Capítulo Vinte

Victor Jones:

Era a notícia sobre um cadáver mutilado de um velho. O cadáver mal tinha a cabeça sobrando, a pele de sua bochecha rasgada como papel, mas o que restou de sua face contava uma história de terror e dor além da imaginação. O corpo foi arrastado até rasgar em trapos e farrapos. Dentro dos ferimentos mais profundos, nas fendas irregulares, pequenas névoas negras saíam do corpo.

Rebecca colocou a mão sobre a boca, o choque estampado em seu rosto. Anna, horrorizada, fixava o olhar na foto do cadáver, mas em seus olhos havia um brilho de análise. Sua expressão, embora assustada, revelava a mente de uma investigadora forense trabalhando, examinando cada detalhe com precisão clínica. A tensão no ar era palpável, como se o peso da tragédia e da curiosidade investigativa se entrelaçassem em um nó de emoções conflitantes.

— A vítima foi pega desprevenida, deve ter sido atacada de cima — disse Anna, com uma frieza analítica.

— Só com uma foto conseguiu perceber isso? — perguntei, horrorizado.

— Claro que não, só olha a posição do corpo — Anna respondeu, estalando a língua. — Eu diria que ele estava procurando alguma coisa, e, enquanto estava distraído, foi atacado de dentro para fora.

De repente, ouvi um barulho vindo na minha direção e, em seguida, uma pilha de livros caiu na frente de Anna, que sorriu amplamente.

— Mais livros sobre armas e investigação forense? — comentou Rebecca, olhando para Anna com curiosidade. — Você está pensando em se tornar especialista em tudo isso? Desde que te conheci, você está sempre lendo esses livros.

— É o meu jeitinho — respondeu Anna, abrindo um dos livros com entusiasmo renovado.

Rebecca me olhou como se tudo isso fosse uma loucura.

Merlin guardou o celular de volta no bolso e voltou a se concentrar no seu livro.

— Melhor aproveitar — falou Duncan. — Em instantes, a escolta do Victor virá e nos levará de volta para o castelo.

Anna se levantou rapidamente, fechando o livro com força sobre a mesa.

— Então temos mais coisas para mostrar ao Victor — disse Anna, pegando minha mão e a de Rebecca. — Vamos, sei muito bem que esses dois não vão sair daqui tão cedo até terminarem esses livros.

Antes que os outros pudessem responder, Anna nos puxou para longe, a determinação em seus olhos brilhando intensamente.

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Passamos por livrarias especializadas em monstros, demônios e outras criaturas, além de lojas de música, lanchonetes e cinemas. Anna me contava a história de cada lugar, enquanto Rebecca apontava para os lados, como se cada detalhe fosse algo grandioso que eu deveria saber.

Para mim, naquele momento, era apenas uma rua comum cheia de pessoas comuns. Seria realmente possível que houvesse montes de ouro dos bruxos enterrados quilômetros abaixo dali? Haveria realmente lojas que vendessem livros de feitiços e vassouras?

Comecei a acreditar quando um gnomo surgiu de dentro de uma loja e um ogro estendeu a mão para entregar uma rosa a uma ninfa que corou. Na verdade, não poderia dizer com certeza, pois sua pele verde-limão ficou apenas um pouquinho mais clara.

— É aqui — disse Anna, parando. — Taverna Encantada. É um lugar famoso aqui na capital, sempre venho aqui.

Ela abriu a porta com um sorriso de expectativa, e a atmosfera mágica e acolhedora da taverna nos envolveu instantaneamente.

Era um barzinho sujo. Se Anna não tivesse apontado, eu nem teria notado sua existência, de tão oculto que estava no lugar. As pessoas que passavam apressadas nem olhavam para aquele lado. Seus olhos corriam da grande livraria de um lado à loja de música do outro, como se a taverna fosse invisível. Quando alguém finalmente olhava, fechava a cara e continuava seu caminho.

Tive a sensação de que esse lugar só era famoso para quem vivia por ali ou conhecia o dono. Antes que eu pudesse comentar isso, Anna e Rebecca me empurraram para dentro.

