2. Onde elas se conhecem

Depois de uma longa viagem de trem na qual Eleanor teve o desprazer de sentar ao lado de um senhor que roncou ruidosamente durante todo o caminho, ela finalmente chegou em casa.

Assim que pisou em frente a propriedade de Amelia Wright, suspirou profundamente o ar puro e prazeroso do campo.

- Lar doce lar.

E então foi até a porta, batendo algumas vezes até ver o rosto familiar e simpático do mordomo de sua guardiã.

- Olá, Leonard, como tem estado?- ela pergunta, lhe lançando um abraço apertado. O homem recebe o gesto de maneira surpresa, dando leves batidas em suas costas e sorrindo sem graça.

- Estive ótimo, e a senhorita? Teve um bom trabalho?

- Ótimo, na verdade- ela sorri misteriosa- Mais tarde posso mostrar a todos, ousei trazer algumas peças que escavei em minha mochila.

Leonard franze a testa, a encarando com um olhar desaprovador.

- Isso não seria um crime, senhorita Moore?

- Não se ninguém me relatar para as autoridades- ela diz de maneira brincalhona, finalmente entrando na residência.

A sala estava completamente vazia, até que ela vê a famosa cesta de biscoitos disposta na mesa de jantar, e não demora para uma Hariet empolgada aparecer.

- Senhorita Moore! Teve uma boa viagem?

- Na verdade não. Mas toda viagem vale a pena quando se é recebida com seu biscoitos deliciosos, Hariet.

Hariett solta uma risadinha constrangida, e então parece lembrar de algo.

- Oh, por sinal, tem alguém que está ansiosa para conhecê-la.

- Ah, jura?- Pergunta Eleanor, fingindo estar surpresa quando na verdade sabia perfeitamente de quem se tratava.

- Sim. Vou chamar a senhorita Watson, só um momento.

E então ela subiu as escadas apressadamente.

Eleanor foi até a poltrona descansar, sentindo as costas doloridas.

- Céus- gemeu ela, sentindo dor- Mal completei 30 anos e já estou me sentindo uma idosa.

E então, ela levantou a cabeça.

Prendeu o ar.

Sua tão famosa prima inglesa descia as escadas, com as mãos segurando o vestido para evitar cair.

A garota a olhava fixamente, com os olhos arregalados por alguma razão. Olhos estes que eram claros, mas Eleanor não consegui identificar exatamente a cor naquela distância.

A mulher se levantou rapidamente, e pigarreou, indo até Melanie.

- É um prazer conhecê-la, srta Watson. Ouvi muito falar de você. Devo dizer que mal a conheço, mas a admiro somente sabendo o motivo para ter sido enviada para cá- Diz Eleanor, estendendo a mão e sorrindo de orelha a orelha.

Céus, como é pequena! Pensou ela, segurando uma risadinha ao comparar seus tamanhos.

. . .


Há alguns minutos Melanie se encontrava em seu novo quarto, chorando de maneira deplorável em sua cama e se lamentando por estar tão longe de casa. Então, sua tristeza foi substituída por raiva, e em vez de trocar de roupa ela começou a jogar os vestidos pelo quarto com agressividade, xingando mentalmente Louis por tê-la beijado contra sua vontade e seu pai por sequer ter lhe dado a chance de se explicar.

Até que Hariet bateu em sua porta e disse "Eleanor Moore chegou, srta Watson, venha conhecê-la". E Melanie bufou, toda a curiosidade que antes sentia pela escavadora havia evaporado durante sua crise. "E por que eu deveria me importar? Ela não passa de uma mulher independente e que, ao contrário de mim, tem completo controle sobre seu futuro". E esse pensamento só a deixou ainda mais furiosa.

Porém, Hariet bateu novamente em sua porta. "Srta Watson, você irá descer? Fiz mais biscoitos" e isso foi o suficiente para ela dar o braço a torcer e sair daquele bendito quarto.

E, quando viu Eleanor pela primeira vez enquanto descia as escadas, Melanie prendeu o ar.

Ela era arrebatadoramente bela.

Seus cachos ruivos desciam suavemente pelos ombros, que estavam nus — algo bastante inapropriado na sociedade inglesa— e ela percebeu várias sardas espalhadas pela região. Os olhos eram castanhos e tinham um brilho sagaz e atraente, enquanto o corpo... bem, digamos que ela se encaixaria perfeitamente no que um homem desejava em uma esposa.

Um homem, apenas.

É claro.

Melanie tossiu, envergonhada. Seu coração batia rapidamente, talvez por conta do nervosismo em conhece-la? Ou pela ansiedade? Não sabia dizer.

Por alguma razão, ela não estava mais com tanta raiva.

- Eu também ouvi muito de você, Eleanor- ela diz com um sorriso amarelo e sem graça- E já a admiro muito também. Quer dizer, uma mulher trabalhando! Nunca pensei em toda a minha vida que ouviria algo assim...

