS. Conhecia bem o caminho até lá.

Assim que estacionou em frente ao prédio rosa, soltou um longo suspiro. Muitas lembranças o arrebataram como ondas agitadas. Ficou admirando o prédio, com seu muro torneado em pilares brancos e paredes rosas. As roseiras-silvestres, com suas flores minúsculas, caíam por sobre o muro, dando um ar vitoriano e dava para se ver os abacateiros.

E assim, o tempo o arrastou para a época em que escalava os galhos fortes para pegar as frutas maduras e ver o mundo do lado de fora.

Desceu, decidido a entender o que era tudo aquilo. Enfiou a mão no bolso da calça, sentindo a textura do papel amassado nos dedos e seguiu em frente. Subiu os degraus estreitos e tocou a campainha. O tempo, de fato, estacionou naquele lugar.

Não demorou muito e a porta se abriu em uma fresta suficiente para a pessoa poder ver quem estava à porta sem se mostrar muito.

― Pois não?

Foi só então que percebeu. Era o mesmo homem que havia esbarrado há duas horas.

― Acho que este bilhete é seu. Estou há horas fazendo o que senhor deveria ter feito. ― Disse, alcançando o vincado papel pelo vão da porta.

O homenzinho pegou, lendo em seguida. Sua feição era de total perplexidade.

― Este papel não é meu. ― Devolveu-o. ― Mas eu me lembro do senhor, sim. Este bilhete sempre foi seu. ― Sorriu enigmático.

O homem magro escancarou um pouco mais, deixando que Arthur pudesse ver o interior. O cheiro de linóleo e incenso invadiu as narinas do rapaz.

― Entre, por gentileza. ― Sorriu. ― Não consegui agradecer pela gentileza de juntar minhas laranjas. Às vezes estamos com tanta pressa, que esquecemos as coisas mais simples da vida. Sempre correndo, sem olhar o mundo ao nosso redor e nem as pessoas que surgem bem na nossa frente e, simplesmente, elas somem! ― Disse, erguendo as sobrancelhas, com um sorriso leve nos lábios.

― Eu cresci aqui... ― Olhou a sua volta. ― E você tem razão. Eu mesmo estou sempre tão ocupado, que acabo trombando com a vida e, de repente, ela passa e eu tento correr atrás, querendo compensar...

― Veja bem, você nem percebeu o quanto ajudou até chegar aqui, rapaz. Poderia ter jogado o papel no lixo e seguir sua vida, mas, por algum motivo em especial, cumpriu com o que havia ali. Seu coração é bom e o bilhete era exatamente para você.

― Obrigado por me deixar entrar. Ainda é um orfanato?

― Ainda é, sim. Custeado pela igreja. Quer ver o jardim?

Os dois seguiram em frente e algum tempo depois, Arthur se despediu e foi para seu carro. Pensou em tudo que lhe aconteceu durante aquelas duas horas, ainda surpreendido.

Sentiu falta do namorado. Pensou em dividir um projeto especial com ele e decidiu ligar:

― Clóvis? Está ocupado agora?

[― Não. Eu já fiz metade do que planejamos. O que está acontecendo, amor?]

― Vá me encontrar nesse endereço que vou te mandar por mensagem, querido. Estarei lá, te esperando. Beijo!

Desligou o telefone, sorrindo ao imaginar a expressão surpresa de seu companheiro ao descobrir que ele não só iria pedi-lo em casamento, mas também que, juntos, reformariam a casa da senhora idosa, transformando-a num lar acolhedor para sua nova família.

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(2016 palavras)

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