Capitulo Dezenove - 2°parte

Victor Jones:

Eu estava curioso sobre como Anna e os irmãos eram tratados pelos outros aprendizes e mestres, como se fossem párias. Então aproveitando que só havíamos eu e Rebeca resolvi perguntar.

— Rebecca, posso te fazer uma pergunta? Claro, não precisa responder se não quiser. — Falei, e ela assentiu com um gesto de cabeça. — Por que alguns aprendizes os tratam com desdém ou como se tivessem alguma doença?

Rebecca me olhou com uma expressão mista de tristeza e compreensão.

— Era questão de tempo até você descobrir, e eu só sei o que meus pais me contaram e o que ouvi de alguns mestres. — Ela começou, brincando com uma mecha do seu cabelo, enrolando-a nos dedos. — Quase dezenove anos atrás, um mago se voltou contra o mundo mágico e a ordem do mundo, querendo dominar tudo e subjugar as outras raças. Ele quebrou a mais importante das Leis: desafiou o equilíbrio da magia e da vida, tirando inúmeras vidas violentamente. Esse grupo se chamava Lótus Vermelho e matou dezenas de magos, bruxos, conjuradores e feiticeiros, além de centenas de habitantes de outras raças, durante o último Tratado de Paz no registro do mundo mágico. Mas eles foram derrotados.

— O que a família Shinewood tem a ver com isso? — Perguntei, já suspeitando da resposta.

— Eles se uniram ao líder e à causa dele. — Rebecca continuou. — Meus pais descreviam o líder como um homem carismático, visionário, de grande charme e convicção. Os pais de Duncan foram seduzidos por suas palavras, cometendo inúmeros crimes em seu nome. Meteora, que os ensinou tudo sobre magia, ficou arrasada quando soube dessa traição. Quando foram capturados, todos os governantes de cada país impuseram a sentença máxima... a pena de morte. Quando o líder percebeu que estava prestes a perder, escolheu o caminho dos covardes e se matou, enfiando uma adaga em seu próprio coração.

— Então os pais deles estão mortos. Mas por que ainda são tratados como párias? — Perguntei, perplexo.

— Bem, o rei de Florença inicialmente queria punir as famílias dos traidores, responsabilizando-as pelos pecados de seus entes queridos. — Rebecca explicou. — Ele planejava matar cada membro da família Shinewood como punição pelas vidas que eles tiraram. O conselho imperial e a rainha intervieram e conseguiram alterar sua decisão, transformando a punição em uma maldição que recairia sobre as famílias como um castigo.

— Mas ele não aceitou fazer o mesmo com a família Shinewood. — Comentei, meu coração apertando.

— Exatamente. Ele estava determinado a puni-los, a fazê-los de exemplo para todos que ousassem desafiar a ordem mágica. — Rebecca disse, sua voz ficando cada vez mais áspera. — Ele queria que eles pagassem pelos pecados dos pais.

— Então Meteora e o Sumo Sacerdote Horeom fizeram algum acordo para impedir isso? — Perguntei, compreendendo a gravidade da situação.

Rebecca parecia desanimada.

— Sim, eles fizeram algo para impedir o pior. — Ela confirmou. — Não sei ao certo o que foi, mas às vezes, quando vejo Meteora praticando magia, vejo marcas de castigo em suas costas. Ela parece se cansar facilmente, mesmo com encantamentos simples. Além disso, ela foi impedida de deixar a área onde fica o mosteiro e o internato.

— Ela assumiu a punição no lugar da família Shinewood. — Falei, meu coração doendo com a ideia.

— Exatamente. Eles também foram retirados dos registros mágicos, tornando-se renegados em relação ao mundo. Duncan está determinado a se tornar alguém que possa trazer honra para os irmãos e salvá-los dessa vida de rejeição e possível vilania perante a ordem mágica. — Rebecca concluiu, suspirando. — Mas, não importa o quanto ele tente, sempre encontram uma maneira de dificultar o seu progresso. Afinal, os pecados dos pais caem sobre os filhos.

Não fiz mais perguntas sobre esse assunto. Estava farto de fazer perguntas cujas respostas apenas me faziam sentir raiva da injustiça cometida contra pessoas tão boas como os irmãos Shinewood. Os erros dos pais deles não deveriam recair sobre eles.

— Existe alguma maneira de ajudá-los? — Perguntei, determinado.

Rebecca parecia desanimada.

— Já tentei de tudo para mostrar aos outros que eles são pessoas boas, mas não parece funcionar. Victor, o mundo muitas vezes é injusto.