Eleanor ri.

- Bem, não é nada demais, acredite. As vezes eu fico tão exausta que tenho vontade de desistir e dormir o dia inteiro.

- Mas você persiste, e isso sim deve ser um motivo para admiração.

Eleanor a encara por longos segundos, forçando novamente Melanie a desviar os olhos dos dela, constrangida.

- Bem- ela ouve Eleanor pigarrear- Eu me sinto honrada em ser objeto de sua admiração... Digo- Suas bochechas ficam levemente vermelhas- Talvez eu tenha me expressado mal, mas a senhorita entendeu.

Melanie lhe lançou um sorriso não mais tão forçado, e se segurou para não rir.

- Sim, entendi.

Eleanor parece relaxar com seu tom, e volta a assumir uma postura radiante.

- Sinto que nos daremos muito bem. Aliás, gostaria que me contasse tudo sobre a Inglaterra. Amélia, mesmo sendo de poucas palavras, já me contou coisas fantásticas. E algumas bizarras, devo admitir.

- E o que vocês considerariam "bizarro"?

- Bem... o vício absurdo que vocês ingleses têm por chá, por exemplo. Ou por bailes. Se bem que, de certa forma, há bastantes bailes por aqui... Mas eles são de inspirações inglesas, então acho que ainda encaixam como um costume estranho...- então ela pausa abruptamente, franzindo as sobrancelhas de maneira preocupada- Estou sendo desrespeitosa ao falar "estranho"? Juro que não é proposital, quer dizer, eu já fui chamada de estranha tantas vezes que acabei considerando um elogio...

Melanie da de ombros e solta uma risadinha. Eleanor era de fato uma mulher cheia de energia. Se viu surpreendentemente aliviada: pelo menos ela faria uma amiga durante sua estadia.

- Não me incomodo nem um pouco. Pelo contrário: também acho que levamos os chás excessivamente a sério.

- Está vendo!

Nesse instante, Hariet apareceu novamemte no cômodo trazendo mais uma remessa de biscoitos amanteigados, com um sorriso satisfeito.

- Vejo que estão se dando bem.

- Sim, estamos- Eleanor assente, indo até os biscoitos sem pestanejar e enfiando um inteiro na boca.

Naquela mesma hora, Leonard aparece com uma expressão divertida.

- Isso é porque ela ainda não se deparou com os seus... costumes peculiares- insinuou, apesar do seu tom estar coberto de carinho.

Melanie franze as sobrancelhas.

- Está começando a me assustar. Quais seriam esses costumes?

- Leonard! Você mal me dá a oportunidade de passar uma boa impressão e já decide assustá-la. E para a sua informação, caça não é uma atividade peculiar.

- É uma atividade peculiar, para uma dama- murmura Hariet, e então se arrepende ao ver a expressão traída de Ellie.

- Hariet! De que lado você está, afinal?

- Está do lado que se lamenta todos os dias por ter que dissecar os porcos selvagens e aves exóticas que traz para a nossa cozinha. Deixando de lado a sujeira feita durante o processo- diz Leonard franzindo os lábios debaixo do bigode.

Eleanor cruza os braços, contrariada.

- Vocês não passam de dois velhos dramáticos.

Melanie olha para Leonard e Hariet, esperando que se ofendessem, mas o mordomo ri e Hariet apesar de fingir uma careta, repuxa levemente o canto dos lábios.

Admitia que estava impressionada: As pessoas daquela casa pareciam mesmo encantadas com Eleanor. Se Mel ousasse falar ou agir dessa maneira em sua casa, com seus criados ou sua família, com certeza não levaria menos que um olhar de desaprovação ou um sermão.

Então se pega sentindo-se desconfortável. Era acostumada a chamar atenção e ser o centro das conversas em Londres. Ali, se sentiu deslocada e de certa forma excluída, mesmo que Leonard, Eleanor e Hariet parecessem tão acolhedores. Era comum afinal: aquele não era seu lugar.

Ela foi tomada pelo desconforto, que ficou tão forte ao ponto que pediu licença para ir até o quarto.

Imediatamente, Eleanor a olhou confusa.

- Ao quarto? Por que?

- Ham... Só...- ela transitou o peso entre os pés. Nunca se sentira na obrigação de explicar o porquê de ir ao quarto. Em casa, dizer que iria se retirar era o suficiente para conseguir um pouco de paz- Estou cansada.

Pode ter sido só impressão, mas os ombros da ruiva pareceram murchar, desanimados.

- Ah, tudo bem. Tenha um bom descanso.

. . .

Melanie acordou no dia seguinte sem ter a menor noção do tempo. Olhou através da janela, e não viu mais nada além do campo aberto seguido de um bosque que se abrangia no horizonte. Era um dia ensolarado, e por um segundo pensou que era um clima perfeito para fazer um piquenique com suas amigas. Se levantou, animada.

Até que ela se lembrou.

