4. Onde elas cavalgam
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Eleanor adorava correr. Seja andando a pé, de carroça ou a cavalo. Desde pequena foi assim.
Ela ainda lembrava da sensação libertadora que era correr pela floresta, com os outros nativos e amigos dos seus pais. De todas as garotas da vila em que moravam, ela era a única que podia caçar. Talvez por perceberem que a sua habilidade com a flecha era muito melhor do que com as plantações. Ellie simplesmente não suportava as aulas sobre agricultura e jardinagem que recebia da sua mãe, para que ela enfim se encaixasse com as outras índias.
Enquanto corria pelos vastos campos com seus amigos, gargalhando e gritando, sentia a brisa acariciando seus longos cabelos e a adrenalina do galope percorrer suas veias. Corria atrás dos búfalos, afastando e então unindo os bandos para que ela e os outros conseguissem carne o suficiente para toda a tribo.
Depois que foi adotada por Amélia, Ellie teve bastante dificuldade em abandonar esse modo de vida, e principalmente em usar uma maior quantidade de roupa. O idioma só não foi um problema maior porque o seu pai lhe ensinava inglês as vezes, escondido dos outros nativos. Talvez por isso que ela mesmo depois de tanto esforço ainda insistia em usar calças com mais frequência do que vestidos.
E talvez por isso ela continuasse a amar tanto correr a cavalo. Por essa razão, podia não ser uma das professoras mais pacientes.
Assim que chegaram ao estábulo, percebeu que Melanie de fato estava insegura. Foi então que um dos cavalos relinchou, e a garota levou um susto tão grande que pulou e soltou um grito.
Foi então que olhou para Ellie, de cara feia.
- Não ouse rir de mim.
- Nunca ousaria- ela diz, mas não conseguiu controlar e soltou uma fungada.
Com o orgulho ferido, Mel a seguiu com a postura ereta até os animais nos quais montariam. Ellie acariciou seu maior companheira, Trovoada, uma linda égua negra. E então apontou para uma égua branca, ao lado da sua.
- Essa é a Snow- explicou- É uma das éguas mais mansas que eu já conheci, então não precisa se preocupar. Montando nela eu tenho certeza que aprenderá a cavalgar em questão de minutos.
- Assim espero- murmurou ela nervosa, e Ellie se esforçou para não rir novamente ao ver a prima encarando a égua, parecendo intimidada- Olá, Snow... Espero que sejamos amigas e que você não me jogue por cima de nenhum cerca. Ou que não me jogue de qualquer lugar na verdade. Tenho péssimas experiências com montarias.
Para surpresa de Mel, a égua relinchou baixo e esticou o focinho, aproximando-se dela.
- Está vendo? Ela gostou de você!- Ellie diz alegre, assistindo Melanie rir enquanto acariciava Snow de maneira hesitante- Você é uma encantadora de cavalos, pelo que vejo.
- Ha, sei- ela fala com ironia, e então olha hesitante para a égua branca a sua frente- Ham... O que eu faço agora mesmo?
- Você não sabe montar?
- Bem, digamos que o porco que eu montei com 8 anos não era assim tão alto.
Ellie sorri, lembrando-se da história.
- Tudo bem, deixe-me ajudar...
Melanie sente a respiração quente de Eleanor acariciar sua nuca, e todo o seu corpo parece pegar fogo. A prima, que era uns bons 20 cm mais alta que ela, apoia ambas as mãos em sua cintura, a segurando por trás.
O coração dela parece tremer, e o sangue corre mais rápido enquanto ela tenta processar o que diabos estava acontecendo.
- O-o que está fazendo?- pergunta, tentando disfarçar o nervosismo em sua voz mas falhando miseravelmente.
- Estou lhe ajudando— Eleanor franze as sobrancelhas— Não há outro meio de fazer isso se não a levantando.
- M-mas...
Antes que pudesse protestar, os braços firmes dela a levantam. Ela era surpreendemente forte.
Mel então estica uma das pernas e finalmente monta em Snow. Quando olha para Ellie abaixo, vê que está ofegante, e sente o rosto esquentar.
- E-eu sou assim tão pesada?
- Bem...- a prima diz, desviando o olhar.
- Ora sua cretina! Eu andei fazendo uma dieta rigorosa estes últimos dias.
Eleanor ri.
- Estou brincando, pequena- E então ela anda até Trovoada, montando no animal com habilidade e então olhando para Mel novamente- Mas fiquei curiosa agora, no que consiste essa dieta?
- Eu deixei de comer carnes vermelhas há cerca de um ano. Substitui os nutrientes presentes nela por vegetais e outros alimentos.
- Hum...- Ela sente o olhar de Eleanor a analisando, de cima para baixo e de maneira nem um pouco indiscreta.
- O que foi? Parece tão seria de repente- diz, rindo de nervoso.
- Nada, é só que...- Pode ter sido só impressão, mas Mel notou que hesitava em falar - Acho que a senhorita já está linda desse jeito.
- Ah.
