20. Onde Eleanor diz adeus
❈
- Como ousa?!
Essa é a primeira coisa que Melanie ouve naquela manhã, assim que entra na sala de estar e vê uma Eleanor furiosa em frente a sua avó, que agora a olhava com uma das sobrancelhas arqueadas, sentada em uma poltrona.
- Será que poderia abaixar um pouco o seu tom e se acalmar, por favor?
- Não vou abaixar tom nenhum! E eu tenho TODO o direito de ficar zangada com a senhora, que nunca pensou em sequer me contar o que o meu avô fez!
Melanie não estava entendendo absolutamente nada, mas percebeu que sua avó sim, ao ver a expressão de completo choque em seu rosto.
E ela só ficou parada estupidamente no meio da sala, ouvindo a discussão mesmo sabendo que provavelmente estava sendo intrometida.
- O que exatamente acha que o seu avô fez?
- A senhora sabe MUITO bem! Ele traiu o seu reino, traiu a família, se tornou um espião...
Amélia suspirou, e tomou um pequeno gole da xícara de chá que estava sobre o pires em seu colo.
- Está agindo feito uma criança escandalosa. Não há porquê ficar tão irritada com algo que já está no passado.
- A senhora não tem o direito de falar isso! Não quando ficou com raiva do meu avô por tanto tempo, e se recusou até mesmo a vê-lo uma última vez antes de morrer- gritou, com os olhos ficando umidos- A minha mãe praticamente implorou para que fosse, mas você simplesmente a ignorou, como se não fosse nada!
- Está errada- disse Amélia, mas com certa incerteza e nervosismo na voz.
- Estou? Pois então porque não cuidou da minha mãe quando ela ficou órfã, como fez comigo? Estava imersa demais no seu próprio ódio para se importar?
- Você não pode falar do que não sabe, Eleanor Moore!
- Por que a senhora não me chama pelo meu nome verdadeiro: Eleanor AMÉLIA Moore? Por acaso se sentiu culpada demais para oficializá-lo nos meus documentos? A culpa corroeu o seu coração frio, depois que você deixou duas pessoas da sua própria família morrerem sem levantar sequer um dedo para tentar ajudá-las?
Ao ouvir isso, Amélia se levantou abruptamente.
- E o que eu poderia fazer por eles, seu avô e sua mãe? Queria que eu acolhesse Norman em minha casa, depois de sua traição, para que eu logo fosse deserdada também? Ou queria que eu impedisse a sua mãe de lutar contra aquela causa estúpida dos selvagens?
- NÃO FOI UMA CAUSA ESTÚPIDA!
- Pois para mim é uma causa estúpida quando lutamos por algo mesmo sabendo que nunca iremos vencer.
- Você é um monstro!
- ELLIE!- Gritou Melanie, indo até ela e apoiando as mãos em seus ombros.
Olhou para a sua avó, que parecia transtornada ao ser chamada daquela maneira, e então para Eleanor, que encarava o chão fixamente, e as lágrimas saiam de seus olhos castanhos sem parar.
- Ellie- repetiu, dessa vez suavemente- Eu... Não sei o que está acontecendo, mas por favor, você precisa se acalmar... Precisa deixar que a minha avó se explique...
- Você só está dizendo isso porque ela é sua avó, e você é a maldita filha do filho dela.
Melanie deu um passo para trás, assustada.
- Por que está falando assim comigo? Eu estou tentando ajudá-la!
Eleanor revira os olhos.
- Não acho que você seja de muito ajuda nesse momento, princesinha- disse com amargura- Então pode se retirar.
- Pois eu...!- Mel começou a falar, irritada, mas Amélia as interrompeu com uma voz séria e determinada.
- ELEANOR! MELANIE! SENTEM-SE AGORA.
As duas a olharam, surpresas, e contrariadas obedeceram, sentando-se no sofá mas nos lugares mais afastados possíveis uma da outra. Então, Amélia suspira, e começa a falar.
- Há quase 50 anos atrás, eu estava comemorando o fato de que eu iria me mudar para cá e poder ficar mais perto do meu marido enquanto ele lutava na guerra. Ele lutava ao lado do meu irmão, e os dois eram capitães, respeitados por todos do exército, além de serem melhores amigos. Mas quando o meu George morreu, senti como se parte de mim tivesse partido junto a ele. E como se não tivesse como piorar, meu irmão Norman foi julgado como desaparecido pelo exército. Mas então, anos depois, eu descobri que ele não havia desaparecido, e sim FUGIDO...- Amélia suspira, com a respiração trêmula, e Mel repara nos seus olhos ficando umidos- A questão, é que Norman participou da mesma batalha na qual George morreu, mas no lado oposto. Ele era um espião dos americanos há mais de dois anos, mas de certa forma, ver o seu amigo sendo morto fez com que ele fosse possuído pela culpa e decidiu fugir. Só descobri a verdade anos depois, e na época fiquei com raiva demais para sequer deixá-lo se explicar. Sem pensar, enviei uma carta ao meu pai, que assim que soube o ocorrido deserdou meu irmão e se recusou a dar-lhe uma herança. Norman ficou na miséria, mas mesmo assim foi feliz. Se casou e teve uma filha.
