18. Onde elas fazem bolo
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E, como prometido, elas fizeram. Muitas e muitas vezes.
Toda noite, Eleanor a visitava em seu quarto quando se certificava que todos estavam dormindo, e elas se beijavam e se tocavam como se fosse a última vez que iriam se ver. Mel percebia, porém, que Ellie era sempre cautelosa e carinhosa, nunca ousando avançar demais.
As vezes ela se oferecia para tocá-la também, mas Eleanor recusava, sem graça, dizendo que se Melanie o fizesse ela não iria conseguir se conter.
De incio, Melanie se pegava querendo dizer que não se importava, que queria ir até o final e fazer amor com ela. Mas então era atingida pelo medo e, de certa maneira, culpa.
Porque mesmo que ela fosse absurdamente feliz com Eleanor, no fim ela sempre era atingida pela culpa. Imaginava o que o seu pai diria se descobrisse. E então era sentia-se envergonhada e suja, como se estivesse cometendo algum pecado.
E, de acordo com a Igreja, ela estava mesmo.
Por isso, depois que elas se encontravam e se amavam e Eleanor voltava para o seu quarto, Melanie desabava.
Odiava que ela e Ellie tivessem que esconder o que sentiam uma pela outra. E se odiava ainda mais por as vezes pensar que a culpa era dela; que ela quem havia nascido com algum tipo de defeito.
Mas felizmente, todos esses pensamentos torturantes evaporavam assim que acordava e se encontrava com Eleanor no café da manhã, sorrindo para ela como se fosse a pessoa mais especial do mundo.
. . .
Uma semana depois.
- Melanie, por Deus!
A morena a encara com falsa inocência, lambendo os dedos e com o canto da boca melado de cobertura de chocolate.
- O que foi?
- Você comeu o bolo inteiro, sua cretina!- exclama Ellie, se jogando em cima dela, e ambas começam a rir- Vou matá-la!
E então, começa a fazer cócegas nela sem a menor piedade. Melanie ri tanto que fica sem fôlego.
- Pare! Eu não consigo respirar!- diz entre risos, ofegante- Tenha piedade de mim, Ellie.
- Eu não tenho piedade com pessoas que comem o último pedaço de bolo!- exclama, também rindo.
Nesse exato momento, Leonard entra na sala.
- Senhoritas! O que está havendo, eu ouvi gritos...- Mas ele se interrompe ao ver Ellie e Mel, imediatamente se afastando, ofegantes e sem ainda conseguirem segurar o riso. Ele arqueia as sobrancelhas- Bem, presumo que eu não devesse me preocupar.
- Bem, a não ser que tenha uma punição melhor para ladrões de bolos...
- Mas não fui eu!
- Ah, verdade?- Ellie pergunta sarcástica, apontando para ela de maneira acusativa- E o que seria isso, sujo no seu rosto?
Melanie toca a própria bochecha, mas não encosta na área com o chocolate. Ellie estica a mão e a limpa. O momento parece parar, quando uma corrente eletrizante passa pelo braço dela até o rosto de Melanie, fazendo o seu rosto corar violentamente. Porque mesmo fazendo tantas coisas, ela ainda corava com um simples contato de suas peles.
- Está vendo?- diz Ellie, e ela notou sua voz alterada, tentando disfarçar o desejo que sentia.- É cobertura de bolo de chocolate. Talvez deva ajudar Hariet a fazer mais um como punição. Ou talvez... devesse fazer sozinha. O que acha Leonard, é justo?
Leonard, que agora parecia distraído arrumando seu paletó, sorri.
- Contanto que a senhorita Watson confirme as suas habilidades culinárias...
- Bem, eu admito que não sou uma cozinheira exemplar, mas...
- Não precisa ser. Contanto que me faça um bolo.
- Não irei fazer nada!
- Vamos, pequena- implora ela, com os seus olhos castanhos brilhando- Nós podemos fazer juntas, se preferir. Será divertido, e eu estou com um desejo absurdo de comer bolo.
- ...Argh, está bem.
- Você é a melhor!- exclama alegre.
E então, assim que Leonard se retira, Eleanor sorri maliciosamente, a puxando pela cintura e a beijando até ficarem sem fôlego.
- Humm tem gosto de bolo- sussurra, e está prestes a beijá-la de novo quando Melanie a impede, rindo.
- Pare com isso, alguém pode nos ver.