Não estava em casa. Suas amigas, família, tudo o que conhecia estava há mais de um oceano de distância.

Uma sensação semelhante ao desespero lhe revirou o estômago, se transformando em desconforto enquanto descia as escadas. Lá estava Hariet, colocando a mesa e lhe lançando aquele sorriso tão simpático.

Droga, Melanie sabia que deveria ser grata pelo esforço que a gobernanta estava fazendo em deixá-la a vontade. Foi tomada por vergonha de si mesma e então sorriu de volta.

- Bom dia, senhorita Watson.

- Bom dia, Hariet. Parece ocupada... gostaria de ajuda?

Hariet a olhou com as sobrancelhas franzidas, como se ela tivesse falado algo ofensivo.

- Perdão, senhorita?

- Eu perguntei se gostaria de ajuda...

- Eu ouvi, senhorita... Mas é uma pergunta absurda! É claro que uma dama como você...

- Que uma dama como eu não deve se ocupar de trabalhos domésticos?- Melanie ri da expressão confusa de Hariet- Não sei se notou, Hariet, mas depois de ser praticamente expulsa de casa pelo meu pai, não me preocupo mais com o que me faz ou não ser uma dama. Aliás, já não me importo com isso há bastante tempo.

- Concordo plenamente, querida- concorda Eleanor, aparecendo de repente. Melanie instintivamente ergue sua postura- Quem precisa ser uma dama quando está em outro continente?

- Bem, outro continente ou não, nós ainda estamos em um lugar civilizado- argumenta Hariet, de maneira desaprovadora.

Mas isso não foi o bastante para Melanie ceder. Então, sem dizer mais nada, ela foi até a cozinha e gritou.

- Onde ficam os talheres?

- Senhorita Watson!- repreende a governanta, com um tom irritado, apesar de que no fundo Mel desconfiava que aquela mulher não tinha a capacidade de se estressar verdadeiramente com alguém- Volte já aqui! Não irei permitir...- Mas antes que terminasse, Melanie já chegava com os talheres de prata da sua avó, com ar divertido. Hariet ficou pálida- Oh, deus, se a sua avó descobrir...

- Se eu descobrir o que?- pergunta uma voz descendo as escadas. Imediatamente as três mulheres congelam ao ver que era Amélia, agora com o rosto encoberto por desconfiança.

- Se-senhora Wright!- exclamou Hariet nervosamente, fazendo um cumprimento rápido- A-a senhora gostaria de um chá...?

Amélia transitou o olhar entre as damas. Eleanor permanecia imóvel, enquanto Melanie parecia sequer se importar com a clara tensão que perpassa o ambiente.

- Melanie Watson- começa ela, com um claro tom de repreensão- Por que está colocando a mesa?

- Estou ajudando- responde, dando de ombros.

Amélia estreita os olhos.

- Quando o seu pai disse que era uma garota teimosa, não imaginei que também fosse tão indisciplinada.

Melanie estremece, e engole o bolo em sua garganta.

É então que uma raiva crescente a invade. Quem aquela velha pensava que era? Quer dizer, ela mal a conhecia e não tinha o menor direito de a tratar daquela maneira.

- Me perdoe, vovó- falou, repleta de sarcasmo- Mas agora que não estou mais em minha casa, não vejo porque atender a comportamentos tolos. Então, se me permite, irei ajudar Hariet. Afinal, ela é uma única pessoa, e está praticamente responsável pelo conforto de todas nós nesta casa.

Assim que ela terminou de falar, não deixou de notar que estava sendo observada por Eleanor. Teve vontade de olhá-la de volta, mas continuou a encarar firmemente Amélia, que agora estava impassível e com a mandíbula cerrada.

- Como quiser- ela disse por fim, para a grande surpresa de Mel- Mas eu me prontifico a afirmar que, caso o seu pai me questione a respeito de sua estadia, não deixarei de relatar o seu péssimo comportamento- olhou para Hariet- Irei comer em meu quarto hoje.

E então, Mel a observou subir, sem deixar de questionar como diabos iria ter que suportar viver na guarda de uma pessoa assim.

Quando se virou, não ficou surpresa ao ver que a mesa já estava feita, e percebe que Hariet havia preparado enquanto Amélia lhe dera o sermão.

Ela sente uma mão delicada apoiar-se em suas costas, e se vira para Eleanor.

- Não se preocupe- consola ela- a senhora Wright pode ser meio severa as vezes... Mas é uma boa pessoa. Tenho certeza que não se queixará para o seu pai.

Melanie bufa, cruzando os braços.

- Difícil de imaginar.

. . .

Sim, eu sei, por enquanto as coisas estão meio monótonas, mas prometo
que logo logo isso vai mudar ksksks

~E me perdoem por qualquer erro, ok?

Não esqueçam do voto caso tenham gostado amores, pq me motiva muuuito a continuar ♥️

Vejo vocês na próxima ^^

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