Capítulo Vinte e Três

Victor Jones:

— É uma honra conhecer Vossa Nobre Eminência, Senhorita Aurora — disse, tentando me erguer com dificuldade, sentindo uma dor que ia dos pés à cabeça.

— O prazer é todo meu, Guardião. Não há necessidade de se levantar — ela respondeu com um sorriso caloroso. — Entendo que você deve estar se sentindo dolorido e não precisa ser cortês comigo. Estamos entre amigos aqui.

A Princesa Herdeira soltou uma risada suave enquanto se aproximava para cumprimentar-me. Com um gesto gentil, indicou que eu deveria me deitar quando comecei a me sentar. Merlin, ao fundo, revirou os olhos com impaciência.

A situação que se desenrolava diante dos meus olhos era surpreendente e inesperada. Os rumores que ouvira dos outros alunos sobre a importância da princesa na história do país tornavam-se mais claros a cada momento. A beleza que herdara de ambos os pais e sua notável inteligência eram evidentes. Anna, desde ontem, falara sobre isso com grande fervor.

Era óbvio que Anna estava protegendo a imagem da princesa na minha frente, e eu caíra na armadilha, acreditando na sua suposta bondade. Anna realmente tinha uma maneira eloquente de expressar suas crenças.

A princesa havia desempenhado um papel crucial como casamenteira, unindo nobres com a família real e garantindo o sucesso das negociações com outras nações. Embora eu estivesse começando a me acostumar com os estranhos eventos deste mundo a cada dia que passava, a perspectiva de lidar com a princesa herdeira ainda me parecia assustadora.

— Em primeiro lugar, gostaria de pedir desculpas em nome da minha família pelo ocorrido. O país e a nação têm sua parcela de culpa neste incidente, igual ao de duas semanas atrás ou na sua primeira estadia, desde que veio para este castelo ser um aprendiz de mago. Sua Majestade não pôde comparecer pessoalmente devido a compromissos urgentes, mas ele expressa seu profundo pesar e se compromete a atender aos seus desejos, Guardião — ela disse, franzindo a testa e apertando as bordas da cama com força.

A emoção na voz da princesa era palpável, revelando a seriedade de suas palavras. Cada frase carregava o peso da responsabilidade e do dever, refletindo a complexidade da situação em que nos encontrávamos. A proximidade dela fazia com que o ambiente se tornasse quase palpável, como se a energia de suas intenções ressoasse no ar.

Enquanto tentava processar tudo o que havia sido dito, senti uma mistura de alívio e tensão. A presença dela era reconfortante, mas também me lembrava das expectativas e desafios que ainda estavam por vir. A promessa de Sua Majestade de atender aos meus desejos era um alívio, mas também uma responsabilidade que eu precisaria assumir com cuidado.

— Agradeço a compreensão e o apoio, Vossa Alteza — respondi, tentando manter a voz firme. — Farei o possível para corresponder às expectativas e contribuir para o bem do reino.

Aurora sorriu novamente, desta vez com uma expressão de encorajamento.

— Eu sei que você fará, Guardião. Temos muita confiança em você. Agora, descanse e recupere suas forças. Ainda há muito a ser feito.

Enquanto ela se afastava, senti um novo senso de determinação crescer dentro de mim. Estava claro que, apesar das dificuldades, eu não estava sozinho nessa jornada. Com aliados poderosos e uma missão clara, eu sabia que poderia enfrentar os desafios que viriam.

Era claro que ela desempenhava um papel essencial na ligação entre o mundo exterior e a família real. No entanto, percebi que não haveria benefícios a longo prazo em me envolver profundamente com essa pessoa. Mesmo assim, sabia que as informações que poderia obter dela seriam de grande qualidade. Contudo, também estava ciente de que alguém seria responsabilizado por esse ataque ou dos anteriores contra os aprendizes.

Olhei na direção de Meteora, buscando respostas.

