Capítulo Sete
Victor Jones:
Estranhei quando nos juntamos aos demais do lado de fora. Notei que algo escorreu pelos olhos dos outros e eles ficaram estáticos por alguns segundos antes de voltarem ao normal. Um silêncio pesado pairava no ar, carregado de emoções que não podiam ser expressas em palavras. O clima estava tenso, como se algo significativo tivesse acontecido, mas eu não tinha ideia do que poderia ser. Minha mente se encheu de perguntas enquanto observava as reações dos presentes, tentando decifrar o que havia acontecido.
Então, notei o diretor e os professores pedindo calma, e segundos depois tudo estava resolvido. Houve apenas um mau funcionamento em um dos sintetizadores de uma sala, mas as coisas voltaram ao normal rapidamente. Engoli em seco conforme o restante das aulas prosseguia, observando mais criaturas que, dessa vez, estavam bem calmas. Algumas até mesmo adormeceram ao meu redor. Tive vontade de tirar uma foto, mas imaginei que isso não seria possível, já que parecia que só eu conseguia vê-las. A sensação de estar cercado por algo misterioso e inexplicável deixou-me inquieto, mas ao mesmo tempo curioso sobre o que mais poderia estar além do meu alcance sensorial.
Pelo que reparei, quem viu o monstro teve sua memória modificada por magia. Achei isso interessante, mas também muito triste, pois ninguém vai se lembrar do meu feito.
— Por que está emburrado? — Carla sussurrou no meu ouvido.
— Não é nada — respondi, enquanto observava a pequena criatura que pulou da minha mesa e foi até o lado de fora. Notei quando Anna a pegou no ar e fez um cafuné nela.
— Está emburrado, sim — Brian comentou.
Tentei disfarçar, mas não consegui evitar um suspiro. Brian tinha razão, eu estava emburrado, e tudo o que aconteceu não saía da minha cabeça. Aquele monstro, a reação das pessoas, a mágica... era tudo tão surreal. Mas não podia contar para os meus melhores amigos, pois eles esqueceriam ou me chamariam de maluco. Simplesmente sorri, tentando esconder a mistura de frustração e fascínio que sentia. Meu coração batia acelerado, sabendo que carregava um segredo tão extraordinário, algo que ninguém mais poderia compreender ou lembrar.
Eles desistiram de tentar falar alguma coisa e foram se afastando. Continuei andando e parei na frente do meu armário verde de metal, depois que o último sinal do dia havia tocado. A situação que presenciei antes ainda vinha à minha mente, com a imagem de mim lutando com a adaga de Anna. Posso até me imaginar saindo em uma aventura usando uma coisa dessas. Balancei a cabeça, olhando para o armário que ainda tinha as mesmas coisas do ano anterior pregadas. Apesar de tudo, ainda era eu, mas ao mesmo tempo, alguém completamente mudado.
A mistura de emoções me consumia – medo, empolgação e um sentimento de que algo maior estava por vir. O mundo parecia mais vasto e cheio de segredos que eu mal podia compreender, mas uma coisa era certa: eu nunca mais seria o mesmo.
Ouvi uma batida no armário ao lado e, então, Anna se encostou ali.
— Então, pode ver que tive que ficar de olho em você. Meus irmãos dizem que devemos ver com a Meteora o que fazer com você, ainda mais com o Merlim insistindo como um doido — Anna disse. Fiz o máximo para ignorar a sua expressão de descrença na minha direção. — Sabe, pelo que sei da Mestra Meteora, é capaz de querer te sequestrar e levar para outro lugar para esquecer o que viu, mas pelo visto nem a magia das dimensões que esconde a verdade dos outros mundanos fez efeito em você. Um feitiço deve dar um jeito em certos casos que ouvi; soube que as pessoas perderam todas as memórias. Mas sei que tem segredos, afinal, com um simples toque, destruiu aquele monstro dias atrás e ainda usou minha adaga como se soubesse o que fazer. — Ela fez uma pausa, estalando a língua. — Sabe como é frustrante pensar que eu, uma maga fantástica, fui salva por um mundano?
— Cala a boca — falei friamente, notando que era exatamente isso que ela queria. Soltei um suspiro e olhei na sua direção. — Pode só aceitar que tive sorte com sua adaga. O que garante que um feitiço bem elaborado não poderia me fazer esquecer de tudo?