- Só mais um pouco, por favor... seu gosto é muito melhor do que chocolate...
- Não, Ellie! Como você disse, temos que fazer mais bolo.
Ellie bufa e então concorda, contrariada.
Assim que as duas chegam na cozinha, vêm Hariet em frente a bancada.
- Harieeet- cantarola Melanie, alegre- Viemos ajudá-la a fazer bolo.
- Mais bolo?- Pergunta Hariet de olhos arregalados- Mas eu fiz um ontem!
- Pois é, mas essa gulosinha aqui comeu tudo!- exclama Ellie, cutucando a bochecha de Mel.
- Claro que não! Quando eu fui comer o bolo já estava quase acabando. Aposto que você comeu a maior parte e está colocando a culpa em mim.
- Céus, parem de brigar, parecem duas crianças- Diz uma Hariet repreensiva, com as mãos na cintura. Suspira- Eu irei fazer mais bolo.
- Ótimo!- Diz Ellie empolgada, batendo palmas- por onde começamos?
Hariet arqueia as sobrancelhas.
- O que quer dizer, senhorita Moore?
- Estou perguntando o que nós devemos fazer.
- Perdão, querida, acho que não entendi direito... Vocês estão pensando em ajudar a fazer o bolo?
- Sim- falam Ellie e Mel ao mesmo tempo.
Hariet as olha, chocada.
- De jeito maneira! Vocês irão sujar a cozinha inteira e só o senhor sabe o quanto tenho trabalho para limpar esse lugar...
- Nós ajudamos a limpar também! Por favor, Hariet!- implora Melanie, com um beicinho- E pense bem, se a senhora nos ensinar como se faz... Nunca precisará interromper a sua faxina para preparar a sobremesa.
Hariet olha para Mel, de fato ficando intrigada com a ideia de não perder o seu tempo com a sobremesa e terminar o trabalho mais rápido.
Por fim, ela suspira.
- Tudo bem, mas POR FAVOR, sujem o menos possível.
. .
Hariet sabia que o seu pedido não iria adiantar de nada.
Mas mesmo assim ficou assustada ao ver o quanto aquelas duas eram simplesmente INCAPAZES de preparar qualquer coisa sem deixar um rastro de sujeira para trás.
Quando pediu para Eleanor bater a massa, ela começou bem, até Hariet pedir para que batesse mais rápido, fazendo com que a jovem movimentasse o braço com tanta agressividade que metade da massa do bolo caiu no chão.
- Sinto muito- falou Ellie, com o rosto vermelho de vergonha.
E como se não bastasse, Melanie era tão ruim quanto, e naquele momento já estava com o rosto e o vestido cheios de farinha.
Hariet sentiu como se estivesse ensinando a suas crianças o básico de culinária, mas no fundo até que não era assim TÃO ruim. Era até... Divertido, digamos assim.
No fim, elas conseguiram colocar o bolo no forno, e estava com uma aparência bastante agradável.
Foi então que Hariet olhou em volta, e ficou assustada com a bagunça. Se dirigiu até a dispensa e voltou com um conjunto de panos, vassouras e sabão.
- Enquanto o bolo não fica pronto, vamos arrumar essa atrocidade.
Sem precisar dizer mais nada, as duas sorriem sem graça e começam a limpeza. Até que Eleanor ri quando vê Melanie se sujando ainda mais com o acúmulo de farinha no balcão, e então a mesma, em vingança, enche a mão de farinha e joga na cara dela.
- Sua cretina!- Grita Eleanor, rindo- Isso não vai ficar assim!- E então dizendo isso começa a correr atrás dela.
Melanie, também rindo, pega uma colher de madeira e aponta para ela como se erguesse uma espada.
- En garde, seu monstro da cara pálida!- Exclama ela na direção da cara branca de farinha de Ellie, como um cavaleiro medieval.
- Você irá se arrepender de me enfrentar, ó cavaleira amaldiçoada!
- Céus- resmunga Hariet, observando a cena e beliscando a ponte do nariz- O que eu fiz para merecer isso?
E é exatamente nesse momento que a porta se abre, e Amélia entra na cozinha com uma expressão indiferente, antes de notar o estado do cômodo.
Quando o percebe, a primeira coisa que vê são as duas garotas, cobertas de farinha, e Melanie segurando de maneira ridícula uma colher como se fosse uma arma.