Ela sabia que deveria agradecer. Sabia que deveria reagir da maneira que fazia em todos aqueles bailes em Londres: sorrir ou piscar os olhos de maneira inocente por cima do leque. Mas pela primeira vez, ela se sentiu completamente desarmada diante de um elogio. Então "ah" foi tudo o que conseguiu pronunciar, enquanto Ellie ainda parecia sem graça por ter dito aquilo e a guiava até o lado de fora.
Mas momentos depois a sua prima pareceu relaxar, e adotar novamente a sua postura radiante e confiante, mostrando-lhe um sorriso encorajador.
- Tudo bem, agora tudo o que precisa fazer, basicamente, e guiar o animal com a rédea. O lado que você puxar corresponderá ao mesmo lado para qual quer virar. Se desejar parar, é só puxar para si- instrui, fazendo os movimentos na redea de acordo ao que ensinava. Melanie a imitou- Muito bem! Agora... podemos começar andando a passo um pouco. Para você se acostumar e ganhar confiança na Snow.
E então, elas andaram juntas pelos campos da vasta propriedade de Amélia. Um silêncio surpreendentemente confortável permeava entre as duas. Melanie não deixou de notar a maneira relaxada com que a sua prima montava.
- E então, o que está achando? Acha que já está pronta para acelerar?
- Não sei... A ultima vez que disse sim para essa pergunta, enquanto havia inventado de andar a cavalo com a minha amiga Mary, as coisas não deram muito certo.
Ellie ri.
- Imagino que tenha levado um destino semelhante ao do porco.
- Sim.
- Bem, não precisa se envergonhar ou se preocupar... Quando eu morei em uma tribo de nativos por um tempo, tive que cair do cavalo umas 10 vezes para me acostumar.
- Dez vezes?!
- Sim- Ellie força um sorriso- Foi bastante doloroso, mas modéstia à parte, depois disso me tornei uma grande cavaleira.
- Então acho que não preciso me preocupar, estando aos cuidados de uma cavaleira tão habilidosa- Melanie diz, com claro tom de implicância. Ellie a olha fingindo indignação.
- Se eu não estivesse na obrigação de lhe ensinar, juro que a derrubaria agora mesmo.
. . .
A tarde transcorreu tranquilamente. Eleanor levou Melanie até os limites dos campos de sua avó, e ela ficou sem fôlego, admirando toda a beleza e tranquilidade do lugar. Nunca, em toda a sua vida, ela se lembrava de ter se sentido tão em paz como naquele momento, envolta pela natureza e pelo canto dos pássaros.
Sua mão formigava a todo momento, com vontade de pintar as paisagens lindas que via.
Por isso, assim que elas voltaram para a casa de Amélia, Mel se despediu apressadamente de Eleanor.
- Eu já volto! Irei buscar uma coisa.
A prima a esperou, até que descesse a escada com um quadro que trouxera em uma maleta separada e seu enorme conjunto de pincéis e tintas.
- Uau- comentou Eleanor, de fato impressionada. Estava sentada no poltrona em frente a lareira, com as pernas cruzadas e os cabelos cacheados bagunçados pelo vento, mas que Mel ainda assim os achava encantadores- Não sabia que você pintava.
- Eu não sou me consideraria uma artista, mas gosto de pintar desde que me conheço por gente. Digamos que não passa de um bom hobby...
E dizendo isso, ela começou a pintar. Não teve a menor dó de gastar quase toda a sua tinta verde, pintando as paisagem rurais e belas de da residência Wright. Notou que Eleanor a olhava com intensidade, analisando seu trabalho.
Já havia feito um bom progresso, Quando Hariet as chamou para jantar.
- Já estamos indo!- Diz Ellie, e então se vira para Melanie- Garota, você está errada quando disse que não é uma artista.
- Não seja boba, eu nem terminei...
- Mas já está lindo. Só pela maneira com que pinta, e pela cara que faz quando fica concentrada... Consigo perceber que leva jeito para a coisa.
- Você é estranha, Eleanor- diz Melanie, mas com divertimento na voz- Me parece que tende a me elogiar o tempo inteiro.
- B-bem... não é como se eu estivesse mentindo- murmura, envergonhada.
Melanie ri novamente, sentindo algo quente em seu peito.
. . .
Se passaram algumas semanas, nas quais todas as tardes Eleanor a ensinava a cavalgar. Melanie sentia que de fato estava pegando um jeito, mas foi justamente quando a época de chuva começou.
- Isso vai durar para sempre?- lamentou-se ela, assim que acabara de acordar e descia pelas escadas, observando os pingos escorrendo pelas janelas do amplo salão da casa.
- A época de chuva dura cerca de 12 dias, mas não se preocupa, irá passar rápido- diz Hariet, enquanto colocava a mesa.
- Céus, Hariet, como você conseguiu me ouvir de tão longe?
Leonard aparece, e pela umidade de suas roupas estava no lado de fora. Começou a arrumar a parte de baixo do terno enquanto falava.