Para um lugar famoso, ele parecia um bar comum, mas com ótima iluminação. Havia algumas senhoras idosas sentadas em um canto, bebendo pequenos cálices de xerez. Uma delas fumava um longo cachimbo, enquanto a outra soprava fumaça de seu cigarro, criando formas diferentes, até uma borboleta que bateu asas e depois desapareceu no ar. Ao lado, um lobisomem parecia estar choramingando enquanto uma fada dava tapinhas em suas mãos, dizendo que era o melhor a terminar.

Um homenzinho com orelhas de burro conversava com um senhor careca que presumi ser o dono do bar, cuja pele lembrava uma noz viscosa.

O zum-zum das conversas parou quando entramos. Todos pareciam conhecer Anna e Rebecca; acenaram e sorriram na direção delas. O dono pegou um copo e perguntou:

— O de sempre, Anna? Imaginei que estaria de castigo ou em uma missão. — Sorriu amplamente.

— Sim, por favor — Anna disse, jogando-se no assento. — Mas não tenho feito nada para ficar de castigo tão fácil.

O dono ia dizer algo, mas quando me viu, congelou.

— Meu Santo Graal! — Ele exclamou e veio na minha direção, apertando minha mão com força e balançando-a, lágrimas nos olhos. — É uma honra ter o Guardião na minha taverna. Anna, sua espertinha, por que não disse que iria trazê-lo? Eu teria preparado algo especial.

— Quis mostrar como é o melhor lugar da capital — Anna disse com um grande sorriso.

Todos olharam para mim e começaram a se levantar.

— Pessoal, ele está cansado, só veio relaxar — Rebecca disse, colocando-se na minha frente.

Soltando resmungos, mas sem se moverem dos lugares, Anna me puxou para um lado e eu me sentei calmamente.

Peguei o cardápio e olhei para os nomes das comidas. Gafanhotos com mel faziam parte dos especiais do dia, assim como pratos de carne crua, peixe cru inteiro e algo chamado sanduíche de morcego torrado. Uma página da seção de bebidas era dedicada a diferentes tipos de sangue que tinham em barril; para meu alívio, eram diferentes tipos de sangue animal, e não tipo A, tipo O ou tipo B negativo.

— Não peça nenhuma das comidas de fadas — disse Rebecca, olhando por cima do cardápio. — Em geral, deixam os humanos um pouco doidos. Uma hora você está comendo uma ameixa de fada, e de repente está dançando pelado.

Anna riu.

— Isso me faz lembrar de Merlin — disse Anna. — Já aconteceu com ele duas vezes. Rebecca, você se lembra... — Ela começou, iniciando uma história com tantos nomes e pronomes misteriosos que nem me incomodei em tentar acompanhar.

Levantei, querendo usar o banheiro, e perguntei onde ficava. Rebecca apontou com o dedo polegar, e eu fui na direção indicada.

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No banheiro, sentei-me em silêncio enquanto o caos se desenrolava lá fora. O som de algo sendo derrubado, seguido por um objeto pesado chocando-se contra o chão, ressoou pelo ambiente, fazendo arrepiar os pelos da minha nuca. Um barulho arrastado se seguiu, aproximando-se rapidamente.

Deslizei para fora do banheiro e, por um breve momento, senti alívio ao encontrar a entrada vazia. No entanto, meu alívio foi substituído pelo horror quando olhei para baixo.

Agachada no chão estava uma criatura longa e escamosa, com um conjunto de olhos vazios e negros no centro do crânio. Era uma mistura grotesca de crocodilo e centopeia, com um focinho grosso e liso e uma cauda peluda que se agitava perigosamente. Múltiplas pernas se moviam sob seu corpo, preparando-se para o salto, e sombras inquietantes emanavam de sua boca.

Agachei-me no momento em que a criatura lançou seu ataque. Rolei para o lado, escapando por centímetros, enquanto suas garras cravavam sulcos profundos no chão. Um rosnado ameaçador ecoou de sua garganta.

Rapidamente, me pus de pé e corri pelo corredor, mas a criatura deslizou pelo chão, colidindo com a parede e rolando de barriga para cima. Enquanto ela se levantava, um rugido ensurdecedor ressoou em meus ouvidos.