Ela sorriu, e notei alguns alunos passando por mim, sussurrando entre eles e apontando para mim. A sensação de estar no centro de algo tão grande e secreto me deixava inquieto, mas também determinado a descobrir mais sobre esse mundo oculto e as habilidades que, aparentemente, eu possuía.
— Você tem segredos demais — Anna disse, olhando para as unhas dela. — Pessoas como você, que escondem as coisas, são as mais perigosas.
— Esqueça — resmunguei, revirando os olhos. — Eu realmente não sei como consigo ver você, mas coisas acontecem comigo desde sempre.
Ela me olhou ceticamente, o que me fez soltar um suspiro.
— Estou dizendo que podemos conversar. Tem um lugar aqui que seria melhor — falei, apontando para ela me seguir enquanto o sinal indicava o final das aulas.
Para um aluno, o som do sino mais bonito é naturalmente aquele que sinaliza o fim da aula. Após um dia inteiro cheio de aulas monótonas, alguns alunos bocejaram enquanto carregavam suas mochilas. Fui na direção oposta com Anna ao meu lado, fazendo o possível para que ninguém notasse para onde estávamos indo enquanto caminhávamos para a parte de trás da montanha.
Agradeci mentalmente que Brian e Carla não estavam me procurando, nem mesmo meu irmão. Com eles por perto, seria difícil conversar com Anna, que estava resmungando sobre o destino de nossa caminhada.
— Você está querendo fugir desse lugar? Não está planejando me levar para um lugar e me matar, está? — Anna disse. — Sou a mais veloz e acabarei com você em segundos.
Abri um sorriso forçado, notando que na direção em que estávamos indo quase não havia ninguém. Nunca tinha ninguém nesse caminho após o final das aulas.
— Relaxa, não sou louco de tentar algo assim — respondi, tentando parecer mais tranquilo do que realmente estava. — Só quero um lugar onde possamos conversar sem sermos interrompidos.
Chegamos a uma clareira escondida atrás da escola, um lugar tranquilo e isolado. Parei e virei-me para encará-la, esperando que ela percebesse a seriedade da situação. Anna cruzou os braços, ainda cética, mas pelo menos estava disposta a ouvir.
— Olha, eu realmente não sei por que consigo ver essas coisas, mas desde que me lembro, coisas estranhas acontecem comigo. Não estou tentando esconder nada, só estou tentando entender — expliquei, tentando transmitir minha sinceridade.
Ela me olhou por um momento, seus olhos suavizando um pouco.
— Tudo bem, vamos conversar então — disse ela, dando um passo à frente. — Mas saiba que ainda estou de olho em você.
Assenti, aliviado por finalmente ter a chance de falar com ela sem interrupções.
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A parte de trás da escola dava nessa clareira e, no final, havia uma pequena cabana; basicamente, ninguém a usava desde o início. Antes, esse lugar era protegido por um guarda da montanha, posicionado nos fundos da academia para garantir a segurança dos alunos e evitar que fugissem para os cibercafés. Então, a escola nomeou esse homem como protetor da entrada dos fundos.
Ele não tinha parentes nem amigos. Quando faleceu, ninguém fez perguntas sobre ele; assim, a escola o enterrou descuidadamente. Nós dois estávamos bastante familiarizados um com o outro. Antes de falecer, o velho também havia deixado algumas coisas para mim. Só me lembrei das boas intenções do velho hoje, por isso decidi dar uma olhada na cabana de palha, um ótimo lugar para conversar.
A velha cabana ainda estava ali, intacta, mesmo com a natureza ao redor tentando reivindicar seu espaço. Peguei a chave escondida e abri o trinco. Anna me observava com curiosidade misturada com ceticismo.
— O que é este lugar? — ela perguntou, olhando ao redor.
— Era a cabana do velho guarda da montanha. Ele cuidava da segurança aqui e me deixou algumas coisas antes de morrer. Achei que seria um bom lugar para conversarmos sem sermos interrompidos — expliquei, empurrando a porta e deixando que ela entrasse primeiro.
O interior da cabana era simples, com poucos móveis e uma leve camada de poeira cobrindo tudo. Havia uma mesa velha, duas cadeiras e algumas prateleiras com objetos antigos.