- É uma habilidade comum de fuxiqueiras, elas estão a todo momento tentando ouvir através das paredes.
- Ora cale a boca, seu mordomo intrometido- reclama Hariet com as bochechas vermelhas, dando um tapinha indignado no ombro dele.
- Bem, não estou mentindo. A Hariet merece o prêmio de maior fofoqueira.
- Não seja incoviniente! Eu não sou fofoqueira, apenas gosto de compartilhar os acontecimentos mais importantes com os outros. Por isso falei sobre a vinda do senhor Lenned...
- Senhor Lenned?- Melanie se aproxima, curiosa- Quem é ele?
Leonard olha para Hariet, com uma expressão que dizia "Não falei?", mas a governanta revira os olhos para ele e começa a explicar para ela animada:
- O senhor Lenned é um cavalheiro maravilhoso. Parece-me que ele e a senhorita Moore são amigos de longa data, e estão trabalhando juntos em algumas escavações. O jovem irá nos fazer uma visita está tarde, e talvez até fique aqui por alguns dias. Eu não duvido, já que a senhorita Wright parece gostar bastante dele, e é muito raro ela gostar de alguém, então...- Hariet se interrompe, com as bochechas coradas- Acho que estou falando demais.
Leonard franze as sobrancelhas.
- Não me diga.
Melanie solta uma risadinha nervosa.
- Fico agradecida por me avisar, Hariet... Irei vestir algo mais apresentável.
- Ora, mas a senhorita já está tão adorável com este vestido! Laranja cai muito bem com a senhorita. Combina com seus olhos.
Mel sorri sem graça.
- Obrigada, mas mesmo assim irei me trocar. Tinha o costume de fazer isso na Inglaterra.
Mas exatamente no momento em que ela diz isso, os três ouvem batidas na porta.
- Ah, deve ser ele- diz Leonard, andando até a porta.
Melanie é tomada pelo nervosismo, percebendo que não haveria tempo de correr para cima e se vestir com algo mais formal sem que fosse vista.
Então se perguntou como seria o amigo de Eleanor. Seria o senhor Lenned uma pessoa tão divertida e alegre quanto ela?
Suas perguntas foram praticamente respondidas assim que Leonard abriu a porta, e o rapaz assobiou.
- Leonard, meu rapaz, é impressão minha ou você está mais alto a cada vez que o vejo? Isso fere bastante o meu orgulho, sabia? Não é fácil ser um homem baixo.
- É um prazer ver o senhor também, senhor Lenned.
- Sim, é um prazer- ele diz, dando tapinhas no ombro do mordomo.
Assim que Leonard sai de sua frente, Melanie percebe que o o senhor Lenned era um jovem atraente. Tinha cabelos loiros e rebeldes, olhos intensamente azuis e um sorriso charmoso, que lhe foi lançado assim que ele a viu.
- Presumo que seja aa senhorita Watson, prima de minha adorada amiga- ele diz com uma voz galante, indo até Melanie e beijando-lhe a mão- Estou certo?
Melanie força uma risadinha, como sempre fazia quando os rapazes lhe flertavam.
- Sim. E você é o senhor Lenned, não é?
- O próprio. Encantado em conhece-la.
- Digo o mesmo, senhor Lenned.
- Pode me chamar de Thomas, se quiser, não me importo...
Mas antes que terminasse de falar, uma Eleanor empolgada aparece, correndo até ele e o abraçando com força.
- Uau, nunca pensei que teria uma recepção tão empolgada- ele comenta, rindo.
- Não vá se acostumando- Eleanor diz quando se separam, com um sorriso malicioso- E deixe-me adivinhar, mal chegou e já está se jogando para a minha prima.
- Sinto muito, não pude evitar- ele diz com um sorriso travesso, parecendo sentir tudo menos culpa- Ela é encantadora.
- Bem, é melhor desistir. Ela é areia demais para o seu caminhão.
- E por acaso ela seria demais para o SEU?
- Perdão?- Melanie se pronuncia, sem entender o que Thomas acabara de dizer.
- Não é nada!- exclama Eleanor, e então ela da uma cotovelada na barriga do rapaz, fazendo ele se contrair e soltar um gemido de dor- Ele só está falando besteira, como sempre. Thomas sabe bem como ser um babaca as vezes, não é?- Ela pergunta, com uma raiva contida e os dentes cerrados.
- Sim, um completo babaca- concorda, ainda com as mãos na barriga.
Melanie transita o olhar de um para o outro, sem ter certeza se estava entendo o que diziam. Talvez fosse alguma piada interna, ou talvez uma expressão de escavação?
- Enfim, por que você não vamos sair hoje? Não suporto mais ficar enclausurada neste lugar- sugere ela timidamente, no fundo desesperada para fazer alguma coisa que não fosse ler o dia inteiro.
- É uma ótima ideia, pequena- Ellie sorri, e então se vira para Thomas- Acha que a taverna do Gustav estará aberta essa noite?
. . .
Esse foi o capítulooo, espero que tenham gostado <33
Até a próxima ^^
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