Diante de mim, surgiu um gigante monstruoso, largo como um carvalho, empunhando um machado afiado. Panos rasgados pendiam de sua pele suja, e seu cabelo era uma massa suja e emaranhada. O odor de suor pútrido e carne em decomposição emanava dele, e seu rosto deformado inspirava terror.

Minhas mãos começaram a brilhar enquanto ele avançava, e eu ataquei, desviando-me e ferindo o gigante. Ele cambaleou para trás, soltando um urro de dor.

Virei-me e corri em direção à escada, ouvindo a criatura atrás de mim, seus passos soando como marteladas de chumbo. Olhei para a escada e subi rapidamente, consciente de que estava sendo perseguido; os passos pesados da criatura se aproximavam cada vez mais.

Cheguei ao térreo e, ao me virar para fechar a porta, esta balançou nas dobradiças sob um tremendo impacto que ecoou pelo apartamento. Outra batida se seguiu, e desta vez as dobradiças cederam, a porta voou para fora. Teria me derrubado se eu não tivesse agido com rapidez. De repente, o gigante estava no topo da escada, minhas mãos brilhando como estrelas cadentes. A criatura gigantesca saiu pela porta destruída e investiu em minha direção. O machado voou pelo ar, mas consegui desviar, fazendo-o cravar profundamente no corrimão de madeira.

Palavras surgiram em minha mente.

— Tempestade de fogo! — gritei. Um pequeno furacão mágico surgiu de minha palma e avançou na direção da criatura enfurecida. Levantou ambos os monstros do chão, enquanto eles se debatiam no turbilhão de chamas.

A criatura então mergulhou em minha direção com as mãos estendidas. Rolei para o lado e, no último momento, algo apareceu em minha mão, que desferiu um golpe certeiro. Os punhos gigantescos da criatura foram decepados, e ela cambaleou e caiu, arrastando-se. Emitiu um grito horrível, seguido de batidas pesadas e silêncio. Olhei para baixo e vi as criaturas começando a se desfazer lentamente, a fumaça escapando de suas bocas.

As sombras olharam em minha direção e desapareceram no ar. Sentei-me no chão, ofegante, olhando para a espada encantada que surgira em minhas mãos e começava a desaparecer.

Levantei-me apressadamente e corri para o andar de baixo. Uma multidão se formava ao redor do gigante e da criatura, ambos com partes do corpo chamuscadas. O gigante não estava exatamente morto, mas lutava debilmente, espuma sangrenta escorrendo de sua boca. Seu rosto estava pálido como papel, coberto por uma rede de cicatrizes pretas e horríveis que quase obscureciam suas feições. Seus olhos eram poços vermelhos supurantes. Anna aproximou-se e ajoelhou-se ao lado dele.

Anna olhou para o gigante agonizante com compaixão em seus olhos. Ela inclinou-se sobre ele, sussurrando palavras em uma língua antiga e mágica. Uma aura suave de luz começou a cercar o gigante ferido, acalmando seus tremores e diminuindo sua agonia.

Enquanto isso, a multidão que se formara ao redor observava com admiração e temor, vendo a habilidade de Anna em ação. Alguns sussurravam entre si, nervosamente.

Com um último suspiro, o gigante cessou suas convulsões e relaxou. Seu rosto deformado parecia mais sereno, as cicatrizes suavizando-se lentamente. Anna retirou a mão de seu peito e olhou para mim com um olhar sério.

— Ele está morto? — perguntei.

— Quase morto, mas posso dizer que ele estava sob algum tipo de feitiço ou controle — ela explicou. — Não estava aqui por vontade própria. Precisamos descobrir quem o estava manipulando e por quê.

— Quem quer que seja, tem poder suficiente para fazer algo desse patamar — Rebecca falou, olhando para o gigante com pena. — Pobre alma.

Concordei com a cabeça, compreendendo a gravidade da situação. Ainda havia muitos mistérios sobre aquele mundo mágico que precisávamos desvendar. Enquanto Anna continuava a cuidar do gigante, olhei em volta e vi a escolta vindo em nossa direção.

Duncan e Merlin vinham logo atrás, com cautela, observando a cena com olhos atentos.

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Gostaram?

Até a próxima 😘

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