Amélia cerra o maxilar, em uma expressão de claro desgosto e repugnância, e então olha para Hariet, falando com de maneira controlada.
- Hariet, poderia por obséquio justificar o que está acontecendo aqui?
- A-as meninas se oferecerem para me ajudar, senhora...- disse uma Hariet mortificada.
- E por que, em Santa consciência, você pensou que isso seria uma boa ideia...?
- E-eu...
- Foi minha culpa, vovó- defendeu Melanie, com a voz firme- Eu quem acabei sujando tudo e...
- Ora, não fique com a culpa toda para si- Reclama Ellie, e então se vira para Amélia- Eu também sou culpada, senhora Wright. Nós duas imploramos para Hariet nos ajudar. Se quiser nos punir, não iremos questioná-la.
Amélia encarou Ellie por longos segundos, impassível, e então suspirou.
- Não haverá punição alguma. Mas espero que isso não aconteça novamemte.
- Sim, vovó.
A senhora olhou para Melanie assustada. Seus olhos verdes e frios, por um segundo, tomaram um brilho de emoção e surpresa. Ela abriu a boca para falar, mas então a fechou, incomodada. Afinal aquela era a primeira vez que Mel a chamava assim, com certo tom de afeto.
No fim, apenas fez uma pequena mesura e se retirou do ambiente, sem falar mais nada.
Assim que ela saiu, Hariet encostou-se na bancada, com a mão no coração.
- Céus, pensei que teria um infarto- E então olhou para as meninas e sorriu com afeto- Obrigada, senhoritas, por terem me defendido. Eu... confesso que me senti muito grata, de verdade- disse, com as bochechas coradas.
Melanie sorriu e foi até ela, apoiando a mão em seu ombro.
- Não precisa agradecer, nós só falamos a verdade. E prometemos que a partir de agora levaremos mais a sério a limpeza- E então olhou para Ellie de maneira severa- Não estou certa?
Eleanor deu de ombros.
- Apesar de eu preferir muito mais me divertir durante o processo... prometo não brincar mais.
Hariet soltou uma risadinha, e então olhou para Mel e segurou sua mão, surpreendendo a mesma.
- Você é uma garota especial, senhorita Watson. Quero que saiba que fico muito feliz que a sua avó tenha aceitado ficar um tempo com a senhorita.
Mel sorri, emocionada, e a abraça. A governanta fica surpresa com o gesto, mas logo depois corresponde com um tapinha amigável em suas costas.
- Tudo bem, tudo bem- fala Hariet depois que elas se separam, se recompondo. E pode ter sido só impressão, mas seus olhos estavam levemente úmidos- Vamos voltar ao trabalho.
. . .
Enquanto arrumavam e Ellie organizava umas coisas no depósito, Mel perguntou a Hariet há quanto tempo ela trabalhava para a sua avó.
- Ah... muito tempo. Acho que mais de duas décadas!- completou, rindo. Então seu sorriso murchou, e ela ficou com uma expressão melancólica, enquanto limpava o balcão- Eu... não era uma das mulheres mais respeitadas da pequena vila em que eu morava. Amélia foi muito gentil ao me convidar para trabalhar em sua casa, ao perceber a minha condição.
- Me desculpe se estou sendo muito intrometida- fala Melanie, sem graça, parando de varrer o chão para prestar atenção no que ela dizia- Mas qual era exatamente a sua "condição"?
Assim que faz a pergunta se arrepende ao ver a expressão dolorosa no rosto da governanta.
Mas para a sua surpresa, ela responde.
- Eu comecei a trabalhar muito nova na residência do vigário de nossa aldeia. Ele dava bons sermões e pregava a palavra de deus para todos aqueles dispostos a ouvir. O considerava um bom homem e por isso, ao trabalhar em sua casa, não temia que ele me fizesse mal. Até que, um dia...- a voz dela fica trêmula, e Mel nota as suas mãos enrugadas e pequenas começando a tremer descontroladamente- Um dia, quando eu estava deitada em minha cama, ouvi alguém se aproximar de mim silenciosamente. Pude sentir o hálito dele, e então... ele começou a fazer coisas... coisas... ruins. E fez isso muitas vezes depois, e em todas elas eu me debatia e chorava e gritava, assustada, mas ele simplesmente não me soltava. E então... Eu fiquei grávida, com 13 anos.
