UMA SURPRESA ATRÁS DA OUTRA

Capítulo 09


      Haviam se passado uma semana e nenhuma notícia tive de Fabrício. Mandei várias mensagens, e-mails e até liguei para ele tantas às vezes, quanto foram possíveis. Não conseguia pregar os olhos a noite pensando no que poderia estar acontecendo, principalmente por ele ter dito que estava doente e não me explicara nada sobre o que realmente estava acontecendo com ele.

Estava chegando as férias e eu não tinha nem vontade de me festejar. Fingia estar empolgado, para meus pais não brigarem comigo ou ficarem de questionamentos ao qual eu não saberia mentir. Mas eu sabia que meu pai sentia ter algo errado comigo e resolveu me chamar para uma conversa de "homem para homem". Até este termo me causava enjoos!

Bati na porta entre aberta do espaço que ele usava para corrigir as provas de seus alunos e preparar a aula. Eu gostava de chamar de escritório, mas ele sempre dizia "Meu esconderijo".

Fiquei olhando-o, com várias folhas ofício na mesinha do computador e sua velha caneta vermelha na mão:

- Oi, pai? Tô aqui. O senhor queria falar comigo?

- Entra e fecha a porta, Feio. Precisamos conversar.

"Precisamos conversar". Pânico generalizado dentro de mim se espalhando por todos os órgãos.  Fechei a porta atrás de mim e fui até uma poltrona num dos cantos e me sentei com ar despreocupado, de boas com a vida. Sem nenhum segredo de ser gay e ter namorado virtual.

Ele virou a cadeira giratória na minha direção, deslizando pra mais perto de mim, com os braços cruzados no peito.

"Opa! Sinal vermelho! Tô em perigo!" – Pensei, sorrindo por fora, gritando por dentro.

- Pode falar, pai. Se é sobre a prova de química, ainda não foi corrigida, mas...

- Respira, cara! Não é sobre a escola que eu te chamei.

"Meu Deus, tome minha alma em suas mãos..."

- Sobre o que seria, pai? – Minha voz saiu quase um gemido.

- Era sobre as férias. Queria falar com você sobre um prêmio que eu ganhei da escola, pela minha aposentadoria. Queria saber se você tava afim de ir comigo.

"Uma viagem? Era isto, mesmo produção?"

- Uma viagem? Pra onde? Como assim? O senhor vai se aposentar? E a mamãe?

Ele ria, se jogando pra trás na cadeira, deixando as bochechas rosadas causadas pela rosácea:

- Calma, filho! – Riu – Eu pensei em ir eu e você, porque ela ainda tem que dar aula e seria legal fazermos coisas de garotos! De pai e filho! Estas coisas aí! É pra Espanha! Europa, Feio! Já pensou, hein!

Eu olhava o entusiasmo dele e não tinha como não se contagiar. Mas e Fabrício? E se ele estivesse doente? Como abandona-lo assim?

"O que vou fazer, santinho do céu?" – Pensava, sem tirar os olhos de meu pai, sorridente.

- E as minhas aulas? E se eu não passar de ano?

- Filho, tá tão próximo do seu aniversário! E duvido muito que você vai ser reprovado!

- Não conte com a vitória antes do segundo tempo! – Ri de nervoso.

- Eu pensei em deixar para depois do natal. Que tal? Deixarei que termine suas provas, sem pressão alguma e se precisar de ajuda extra, conta comigo, Feio. O pai te ama, sabe disto!

Eu sorri, sem saber o que dizer na hora. Estava totalmente dividido. Quem não ia querer uma viagem pra Europa, sem pensar em prova ou outra coisa? Mas, por outro lado.... Tinha o Fabrício!

- Tá certo, pai! Agora, vou subir e tomar banho.                                                            

- Tô sentindo um cheiro de cadáver vindo deste cabelo todo! Bora cortar?

- Nops! Fui!

Sai de lá o mais rápido possível, antes que viesse mais uma enxurrada de perguntas aleatória. Subi as escadas, pulando de dois em dois degraus, indo pro banho. Mas é claro que levei o celular e fui verificar se havia alguma mensagem. Nada! Tirei a roupa e me enfiei no chuveiro.

Como era domingo, peguei meu velho skate e fui dá uma volta. Fazia muito tempo que eu não sentia a liberdade bater no meu rosto e a sensação de voar, como naquele instante. Nada poderia me derrubar, enquanto cortava o vento e ganhava as ruas! Estava com a cabeça tão longe, escutando a banda Muse e fazendo manobras simples, pra desviar dos carros, que nem percebi as horas passar tão rápido.

