Capítulo Trinta e Sete
Victor Jones:
Quando o primeiro vislumbre do amanhecer começou a clarear o horizonte, saltei da cama e deslizei as cortinas do meu quarto no palácio, deixando os últimos resquícios da frescura matinal entrarem. Desembaraçando-me das roupas de baile, meu corpo exausto ansiava pelo momento em que finalmente caí na cama, ainda impregnado com a lembrança nítida do quase beijo com Merlin.
Depois de cumprir meu dever de conversar com cada convidado durante três longas horas na festa, peguei o celular e percebi que havia perdido grande parte da manhã. Mensagens da minha família, preocupados com minha ausência durante as férias, inundavam a tela.
Com a mente agora alerta, coloquei o celular de lado, determinado a encontrar o rei Orwen e discutir a situação de Meteora, desfazendo a punição que pairava sobre ela.
Ao entrar no banheiro, deparei-me com uma banheira já cheia de água fria, indício de que os servos haviam passado. Apesar da tentação de usar magia para me limpar em segundos, optei por uma lavagem manual. No mundo mágico, até as tarefas mais simples eram feitas com feitiços, mas eu ainda acreditava em manter a higiene pessoal de forma tradicional.
Enquanto me vestia com botas de couro cinza, jeans e uma camiseta, meu olhar caiu sobre uma túnica com o brasão da família real de Florença, bordada meticulosamente em fio de seda.
— Com licença, poderia me levar até onde o rei está? — perguntei à empregada que apareceu, e ela me olhou curiosa. — Me desculpe, mas pode me dizer seu nome?
— Sou Roena, Guardião — ela respondeu, fazendo uma reverência.
Frustrado pelo título que todos me conferiam, que parecia pesar sobre meus ombros, eu a interrompi:
— Me chame pelo meu nome.
Roena hesitou, mas acabou concordando:
— Como desejar, senhor Victor.
Um sorriso sincero se formou em meus lábios, agradecendo por finalmente alguém me tratar com simplicidade. Contudo, o desconforto não demorou a retornar quando outros empregados continuaram a se referir a mim como "Guardião" enquanto seguia Roena pelo palácio.
Enquanto andávamos em silêncio, ouvia os murmúrios sobre a festa da noite anterior e como os fogos de artifício celebravam o aniversário de casamento do rei e da rainha, mas agora tudo parecia ofuscado pela minha presença.
Era claro como as pessoas depositavam grande fé e expectativa em um Guardião, como se fosse uma divindade. Até mesmo aqueles menos envolvidos com assuntos sociais acreditavam nisso, e era dito que aqueles com boas relações com os Guardiões eram favorecidos pelos líderes das nações na dimensão mágica.
Olhando para meu reflexo em uma janela, eu ponderava como alguém poderia depositar todas as suas crenças em mim.
Roena me interrompeu, indicando a sala do rei com dois guardas postados à porta.
— Senhor Victor, espero que tenha uma reunião produtiva com Sua Alteza.
Agradeci a Roena sinceramente, ciente de que meus amigos estavam preocupados comigo. Nos últimos meses, eles cuidaram de mim sem esperar recompensas, tornando-se meus verdadeiros amigos neste mundo mágico. Agora, eu estava prestes a enfrentar o rei, mesmo sabendo que ele me via como um adversário depois da reunião tumultuada.
Roena respondeu com um sorriso caloroso, e eu bati à porta do rei, esperando sua permissão para entrar.
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O rei Orwen estava imerso em sua papelada, rodeado por vários livros espalhados pela mesa. Seus cabelos caíam elegantemente sobre seus olhos, e a gola do gibão azul-claro estava desabotoada, revelando um colar com um pingente dourado.
Ele ergueu as sobrancelhas quando me viu entrar.
— Victor, não esperava vê-lo tão cedo — ele disse com um sorriso.
Decidi fazer uma reverência exagerada, esperando que ele apenas me considerasse desajeitado.
— Vossa Alteza, vim ao seu escritório para discutir a possibilidade de retornar ao mundo humano — falei, mantendo-me respeitosamente formal enquanto ele me estudava.
Houve uma batida na porta, e um empregado entrou com uma bandeja de prata, colocando-a sobre a mesa do rei. Com destreza, o rei serviu chá, cujo aroma denso permeou a sala.
— Aceita uma xícara? Este chá é conhecido por limpar a mente de impurezas — ele ofereceu. Recusei, sentindo-me desconfiado de suas intenções.
— Vamos direto ao ponto — insisti, e isso o fez rir.
— Muito bem, uma vez que estará aqui por um tempo, sente-se — ele disse. — Nossa conversa pode ser longa, e não quero que fique desconfortável em pé.
Concordei e me acomodei em uma das poltronas de couro vermelho.
— Quero voltar ao mundo humano. Você sabe que não precisa de mim o tempo todo, e tenho Erick, o cavaleiro, e Matt, a pixie, me observando de perto.
O rei Orwen arqueou uma sobrancelha.
— Quem é esse Matt? — ele perguntou. — Refere-se à pequena pixie cuidada pelo sumo sacerdote Horeom?
— Sim, é dela que estou falando, e você também pediu que ela me vigiasse. Não entendo por que age como se temesse que eu desaparecesse a qualquer momento.
Ele ergueu a xícara de chá como se eu tivesse tocado em um ponto sensível.