— Senhorita Meteora, preciso de uma explicação. Você poderia esclarecer tudo isso para que possamos informar o rei e a rainha o mais rápido possível? — a princesa perguntou, e Meteora assentiu, levantando-se.

— Espero que se recupere bem, Guardião. Também espero que possamos cuidar um do outro no futuro, como aprendizes dos mestres do Castelo das Montanhas — acrescentou a princesa Aurora, com um sorriso gentil.

— Concordo plenamente, Senhorita Aurora — respondi, tentando transmitir sinceridade na minha voz.

Aurora se virou e saiu da sala, com Meteora logo atrás, fechando a porta atrás de si. Enquanto as duas se afastavam, senti um misto de alívio e apreensão. O olhar de Meteora havia transmitido uma seriedade que me deixou inquieto, mas eu sabia que obter respostas era crucial.

A sala agora estava silenciosa, exceto pelo som distante dos passos das duas mulheres. Respirei fundo, tentando organizar meus pensamentos. A Princesa Aurora e Meteora eram figuras influentes, e lidar com elas exigiria cautela e inteligência. A promessa de colaboração futura deixava claro que haveria muitos desafios pela frente, mas também oportunidades para fortalecer alianças.

Enquanto refletia sobre tudo isso, senti uma determinação renovada. Precisava me recuperar rapidamente para estar à altura das expectativas e responsabilidades que estavam por vir. A jornada à minha frente seria árdua, mas com aliados como Aurora e Meteora, sabia que não enfrentaria os desafios sozinho.

Merlin entregou-me uma xícara de algo diferente, após expressar seu descontentamento com a suposta falsidade da princesa herdeira. Bebi cautelosamente, sentindo o gosto rico e encorpado, com um sabor amanteigado no final.

— O que é isso? — perguntei.

— Uma das tisanas do castelo. Sempre funcionam quando me machuco — explicou Merlin, mas seus olhos ainda permaneciam fixos na porta, como se esperasse algum inimigo.

— Acho que ela não vai voltar tão cedo — comentei, e finalmente seus olhos se voltaram na minha direção. — Ela parece ser o oposto do que eu imaginava.

— Como você pode ter certeza? Ela esteve aqui por apenas alguns minutos — Merlin respondeu, como se achasse minhas palavras uma loucura. — É impossível saber quando alguém está usando uma máscara para esconder suas verdadeiras intenções. A família real é como cobras, prontas para dar o bote quando menos se espera.

— Parece que você os odeia profundamente — comentei, lembrando-me do momento em que a magia me abandonara e eu sentira um cheiro e braços ao meu redor. — Foi você quem me trouxe de volta para o quarto?

Merlin confirmou com um aceno de cabeça, suas bochechas corando ligeiramente.

— Eu estava preocupado de que algo pior pudesse acontecer se os demônios voltassem — ele admitiu, deslizando para fora da cama e pousando no chão como um felino. — E também estou um pouco irritado com o Mestre Borges, mas está tudo bem. Só tenho que ajudá-lo com suas tarefas por um mês.

— Uma coisa me intriga, Merlin. Você sempre age impulsivamente, ou guarda isso para situações específicas? — perguntei, curioso.

— Ah, eu faço isso quando deixo minhas emoções tomarem conta — Merlin respondeu com alegria. — É isso que me torna tão sexy. E também porque já completei mais missões do que a maioria das pessoas da minha idade.

Fiquei olhando para ele, perplexo. Lancei-lhe um travesseiro que ele pegou no ar, rindo.

— Bem, acho que é melhor eu avisar aos meus irmãos que você acordou. Eles estão esperando ansiosamente por uma reação sua há muito tempo. Ah, e há sabão no banheiro — ele acrescentou com um sorriso travesso. — Talvez você queira tomar um banho. Está um pouco cheiroso.