"Michael foi tirado de mim quando completou 16 anos, e eu vivi sozinha nessa casa durante muito tempo, imersa na infelicidade. Foi o período mais escuro da minha vida. Eu acordava todos os dias pensando que não tinha um motivo para viver. Queria poder dormir para sempre, sonhando com um mundo onde George não morria e Michael ainda estivesse comigo. Tempo depois, porém, recebi uma carta de uma garota. Era filha de Norman, Elizabeth, e na carta ela me implorava para visitar ela e meu irmão que não passava bem de saúde. Pediu para que eu esquecesse de todo o ódio que sentia, e eu o fiz. Esqueci. E fui visitar Norman, lembrando no caminho de quando não passávamos de duas crianças ingênuas e teimosas, que só queriam se divertir e brincar. Quando cheguei em sua casa, já estava muito animada para vê-lo e relembrar com ele todos esses momentos maravilhosos, quando Elizabeth me recebeu e disse que eu havia chegado tarde, que ele já tinha morrido".
- Vovó...- Melanie sussurra, com as lágrimas já escorrendo de seus olhos. Estendeu a mão e segurou a dela. Amelia pareceu surpresa com o contato repetindo, mas então apertou a mão da neta de volta e continuo a falar.
- Fiquei tantos anos me lamentando, odiando o meu irmão. Fui egoísta. Eu poderia ter simplesmente o perdoado, poderia tê-lo ajudado a superar a morte da esposa e a cuidar de Elizabeth. Mas não fiz isso e me senti horrível. Um monstro, como Eleanor fez questão de me lembrar- diz, mas Eleanor não demonstra reação, apenas continua a encará-la séria- Tentei recompensar, convidando a garota a morar comigo, mas ela apenas sorriu e recusou com educação, dizendo que já tinha onde ficar. Depois disso fui condenada há mais 14 anos de solidão, até ela me enviar outra carta.
- Pedindo para que a senhora ficasse comigo, porque ela tinha medo- interrompeu Ellie- Minha mãe disse que estava com medo que o governo arrumasse alguma forma de matar ela e o papai e fazer com que parecesse um simples acidente- então ela levantou a voz, sendo novamente dominada pela raiva- Foi essa a verdadeira causa da morte deles, não foi? Eles foram assassinados.
- Eu não posso lhe afirmar com certeza, mas... sim, eu temo que tenha sido o caso.
- FILHOS DA PUTA- Grita Eleanor, chorando e soluçando. Ela se levanta agressivamente, e afunda as mãos no cabelo, descontroladamente- Eles mataram os meus pais! Simplesmente porque eles eram contra a porra de um suicídio!
- Sinto muito que tenha descoberto isso dessa maneira, Eleanor, eu pretendia contá-la...
- QUANDO?- Chorou, as mãos escondendo o rosto- Quando a senhora estivesse prestes a morrer? Porque pelo que parece você tende bastante a fazer as coisas quando já é tarde demais.
- Ellie!- repreende Melanie, também se levantando.
Eleanor bufa com raiva.
- Você não tem o direito de se intrometer nessa conversa, Melanie. Sei que é difícil perceber isso, já está acostumada com as coisas sendo sempre sobre VOCÊ.
- Do que diabos você está falando?! Eu nunca fui assim! É você quem está completamente descontrolada e querendo descontar isso como se a culpa fosse de todo mundo, e não eu!
- PORQUE É, MELANIE! A culpa é de todas essas pessoas egoístas e preconceituosas, que roubam, assassinam e enganam sem sofrer com as consequências! E você faz parte disso!- Gritou ela, apontando para Mel.
- Eleanor, vá agora para o seu quarto- ordena Amélia com a voz controlada.
- Você não é a minha mãe! Não tem o direito de me mandar fazer nada- Exclama, furiosa.
- Senhorita Watson- fala Leonard, entrando discretamente, com uma voz neutra- Irei levá-la aos seus aposentos.
Ellie o olha, embasbacada, e então para cada uma das outras pessoas presentes. Até mesmo Hariet havia aparecido, e a olhava com receio,
Ellie o olha, embasbacada, e então para cada uma das outras pessoas presentes. Até mesmo Hariet havia aparecido, e a olhava com receio, como se ela tivesse virado algum tipo de criatura abominável.
Então, percebendo que não receberia apoio, bufou e subiu as escadas.
. . .
Mas assim que ela entrou no quarto, a porta foi aberta novamente e Melanie apareceu.
- O que você quis dizer?!
- Melanie, por favor, eu só quero ficar sozinha...