— Mas podemos mudar o mundo se quisermos. — Afirmei, olhando para o céu claro, onde as nuvens se separavam para revelar pequenos traços de azul. — Eu acredito nisso.

— Eu acredito nisso também, mas eles já estão com sérias dúvidas — ela disse. — Até quem diz ser amigo deles muda de expressão quando estão juntos com seus pais. Tenho sorte que minha família não quis se intrometer nesse assunto em relação ao meu namoro com o Duncan, mas pode-se dizer que são neutros a tudo.

Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, algo surgiu atrás de nós.

— Eu tenho boas notícias para vocês. — Ouvimos a voz de Anna e vimos que ela e os outros voltaram com copos de vitaminas, seus rostos radiantes de alegria.

— Qual é a boa notícia? — Rebecca perguntou, curiosa.

— Criamos uma vitamina tão incrível que até mudou nossas vozes por alguns segundos. — Anna disse, empolgada, enquanto Duncan entregava um copo para Rebecca e Merlin me passava outro. — Experimentem!

Tomei um gole da vitamina, sentindo o delicioso sabor de morango e manga. Então, a magia da vitamina se manifestou em segundos, percorrendo minha garganta.

— Devo admitir que esta vitamina é simplesmente divina. Parece que lembrei quais são as minhas frutas favoritas. — Falei, com a voz fina, quase parecendo um esquilo falante, algo semelhante ao que se vê no filme "Alvin e os Esquilos".

— O mérito é do Merlin. — Anna explicou, tomando um gole de sua vitamina. — Eu iria pegar uma igual à minha, mas ele disse que era alérgico.

Olhei para Merlin com gratidão.

— Também tenho outra notícia para compartilhar. — Duncan anunciou. — Parece que a princesa herdeira está de volta para seu treinamento. A vi quando estava na entrada da loja. E acredite, você não tem ideia de como será difícil.

— Ela não é tão ruim assim. — Anna defendeu a princesa.

— Ela e todos da família real são piores do que se pode imaginar. — Merlin comentou baixinho, olhando em volta com cautela. — Parecem demônios disfarçados de seres humanos.

— Se vocês a conhecessem melhor, veriam que ela é uma pessoa divertida e bondosa. — Anna respondeu, um tanto irritada.

— Anna, você está vendo isso com olhos de criança. Ela nunca nos olhará como iguais. — Merlin rebateu, e Anna pisou no pé dele com força. — Sua...

— Parem de discutir. — Duncan interrompeu. — O que importa é que ouvi dizer que a princesa é atualmente a melhor aluna da renomada Escola Imperial de Magia. Seu talento inato para os elementos do gelo é simplesmente incomparável com seus colegas. Ela é capaz de usar magia de gelo com perfeição desde a tenra idade de seis anos.

Fiquei surpreso com a revelação. Se me dissessem que a princesa havia recebido uma medalha de melhor aluna da escola, provavelmente não me importaria muito. Mas a questão era que ela havia se tornado uma Mestra Elemental de Gelo, o que era algo completamente diferente!

A maioria das pessoas tinha que esperar até completar dez anos, o primeiro ano de contato com a magia, para se adaptar à sua energia interna, ser treinada e passar pelo despertar antes de obter sua primeira magia elemental. E mesmo depois disso, não significava que você se tornaria um mestre de verdade. Era necessário passar por um longo processo de treinamento, adquirir um Livro Mágico e praticar diligentemente antes de poder liberar magia com maturidade. A princesa herdeira era realmente impressionante; ela havia se tornado uma verdadeira Mestra Mágica aos seis anos de idade.

Será que ela era a tão falada Criança Prodígio? A Criança Prodígio do Mundo Mágico!

Observei atentamente as expressões de cada um ao meu redor, curioso para saber como eles reagiriam a essa notícia.

— Fico feliz que ela tenha vindo treinar conosco. — Anna falou, parecendo a mais radiante com a notícia.

— Anna, lamento muito por você. Se ao menos você não fosse tão ingênua e inocente quando éramos mais jovens, acreditando que a princesa seria sua amiga. Agora, ela é talentosa e bonita, herdou o caráter dos membros de sua família... com certeza nos enxerga como mero lixo. — Merlin comentou, levantando a sobrancelha para sua irmã.

— Isso aconteceu quando éramos jovens. Pare de remoer o passado e foque no presente. — Duncan interveio, cortando a resposta de Anna. — Não podemos falar mal da família aqui tão abertamente. Vamos logo para a biblioteca.

Anna e Merlin resmungaram, mas concordaram com um aceno de cabeça.