Desta vez, ele saiu antes que eu pudesse atirar algo mais em sua direção, fazendo minhas bochechas esquentarem. A presença de Merlin, com sua mistura de preocupação genuína e charme brincalhão, me deixou mais à vontade. Decidi seguir seu conselho e me levantei devagar, sentindo os músculos protestarem. Caminhei até o banheiro, pronto para lavar não apenas o corpo, mas também a mente, preparando-me para os desafios que estavam por vir.

Enquanto a água quente caía sobre mim, pensei nas palavras de Merlin e na princesa Aurora. Era difícil saber em quem confiar completamente, mas eu sabia que precisava estar atento e manter minhas alianças fortes. Depois do banho, vesti roupas limpas e me senti revigorado. Era hora de enfrentar o que viesse, com determinação e um pouco de cautela.

*****************************

Após minha melhora, passei um bom tempo recluso no quarto, esperando que os murmúrios da confusão se acalmassem. Marko ficava sempre por perto, ora empoleirado sobre minha cabeça, ora deitado na cama ou voando pelo lado de fora quando abri a janela.

Entretanto, no dia seguinte, já estava de volta aos estudos, integrado a um grupo formado por Rebecca, Merlin e Aurora.

Enquanto atravessávamos o portal para a próxima sala, notei um gesto sorrateiro de Merlin para Aurora, que passou despercebido por todos. Parecia uma saudação comum, mas eu sabia que havia algo mais por trás desse breve contato.

Nossa instrutora era Mestra Miele, especialista em magia relâmpago e bestas mágicas. Adentramos uma caverna, e ela imediatamente se iluminou em todas as direções, ganhando vida. Entramos em uma câmara cujas paredes cintilavam com um musgo bioluminescente de um verde-claro encantador. Quando Mestra Miele tocou uma das paredes, ela se transformou em luz; quando Rebecca arrastou a mão pela superfície, o musgo também se acendeu em torno de seus dedos. Merlin lançou água no ar, e o líquido se transformou em uma cascata de faíscas.

— Incrível — sussurrei maravilhado. Aproximei minha mão da água, que se iluminou e se transformou em faíscas ao ser tocada.

— Este é o Lago das Faíscas — explicou Mestra Miele. — De acordo com as lendas, ele pode estar conectado a várias dimensões dos nossos planos, mas apenas se alguém mergulhar além da beirada. Isso significa que cair em um portal dimensional sem saber para onde está indo pode ser extremamente perigoso.

Retrocedi cautelosamente. Merlin permaneceu ao meu lado, com um sorriso divertido no rosto.

— Mestra Miele, por que nos trouxe aqui? — perguntou Rebecca.

— Esta é a primeira parte da lição — explicou a mestra enquanto nos entregava quatro frascos. — Usem esses frascos para coletar água do lago.

Observando os outros, notei que quando Aurora se aproximou da água e a coletou, as faíscas se dissiparam, e o líquido ficou negro como piche.

— Este lago perde seu poder mágico quando sua água é removida, e quero que encontrem uma maneira de impedir isso — disse Mestra Miele, apontando para outra área da caverna. — Quando encontrarem a solução, aprenderão a usar essa água como um portal móvel à vontade. — Fez uma pausa. — Mas antes de começarem, quero revisar os Cinco Princípios da Magia com vocês, para que saibam como lidar com situações em que o elemento presente seja diferente daquele que dominam.

Lembrei da primeira anotação que fiz e a mantive em mente:

1. O poder vem do desequilíbrio; o controle vem do equilíbrio.
2. Todos os elementos mágicos agem de acordo com sua natureza.
3. Em toda magia há uma troca de poder.
4. Você pode mudar a forma de uma coisa, mas não sua natureza essencial.
5. Todos os elementos possuem um contrapeso.

— Mas apenas dois de nós têm afinidade com o elemento água — observou Rebecca.

— Esta é a oportunidade de trabalharem em equipe — respondeu a mestra com um ar de desafio. — Encontrem uma solução para que a água não perca seu poder mágico. Boa sorte.