— Sente-se — ofereci, indicando uma das cadeiras. — Vamos conversar sobre tudo isso, longe de olhares curiosos.
Anna hesitou por um momento, mas acabou se sentando, ainda me observando atentamente. Sentei-me à frente dela, sentindo o peso do momento.
— Então, você realmente não sabe por que consegue ver essas coisas? — ela perguntou, ainda cética.
— Não sei, de verdade. Desde pequeno, coisas estranhas acontecem comigo. Não estou tentando esconder nada, só quero entender — respondi, esperando que ela acreditasse na minha sinceridade.
Ela ficou em silêncio por um momento, como se ponderasse sobre o que eu havia dito.
— Tudo bem, vamos conversar então. Mas saiba que ainda estou de olho em você — disse ela finalmente.
Assenti, aliviado por ter a chance de falar com ela sem interrupções. Talvez, ali na velha cabana, pudéssemos encontrar algumas respostas.
— Desde o início, sinto uma sensação de estranheza e, quando penso, faço o impossível sem nem perceber — falei. Anna me olhou desconfiada enquanto se sentava.
— Este lugar está emitindo magia — ela declarou. — Está impedindo que qualquer pessoa venha para esse lugar e, principalmente, os monstros. Mas está deixando você entrar sem problema, como se... não sei ao certo.
— Faz sentido na parte de ter magia. O senhor Bianco sempre disse que era descendente de alguém incrivelmente poderoso — falei pensativo. — Ele era um porteiro magnânimo, muito indiferente em relação aos tópicos de vida e morte. Dizia que este terreno era algo mágico que seu ancestral havia cultivado.
Me agachei ao lado da cama, começando a procurar a caixa com o anel de cinco mil anos que ele havia deixado para mim antes de falecer. Facilmente encontrei a caixa de madeira. Quando a abri, senti uma leve aura obscura emanando dela; de fato, parecia bastante misteriosa. No entanto, tenho dezesseis anos e não acreditava que haveria algo como uma técnica de cultivo neste mundo. Definitivamente não acredito no recluso que disse que, se usasse esse anel e praticasse essa técnica de cultivo, seria capaz de salvar o universo.
O anel, negro como breu, tinha uma aparência comum. Se alguém quisesse saber o que havia de mais peculiar nele, perceberia que o interior tinha oito pequenos furos que qualquer artesão poderia fazer.
No momento em que coloquei o anel, senti um calafrio congelar meu coração. Essa coisa, que me fazia tremer no calor do verão, era bem estranha.
— Anna, acho que esse anel tem algo a ver com tudo isso — falei, ainda sentindo o calafrio percorrer meu corpo. — Talvez o senhor Bianco soubesse mais do que deixava transparecer.
Anna olhou para o anel em meu dedo, seus olhos brilhando com curiosidade e cautela.
— Então vou ser direta — disse Anna, ignorando o anel. — Eu não confio em você. Você é uma incógnita para mim, usando magia em um mundo que não tem nada de mágico ou vendo através do melhor feitiço de ocultação.
Ela esperou alguma reação, e eu senti meu coração disparar.
— Como assim? E as criaturas que vi mais cedo? Elas têm magia e ainda a mudança na memória das pessoas — falei, tentando entender. — Isso já era de se esperar.
— Criaturas mágicas que fugiram da minha dimensão para este mundo — Anna explicou, olhando ao redor da cabana. — Mas acho que posso dizer que, em toda esta cidade ou mundo, a única coisa mágica é esta cabana. Pelo que vi, você sabe muito sobre magia. O homem que morava aqui era descendente de um feérico, e como deve saber, eles não guardam muitos segredos, diferente dos verdadeiros feéricos, que são perversos. É claro que conhece muito sobre magia ou o outro plano.
Suas palavras me deixaram confuso e ansioso. Estava claro que ela tinha suas dúvidas, e eu precisava convencê-la da minha sinceridade.
— Anna, eu realmente não sei por que consigo ver essas coisas ou usar magia. Sempre fui diferente, mas nunca tive respostas. Talvez esse anel tenha algo a ver com isso. Eu só quero entender o que está acontecendo comigo e por que tudo parece tão... surreal — disse, minha voz cheia de emoção e desespero.