- Meu deus, Hariet...- Melanie diz, já sentindo as lágrimas escorrendo incessantes dos olhos. Queria poder abraçar aquela mulher tão gentil e corajosa a sua frente, mas sentiu também que poderia quebrá-la com um simples toque, de tão frágil que aparentava.
Se perguntou como era possível existir uma alma tão cruel ao ponto de violentar e abusar de uma simples garotinha, ainda mais sabendo que ela levaria esse trauma consigo pelo resto de sua vida. Ficou tão furiosa que teve vontade de matar aquele homem terrível, de verdade.
- O que... o que aconteceu? Alguém acolheu você, alguém pelo menos puniu esse desgraçado?
Hariet fez que não com a cabeça.
- Ele... se recusou a admitir que o filho era dele. Também me acusou de pecar, dizendo que me entreguei a um homem que não era meu marido, e me expulsou da sua casa. Quando meu bebê nasceu, eu comecei a procurar desesperada por um emprego, mas já estava perdendo as esperanças. Eu era apenas uma criança, afinal, e ainda trazia um bebê comigo... Mas então, em uma das minhas visitas a cidade, conheci Amélia. Ela me viu com o meu filho, mas achou que ele fosse meu irmão. Quando lhe contei a verdade, acabei contando a história de como engravidei também. E assim que terminei de falar, ela me encarou, séria, e perguntou se eu aceitaria trabalhar em sua casa. Na hora, pensei que ela estivesse brincando... era bom demais para ser verdade. E então, quando ela realmente me trouxe e me acolheu aqui... Eu fiquei chorando de alegria por dias, ao mesmo tempo em que Amélia me ajudava a cuidar do meu bebê.
Melanie tentou processar tudo.
O fato de que Hariet havia sofrido tanto, e ainda assim tinha a capacidade de ser uma pessoa tão gentil. O fato de que sua avó era uma pessoa muito melhor do que pensava...
- E o seu filho?
- Ah, o Daniel...- Hariet sorri alegremente, contrastando com a expressão de puro sofrimento que ela fazia segundos atrás- O Daniel está casado com uma bela moça, e já me concedeu três lindos netinhos. Ainda são pequeninos, mas tenho certeza que todos se transformarão em pessoas maravilhosas assim como ele
- E como a avó, com certeza.
- Ora, pare com isso- Hariet solta uma risadinha constrangida, e então suspira- Em resumo... apesar de tudo pelo que passei, me sinto sortuda. Dou graças a deus por Daniel não ter puxado muita coisa do pai, que mesmo tendo sido um monstro sem coração e tornou a minha vida um inferno... Me deu o Daniel. Não me sinto grata por ele, obviamente, mas eu penso que foi sorte que consegui pelo menos tirar uma coisa boa no meio de tanto sofrimento.
Sem pensar duas vezes, Melanie vai até Hariet e a abraça forte pela segunda vez. Dessa vez a governanta não hesita em corresponder.
- Mas mesmo que eu sinta muito falta do Daniel, eu agora cuido novamente de duas crianças- fala, brincalhona- E a Ellie me ajuda tanto...
- Ajuda?
Hariet assente, e então fala sem graça.
- Mesmo que eu insista para aquela teimosa, a garotinha ainda insiste em me oferecer o seu pagamento.
Melanie a olha, surpresa.
- Jura? Todo o pagamento dela?
Hariet assente, beliscando a ponte do nariz.
- Eu já implorei para que não fizesse isso... Mas ela insiste que a senhora Wright já lhe dá tudo o que ela precisa- E então, ela olha para Mel quando se separam- É uma garota de ouro, aquela ali.
- Você também é, Hariet. E eu não sei se demonstrei muito bem, mas... Eu fico absurdamente feliz por você e por tudo o que conquistou.
A governanta solta uma risadinha sem graça, e então reclama com os olhos molhados.
- Ah, pare com isso, irá me fazer chorar!
. . .
Esse foi o capítulo, meus amores! Espero que não tenham se entediado muito: eu só queria dar uma história a mais para outros personagens :)
(Mais uma vez me perdoem pelos erros, não hesitem em me avisar caso virem algum rsrs)
Mas se gostaram não esqueçam do voto, que como sabe me ajudam muito. Ah, e por falar nisso, quero agradecer a todos os comentários e votos, fico muito feliz com todos eles, sério, vocês não têm noção do quanto ❤️
Enfim, nos vemos na próxima, meus cupcakes 🧁
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