Ela se afastou, retirando um frasco com água que brilhava intensamente de seu manto. Jogou um pouco na parede, que se tornou transparente ao se aproximar e voltou a ser de pedra quando a mestra a atravessou.

Merlin estalou os dedos, demonstrando entusiasmo.

— Bem, eu e Victor podemos manipular a água, e Rebecca pode moldar a terra ao nosso redor para criar um recipiente — Merlin sugeriu. — Assim, a princesa Aurora pode congelá-la.

— Esse plano não vai funcionar; no momento em que levitarmos a água, ela perderá sua magia — argumentou Aurora. — Tenho uma ideia do que podemos fazer.

— Claro que dirá que seu plano é o melhor — resmungou Merlin em voz baixa, demonstrando que mesmo seu melhor comportamento não o impedia de recusar a ajuda de alguém da realeza.

Aurora ignorou o comentário.

— Vocês devem se sentar na beira do lago, da forma mais confortável que encontrarem. Quando estiverem prontos, concentrem-se em mover a água com a mente. Sintam o poder no ambiente à sua volta. Sintam o poder da água. Sintam-no fluir pelas solas de seus pés e no ar que respiram. Concentrem-se agora. Separem cada gota — instruiu Aurora, enquanto Merlin a olhava horrorizado.

— Separar cada gota? — ele questionou. — Não deveríamos estar fazendo algo mais prático? Este plano é terrível.

— Tem alguma ideia melhor? — rebateu Aurora. — Estamos todos ouvidos!

Merlin levitou a água e a lançou aos pés de Aurora como prova de que seu método não funcionaria.

A princesa prendeu a respiração, irritada.

— O que... o que você está pensando? Parece uma criança — repreendeu-o, enquanto Merlin fez uma reverência falsa.

— Me desculpe, alteza — respondeu. — Vai chamar um de seus cavaleiros para me eliminar e pedir ao seu pai que me expulse do país? Isso seria tão fácil.

— Vou te matar — declarou Aurora, com calma. — Seu cretino! Lembre-se de que seus pais são traidores.

— Ai — replicou Merlin, fingindo.

Rebecca interveio, respirando fundo para se acalmar, as mãos nos cabelos, como se tentasse afastar toda a raiva que os dois estavam provocando.

— Tudo bem, vamos apenas tentar elaborar um novo plano. Vamos pensar em algo — propôs Rebecca.

Enquanto isso, minha mente ainda se fixava no plano de Aurora, embora a parte de evitar que a magia se dissipasse permanecesse em aberto. Uma luz surgiu em minha consciência, e sentado à beira do lago com a mão estendida, um pouco de água subiu no ar, mantendo seu brilho.

O brilho persistiu e me concnetrei com me movendo como a água.

— Victor, você conseguiu! — exclamou Aurora, triunfante, olhando com satisfação para Merlin.

Merlin, resmungando, abaixou-se e realizou o mesmo movimento, fazendo a água levitar com seu brilho.

Rebecca e Aurora pegaram os frascos e cuidadosamente preencheram-nos com o líquido, levando algum tempo para encher os quatro recipientes. Finalmente, nos aproximamos das paredes, cada um de nós molhando a ponta do dedo na água, fazendo a parede desaparecer diante de nós.

— Isso aconteceu bem na hora do jantar — comentou Mestra Miele. — Parece que aprenderam a trabalhar em conjunto. Lembrem-se de que é fundamental para um mago, feiticeiro ou conjurador cooperar e prestar atenção ao que seus aliados dizem. Mesmo a menor das discórdias pode desfazer tudo.

Merlin e Aurora permaneceram em silêncio, concordando com a cabeça no final. Ambos evitaram se olhar e agiram como se o outro não existisse enquanto caminhávamos pelos corredores.
______________________________________

Gostaram?

Até a próxima 😘

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top