— Você deve entender que me preocupo com o bem-estar do meu povo. Você é a nossa esperança, e temo que se voltar ao mundo humano, possa ser corrompido. As pessoas da dimensão mágica e do mundo humano não devem se misturar.
— Não ouse alegar que é por meu próprio bem — rosnei.
Ele se recostou na cadeira, intrigado.
— Sua posição determinada é o que um herói deste mundo precisa — ele respondeu, tornando-se mais sério. — Eu deixei os humanos para trás. Concentre-se em seu futuro como Guardião.
— Não aceitarei essa decisão — levantei-me de repente. — Isso é injusto, eu não vou virar as costas para a minha família.
O rei parecia estar se divertindo com meu descontentamento.
— É surpreendente ouvir isso tão afirmativamente. Sei que os humanos são mestres em mentir, mas vê-lo negar sua verdadeira natureza é fascinante. Nasceu no mundo humano, mas não é mais plenamente humano. Você se engana.
Senti meu coração acelerar, ele estava me tratando como um joguete. Indicava que sabia como me controlar e manter-me sob seu domínio. O que o rei Orwen queria de mim? Será que havia alguma relação entre ele e Camilla?
Lembrei-me de Urlac, que tinha conhecimento dos segredos de Camilla. Minha mente clareou. Nos últimos dias, Camilla estava se deteriorando sem contar a ninguém. Muitos sentiram essa perda, pois minha predecessora nunca confiou em ninguém depois de ser traída.
— Você teme que eu acabe como Camilla — falei. — Ela não confiou em seus companheiros, e agora você age como um protetor excessivamente zeloso.
Depois dessa breve exposição, percebi que o rei talvez não levasse minhas palavras a sério, mas ele parecia satisfeito, como se tivesse encontrado uma pérola rara.
— Agora — disse ele — você percebe como me preocupo com sua segurança. Isso me obriga a agir como seu adversário, mas faço isso pelo bem do meu povo, e você faz parte dele.
— Não parece assim com Meteora — respondi com aspereza. — Nem com Merlin, Duncan e Anna Shinewood, todos eles carregando o fardo dos pecados de seus pais.
O rei Orwen ergueu a xícara de chá como se eu tivesse tocado em um ponto sensível.
— Neste mundo repleto de regras, políticas e conspirações, alguns devem ser exemplos para os outros — ele explicou, inclinando a cabeça para me olhar nos olhos. — Esqueça aqueles que conheceram você no passado, apenas seja quem deve ser agora para o nosso mundo.
— Nunca vou fazer algo desse tipo — declarei, minha voz carregada de raiva. Sabia que suas palavras eram sinceras, mas a verdade por trás delas era inaceitável para mim.
O rei Orwen colocou a xícara de chá sobre a mesa, seu olhar tornando-se mais penetrante.
— Você é obstinado, Victor, e isso é uma qualidade e uma fraqueza. Sua ligação com o mundo humano é uma distração. Precisa aceitar seu papel aqui, como Guardião.
Meu sangue fervia, mas respirei fundo, tentando manter a calma.
— Meu papel como Guardião não significa que devo abandonar minha humanidade, nem aqueles que amo. O mundo mágico e o mundo humano não precisam ser inimigos. Podemos coexistir.
Orwen balançou a cabeça lentamente.
— Sua ingenuidade é quase encantadora, mas perigosa. Você acha que pode unir dois mundos que sempre estiveram separados por boas razões?
— Não vou desistir — repliquei, a determinação crescendo dentro de mim. — Vou encontrar uma maneira de unir esses mundos, com ou sem sua permissão.
Orwen ficou em silêncio por um momento, seus olhos avaliando cada palavra minha. Finalmente, ele suspirou.
— Eu sabia que seria difícil convencê-lo. Mas lembre-se, Victor, este mundo é mais complexo do que você imagina. Sua determinação pode levá-lo a lugares sombrios.
— Estou disposto a correr esse risco — declarei firmemente.
O rei se levantou, caminhando até a janela e olhando para o horizonte.
— Muito bem, então. Vamos ver até onde sua determinação pode levá-lo. Mas não pense que vou facilitar as coisas para você. Há forças neste mundo que você ainda não compreende. Forças que podem destruir você e tudo o que ama.
Eu me aproximei dele, minha voz baixa, mas firme.
— Vou enfrentá-las. E vou vencer. Pelo bem de todos, tanto humanos quanto mágicos.
Orwen virou-se para mim, uma expressão enigmática no rosto.
— Veremos, Guardião. Veremos. Não irei comentar nem sua relação com aquelas crianças dos traidores.
Sua menção aos traidores, criaturas misteriosas conhecidas por sua sabedoria e poder, me pegou de surpresa.
— Não subestime o poder das alianças que fiz, eles não tem culpa dos pecados dos pais — respondi, minha voz carregada de desafio. — Eu encontrarei uma maneira de superar qualquer obstáculo que colocar no meu caminho.
Orwen sorriu, um sorriso frio e calculista.
— Muito bem, Victor. Você tem coragem, eu admito. Mas lembre-se, a coragem sem sabedoria é uma espada sem fio. Espero que esteja preparado para as consequências de suas escolhas.
— Estou — afirmei, sentindo a força de minha convicção. — E enfrentarei tudo de cabeça erguida.
Saí da sala do rei com uma determinação renovada, pronto para enfrentar os desafios que viriam. Sabia que a jornada seria difícil, mas estava preparado para lutar por um futuro onde humanos e seres mágicos pudessem coexistir em harmonia.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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