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A biblioteca mágica era uma verdadeira mansão que despertaria inveja até mesmo no meu mundo. Cada centímetro de flores, plantas e árvores havia sido cuidadosamente aprimorado para atingir o nível de um verdadeiro jardim-parque. No entanto, esse belo jardim estava cercado por altas cercas de ferro, como se quisessem proteger seu esplendor.

Quando entramos, um sininho tocou em algum lugar, anunciando nossa chegada. O interior era vasto, parecendo ser do tamanho de um campo de futebol, com um teto cônico em uma parte, como se a biblioteca tivesse sido construída no interior de uma torre. As paredes eram alinhadas com livros, as prateleiras tão altas que escadas enormes eram posicionadas em intervalos ao longo do espaço. Os livros não eram comuns; eles eram encadernados em couro e veludo, decorados com cadeados de pedras brilhantes e iluminados com caligrafias douradas. Eles pareciam desgastados de uma maneira que indicava que não eram apenas velhos, mas muito utilizados e amados. O chão era de madeira polida, incrustado com pedaços de vidro, mármore e pedras semipreciosas, formando um padrão das constelações ou até mesmo um mapa do mundo.

Uma voz suave surgiu atrás de mim. Era uma mulher com olhos castanhos muito claros, brilhando com íris em forma de estrelas.

— Boa tarde — ela cumprimentou.

— Olá — respondi, um pouco constrangido.

— Ah, sim. — Ela pareceu lembrar. — Eu sabia que você viria logo, Guardião. Não é uma pergunta. Você deve estar ansioso para conhecer a história de seus antecessores. Parece que foi ontem que recebi o último relato dos feitos de Camila, a última guardiã que tivemos antes de você aparecer.

— Senhora Cidrix, está assustando-o — Anna interveio.

— Querida, só estou sendo cordial — a senhora respondeu com um sorriso doce e se dirigiu a Duncan. — Trouxe o que prometeu?

Duncan entregou o frasco que havia trazido.

— Ótimo, vou ver se funciona. Vocês podem procurar os livros que lhes interessam ou que foram criados especialmente para vocês.

A senhora Cidrix se afastou, e Anna foi até uma mesa onde um livro voou diretamente para suas mãos.

— Como funcionam os livros criados especialmente para nós? — perguntei.

— A biblioteca utiliza um sistema mágico que faz os livros necessários virem até nós, mesmo sem sabermos quais são. — Duncan explicou. Três livros apareceram diante dele enquanto ele se sentava.

Rebecca ficou ao lado de sua cadeira, e quatro livros surgiram em uma pilha à sua frente. Merlin fez o mesmo, e duas enciclopédias apareceram à sua frente.

O ambiente estava impregnado de uma aura de mistério e conhecimento. A magia que envolvia cada detalhe da biblioteca fazia com que cada um de nós se sentisse parte de algo muito maior, uma história que se estendia por eras. Enquanto percorríamos o lugar, podíamos quase ouvir os sussurros das páginas antigas, contando segredos dos tempos passados.

Anna começou a ler seu livro com um sorriso no rosto, claramente imersa no que parecia ser uma fascinante história de aventuras mágicas. Duncan folheava os livros com concentração, seus olhos brilhando de curiosidade. Rebecca analisava cuidadosamente os textos à sua frente, absorvendo cada palavra como se fossem preciosas. Merlin, com um olhar determinado, já estava profundamente envolvido em suas enciclopédias.

Eu, por outro lado, ainda estava me ajustando à grandiosidade do local. Cada livro, cada estante, cada detalhe parecia ter uma história própria, e eu não podia deixar de me sentir maravilhado. A biblioteca mágica era um verdadeiro santuário de conhecimento, um lugar onde os segredos do universo estavam ao nosso alcance, esperando para serem descobertos.

Continuei andando pela biblioteca, esperando que um livro surgisse para mim, mas nada aconteceu. Então, percebi que uma enorme quantidade de livros estava prestes a cair sobre meu rosto. Levantei a mão em um reflexo instintivo, e o anel em meu dedo começou a brilhar intensamente. Os livros foram instantaneamente sugados para dentro do anel, desaparecendo.

— Vejo que ganhou um anel de armazenamento — a senhora Cidrix comentou enquanto organizava algumas prateleiras em uma escada. — Uma decisão sábia. E como amante de livros, acredito que tenha feito a escolha certa.

Ela continuou seu trabalho, e eu continuei explorando a biblioteca, notando que algumas partes da organização não eram muito diferentes das bibliotecas do meu mundo.

Enquanto percorria os corredores das prateleiras, testemunhei uma discussão sussurrante entre duas pessoas.