- O que você quis dizer quando falou que "Eu fazia parte disso", do grupo de pessoas que você disse serem ladrões, assassinos e preconceituosos?!
- Eu não estou com paciência para brigar com você- Eleanor falou, séria.
- Pois você parecia bastante disposta há um segundo atrás- disse, cruzando os braços.
- Ah, é? Se quer tanto saber, minha querida- começou, com sarcasmo- Você faz parte disso porque é a filha mimada de um maldito Visconde, um aristocrata, criado praticamente para roubar o dinheiro dos pobres através de impostos, e apoiando a opinião de que os ingleses são superiores a qualquer outro grupo.
- Você está chamando o meu pai de ladrão? E isso mesmo o que estou ouvindo?
- E se eu estiver? Não é como se fosse muito difícil de ser verdade.
- VOCÊ É UMA IDIOTA!- Melanie ri amargamente, colocando a mão na testa e a olhando incrédula- Eu não consigo acreditar que realmente estava me apaixonando por você, pelo amor de deus!
- Pois é. Eu também estava prestes a cometer o mesmo erro.
O cômodo fica em completo silêncio, e Ellie vê Melanie boquiaberta. Logo é corroída pela culpa, percebendo o que havia falado.
- Mel, eu não...
- Você se acha tão perfeita, Eleanor Moore...- Melanie sorri com frieza, os olhos úmidos- Acha que só porque teve uma história triste é melhor do que todo mundo, ou que os seus sentimentos importam mais. Mas aqui está: isso não é verdade. E o mais estúpido de tudo, é que você acha que irá ser mais forte ou respeitada por ser máscula ou rejeitar os costumes da sociedade... Mas a verdade é que só faz isso porque não consegue se encaixar. E isso é por culpa sua, mas você insiste em culpar todo o resto. Você chegou a me fazer sentir culpada, diversas vezes, por gostar de vestidos ou de bailes, mas agora estou percebendo que não há motivo nenhum para me sentir assim. Só porque você não se sente bem fazendo certas coisas não significa que eu precise ser do mesmo jeito. Defende que a diferença deve ser respeitada, mas você não tolera quem tem uma opinião diferente da sua, Eleanor. Você é egoísta.
- EU não tolero? EU vivo rodeada de pessoas que pensam diferente de mim, Melanie, e não reclamo por causa disso.
- Você reclama sim, mesmo sem perceber. A maneira que você age, as calças que você usa, tudo isso é uma reclamação. É como se você estivesse querendo avisar para o mundo inteiro que desaprova o modo de vida das pessoas, se recusando a ser "normal".
- Eu não acredito como você pode ser tão hipócrita! Era você que estava revelando semanas atrás que não se encaixava, que não queria agir como uma dama. Você quem sempre quis ser diferente, não eu. E tudo isso não passa de uma crise de garotinha mimada que quer se rebelar contra o pai antes de receber toda a sua fortuna. Enquanto isso, quer ser "diferente", fazer coisas que damas "comuns" nunca fizeram. Exatamente por esse motivo que você fica comigo!
- Mas é claro que não! Eu fico com você porque eu gosto de você, Ellie!
Eleanor ri, amarga, e então, sem conseguir controlar, começa a chorar.
- Quer mesmo que eu acredito nisso? Você acha que eu sou idiota?! Acha que não sei que eu não passo de um brinquedo que você irá jogar fora assim que voltar para a Inglaterra e se casar com algum Duque rico? Você é como todas as outras mulheres que eu já conheci. Elas me dão esperança, me fazem pensar que talvez pela primeira vez na vida eu possa ser amada de verdade, e então me descartam na noite seguinte depois que transamos.
- Espera...- Melanie a olha chocada e encaixando as peças- Então é por isso que você não queria dormir comigo... Não porque estava esperando para quando eu estivesse pronta, mas porque achava que eu iria descartá-la logo depois.
- E você faria exatamente isso.
- Pare com isso, Eleanor! Você sabe muito bem que não é verdade! Eu te...
- Eu vou parar, Melanie. Não se preocupe- Interrompe ela, assentindo a cabeça freneticamente e então pegando o seu casaco pendurado na porta. Então a abre, e fala antes de sair- Vou parar de perturbá-la. Pode deixar que se depender de mim, não irei mais me intrometer na sua vidinha maravilhosa e perfeita. Até nunca mais.
E dizendo isso, ela fecha a porta em um estrondo, deixando Melanie sozinha e sem chão.
. . .
Nada como um pouco de drama, né? Rsrs
Me desculpem -como sempre- por qualquer erro, ok xuxus?
Espero que tenham gostado do capítulo, e me perdoem pela demora, o bloqueio criativo não está colaborando muito sabe kkkk (porque por mais que eu tenha escrito essa história bem antes, estou fazendo algumas alterações mas simplesmente não fico satisfeita com o que escrevo... Acontece né).
Enfim, vejo vocês na próxima :)
Arrevoir, my belovedis 💖
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top