Fiz o retorno para a casa, quando meu celular avisou com nova mensagem, desci do skate, me sentei no meio fio e peguei o celular. Era um e-mail do King, ou seja, Fabrício.

"Mas que droga é esta?" – Pensei.

Era a primeira vez que ele me mandava uma mensagem via e-mail. Abri a caixa de e-mail e li a mensagem a mensagem:

"Olá, miúdo. Sei que tu vais estranhar minha ausência, mas eu não tive outra saída que não sumir para iniciar um tratamento intensivo.

Falei para meu pai sobre nosso namoro, porque tive medo de morrer e não ter ninguém que te avisasse, então ele concordou com tua vinda num fim de semana. Eu tô tri mal, amor e não sei como te falar por e-mail. Tô com câncer, miúdo.

Eu consegui dinheiro com meu pai pra tu retornar pra tua casa. Só precisava de grana pra vim. Não quero mais ficar longe de ti e te ver seria um presente. Se eu não sobreviver ao menos vou poder olhar pra estes olhinhos cheios de ternura e beijar os dois.

Eu queria poder sentir teus bracinhos em volta do meu pescoço e dizer que te amo e todas as coisas fofas que tu tanto pedias pra mim e nunca tive coragem. Vem me ver, amor. Vem antes que seja tarde demais!

Eu te peço que venha, meu amado skatista! Meus pais abençoam nosso namoro, porque sabem que posso não sobreviver e eles só querem que eu seja feliz. Não quero morrer sem sentir teu abraço e teus beijos. Queria muito poder levar teu rostinho na memória, comigo. Não me abandona, amor! Não tenho mais conta do Whats e só tenho o celular pra receber notícias. Não consigo nem ligar de tão fraco, mas meu pai atende e me alcança o celular pra receber as chamadas, mas nem todas. Só as pessoas importantes pra nós e tu já é da família.

Também sei que tua mãe e teu pai não iam concordar com nosso namoro e iam te impedir por ser menor, então acho que tu vais ter que vim escondido. Meu pai te espera na rodoviária ou eu vou com ele se conseguir sair da cama. Faço tudo pra ver meu grande amor.

TÔ EM PRANTOS PORQUE SINTO DORES HORRÍVEIS E SEI QUE TÔ MORRENDO!!!

Eternamente teu, Fabrício, o King"

Fiquei olhando, sem entender o que fazer ou pensar. Só sentia as lágrimas quentes descerem lentamente pelo meu rosto, penduradas no queixo, como se fossem orvalhos da alma. Guardei o celular no bolso da bermuda com os fones, peguei o skate e fui para casa, arrastando meu corpo. As imagens iam ficando cada vez mais embaçadas e, de repente lembrei da voz que estava calada, desde o dia em que me deixei ser visto sem roupa pelo Fabrício. Pedi que ela voltasse, para ter ao menos uma voz imaginária da minha mente doente me dando algum consolo. Ou até um esporro seria melhor que aquele silêncio todo.

Entrei em casa o mais silencioso e rápido possível. Não tinha condições emocionais para argumentar e, se minha mãe me visse, teria de mentir. Sou péssimo mentindo! Principalmente com ela, que penetrava até a minha alma e revirava todos os meus arquivos secretos!

Subi e fui tirando os tênis, camiseta, bermuda e me joguei na cama só de cueca. Não queria pensar no momento. Fiquei assim, por mais de quarenta minutos, só respirando e revivendo tudo que me aconteceu durante todos estes meses e ao relembrar o e-mail dele, as lágrimas vieram em cascatas. Um turbilhão de pensamentos invadia minha cabeça e eu me sentia anestesiado, sem conseguir reagir.

"Como assim, ele vai morrer? Não pode ser verdade, mano! Mas ele não ia inventar algo tão sério, como uma doença horrível! E da onde vou conseguir dinheiro? Vou precisar de ajuda e será da Lili. Caso contrário, terei de contar tudo pro meu pai" – Pensei, abraçando o travesseiro.

Peguei o celular e mandei uma mensagem básica para ela. "SOCORRO, ME LIGA. NADA DEMAIS, SÓ TÔ TENDO PITI. BJO". Larguei o celular e fechei os olhos, imaginando a tal viagem para o Rio Grande do Sul.

Adormeci, sem perceber.

(1424 palavras)

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