Anna olhou profundamente em meus olhos, como se estivesse tentando ler minha alma.
— Talvez você esteja dizendo a verdade. Mas ainda não confio completamente em você — disse ela, suavizando um pouco o tom e ficando surpresa por alguns segundos. — Como fez isso?
Olhei confuso para ela.
— Do que está falando? — perguntei.
— Até um tempo atrás, seu corpo não tinha nenhum sinal de energia mágica ou muito menos de cultivo de nenhum poder mágico, mas agora consigo sentir com força total — Anna disse, forçando os olhos para me observar. — Pare com isso!
Olhei para o meu corpo, que parecia normal, o que a irritou. Ela puxou meu pulso com força, mordeu a ponta do polegar e desenhou um pequeno símbolo que brilhava enquanto ela murmurava uma língua que eu não conhecia.
Ela se afastou, e senti como se uma onda de energia tivesse varrido meu corpo para longe.
— Isso vai diminuir um pouco — ela disse, olhando para a ponta do dedo. Murmurou outra palavra, e seu polegar se curou.
Fiquei surpreso com a rapidez e a intensidade da sua ação. Sentia uma nova energia percorrendo meu corpo, mas ao mesmo tempo, havia uma sensação de alívio, como se parte da pressão tivesse sido liberada.
— O que você fez? — perguntei, ainda tentando entender o que tinha acabado de acontecer.
— Apenas uma contenção temporária — respondeu Anna, com um olhar sério. — Eu vou voltar para junto dos meus irmãos e falar disso com a Mestra Meteora.
— Como irão me encontrar depois? — perguntei. Ela se aproximou, pegando um fio de meu cabelo.
— Feitiço de rastreamento — ela disse, se levantando. — Tente ficar em silêncio sobre o que aconteceu. Mesmo que tentasse, quem aqui iria acreditar em você? As coisas que fez aqui são irreais demais. Se fosse um mago, bruxo, invocador ou qualquer outra possibilidade que eu conheça de usar magia, isso teria demorado para se mostrar. — Fez uma pausa. — Você é uma brecha.
— O que quer dizer com isso? — perguntei lentamente.
— Uma brecha é algo que só ouvi em histórias, mas digamos o básico: quando um humano da sua dimensão consegue a capacidade de usar magia, essas histórias são bem antigas. Desde a última pessoa que era uma brecha neste lugar... se passaram mil anos — Anna disse, e pulei em pé com a expressão de surpresa dela. — Esse é o caso. Vou informar e depois viremos te buscar.
Antes que eu pudesse reagir, ela estalou os dedos e desapareceu da minha frente.
Fiquei ali, sozinho, tentando processar tudo o que havia acabado de acontecer. Meu coração ainda batia acelerado, e a realidade da situação me atingiu com força.
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Chegando em casa de ônibus, estava extremamente sonolento, e adormeci rapidamente quando entrei no meu quarto.
Uma luz vermelho-sangue brilhou através da escuridão dos meus sonhos, iluminando tudo o que tocava, fazendo com que começasse a se iluminar. Era como uma porta colossal no escuro que se fechava lentamente. A luz que irradiava na escuridão estava sendo sugada para dentro da porta. Quando a luz desapareceu completamente, notei que tudo parecia estar coberto por uma camada enevoada de uma cor bizarra.
De longe, essa área parecia não continuar para lugar nenhum. Sob a luz de sangue, havia uma cena indistinta ao redor da água, como uma miragem. As pessoas com quem sonhei apareceram, e diante delas estava uma mulher vestida como uma guerreira.
Quando ela se aproximou, sorriu para mim e colocou a mão no meu ombro. Um zumbido ensurdecedor surgiu dentro do meu peito. Era como se estivesse reagindo ao reflexo da miragem que revelava a verdadeira vocação das pessoas misteriosas. Lentamente, meu coração e minha mente ficaram calmos.
Ela não me deixou com insegurança ou medo. Apenas me senti tranquilo por estar naquele lugar. A paz que senti era profunda, como se, finalmente, estivesse onde sempre deveria estar. A presença dela era reconfortante, e a cena ao meu redor, apesar de estranha, parecia acolhedora.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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