— Jovem mestre, peço desculpas, mas esse pedido é um tanto rude, não acha? Como deve saber, tratei muito bem sua família no passado, e agora as crianças têm um forte ressentimento pela sua família devido ao que aconteceu com os registros mágicos. Apesar dos pais dessa família terem cometido tal ato, o rei ainda deixou algumas oportunidades para que eles pudessem trabalhar e se redimir. Se fosse a família de outra pessoa, eu já teria empacotado minhas coisas e ido embora imediatamente. — A voz de um homem soava em tom de advertência para a figura menor.

— Manoel, olhe para isso como a última vez que recorro a você nesse assunto. Se eu tentasse comprar o caminho para que os irmãos Shinewood fossem reinseridos nos registros mágicos, isso levantaria suspeitas dos meus pais sobre mim. Você já está ciente da situação financeira da minha família; não temos meios para arcar com a propina para resolver esse problema. — A figura menor falou humildemente e com paciência.

— Jovem mestre, por que está fazendo isso por causa do fracasso daquelas crianças? Elas mesmas não têm as qualificações necessárias para passar nos exames de admissão em nenhuma instituição respeitável. Deixe o destino seguir seu curso; eles são maiores de idade. Além disso, mesmo se eu as ajudasse a entrar em uma boa escola, com base em seu caráter, elas certamente falhariam e não se tornariam verdadeiros magos. Tornar-se um mago não é apenas uma questão de talento e trabalho duro, mas também requer acesso a livros mágicos, dispositivos mágicos e ferramentas mágicas que essa família simplesmente não pode pagar. Sem esses recursos, eles mal conseguem se tornar Magos de Nível Primário... — Manoel falou com sinceridade, mas havia uma ponta de arrogância em sua voz.

Aquilo me irritou profundamente, então saí do meu esconderijo, olhando diretamente para as duas figuras.

— Vocês já ouviram falar que é horrível se considerar superior aos outros? — falei com firmeza, fazendo ambos saltarem de surpresa.

O garoto, que parecia ter cerca de doze anos, olhou para mim com um semblante culpado.

— Guardião, peço desculpas se mencionei seus amigos de maneira desrespeitosa. — Ele se curvou, revelando seus cabelos brancos, olhos azuis e pele extremamente clara, quase albina. Ele usava um moletom azul e calças bege. — Nossas intenções não são prejudicar ninguém; estamos apenas tentando ajudar.

— Jovem mestre, não é necessário fazer algo assim — Manoel acrescentou.

Coloquei a mão no ombro do garoto.

— Não precisa se curvar, somos todos iguais aqui. Não estou bravo. Suas intenções são nobres, mas esse é um problema que atualmente parece insolúvel. Prometa-me que fará todo o possível para ajudar meus amigos dentro dos limites da lei.

O garoto assentiu com um sorriso no rosto.

— Farei o meu melhor para ajudar. — Ele estendeu a mão. — Meu nome é Rafael Watford, e este é meu cavaleiro, Manoel Salazar.

O cavaleiro me observou em silêncio.

— Podemos continuar a ler alguns livros, mas discutiremos esse assunto mais tarde. — falei, piscando um olho.

— Pode contar comigo para ajudar com essa questão — Rafael disse, com um sorriso tão alegre que me lembrou um cachorrinho, e até parecia que suas orelhinhas se mexeram, como em desenhos animados quando um personagem está feliz.

Fiz carinho em sua cabeça, e ele ficou ainda mais animado, com uma aura de luz ao seu redor.

No final, convidei-os para se juntarem a mim e aos outros, mas eles recusaram, dizendo que precisavam ir embora. Rafael me entregou um pequeno broche e um papel com seu número de telefone.

Assim que eles desapareceram, voltei para perto dos outros e comecei a retirar os livros do meu anel, lendo-os. Entretanto, vários celulares começaram a vibrar intensamente, e até a própria biblioteca parecia tremer.

— O que está acontecendo? — perguntei, perplexo.

Anna pegou seu celular.

— Uma notícia urgente. — Ela leu a notícia em voz alta.

— Isso está perto da floresta que cerca a capital. — Rebecca murmurou, olhando o celular de Duncan.

Merlin notou algo.

— Tem um brasão ao lado. — Ele se aproximou de mim para que eu pudesse ler a notícia.

Era a notícia sobre um cadáver mutilado de um velho. O cadáver mal tinha a cabeça sobrando, a pele de sua bochecha rasgada como papel, mas o que restou de sua face contava uma história de terror e dor além da imaginação. O corpo foi arrastado até rasgar em trapos e farrapos. Dentro dos ferimentos mais profundos, nas fendas irregulares, pequenas névoas negras saíam do corpo.

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Gostaram?

Até a próxima 😘

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