UM PRESENTE ESPECIAL

Capítulo 02

Um ano havia se passado e desde aquele dia, minha vivacidade e alegria foi se desvanecendo aos poucos. Meus pais, tentando melhorar a situação, me trocaram de escola e eu, fiz algumas amizades, mas eram superficiais e nem chegavam nem perto do que minha amizade com Victor, mas eles se esforçavam e eu precisava mostrar o quanto me sentia grato e aprendi a fingir algumas emoções, para não deixar meus pais ainda mais preocupados.

Era meu aniversário e fazia uma tarde bem quente. O cheiro do mar vinha da praia, enchendo minhas narinas, me fazendo sorrir. Meu pai surgiu na sacada, onde eu me encontrava, me trazendo um livro.

- Filho, olha só!

Ele estendeu o livro com as duas mãos, como se fosse um troféu, com uma felicidade autêntica

- É uma edição mais velha, mas como você prefere livros de sebo, achei este e o homem que me atendeu, jurou que era uma edição especial! - Falava, entusiasmado

Olhei para ele, pegando o livro. Alisei a capa, sentindo a textura, exalando o cheiro peculiar do papel e sorri. Era um exemplar antigo de poesias de Mário Quintana. O melhor presente que eu poderia ganhar.

- Muito obrigado, pai!

Ele me olhava, sem nada dizer. Aquilo era bem mais reconfortante que qualquer festa ou presente caro. Vê-lo sorrir, era muito mais recompensador.

- Como o senhor conseguiu? Ele é raro!

- Tenho meus truques! Agora, vem cá e me dê um abraço!

Levantei, indo na direção dele, que abriu os braços, cobrindo meu corpo. Ficamos assim, por um tempo e era bom demais estar nos braços dele. Meu pai sempre foi meu porto seguro, mesmo que eu não soubesse expressar meu amor, ele de alguma forma, sabia disto.

- Te amo, Feio!

- Também te amo, Feioso! - Ri, do apelido de infância que ele me deu.

Depois que ele saiu, voltei minha atenção ao presente, iniciando a leitura. O ar refrescante que vinha dali, era sereno. Uma solidão serena me invadiu, trazendo uma paz interior. Na verdade, nunca me senti totalmente sozinho, como se algo ou alguém estivesse sempre do meu lado. Eu chamava de intuição aguçada. Eu não tinha ideia do que seria, mas nunca me prendi a pensar sobre isto.

Tinha dias em que eu sonhava com pessoas e situações totalmente desconhecidas e uma voz doce e gentil me dava ordens para escrever sobre estes sonhos, pois um dia eu escreveria um livro sobre. Mas, logo em seguida eu apagava da memória e seguia com minha vida de estudante ou ia até o parque andar de skate.

Tinha noites tão melancólicas, que nada me fazia dormir. Então, sentava na escrivaninha e escrevia algumas poesias desconexas. Terminava e jogava em alguma gaveta qualquer. E, tinha noites em que a paralisia do sono se apoderava de meu corpo, fazendo soar as bicas. Eu não conseguia me mover ou gritar e isto era angustiante, mas não porque não me mexia e sim, porque sabia que sombras assustadoras iam surgindo do nada ou dos móveis e frestas. Subiam pelo meu corpo, se rastejando com suas garras afiadas e seu mal cheiro. As risadas e palavras desconhecidas, me faziam quase perder a sanidade.

Eu sentia as unhas sujas e os dentes podres, se aproveitarem da minha carne, sem que eu pudesse reagir. Eu sentia a dor e via meu sangue jorrar e sujar os lençóis, mas não tinha poder sobre meu corpo e como um espectador acorrentado, sentia as lágrimas descerem, encharcando a fronha. Tudo isto parecia uma eternidade, mas no final, meu relógio digital mostrava que haviam se passado dois minutos.

"Meu Deus..." - Pensava, sempre que conseguia me mover

Eu sentava na cama molhada de suor, ofegante e machucado. Geralmente meus braços e pernas ficavam quase em carne viva e iam diminuindo com o passar das horas, mas não a dor. Esta teimava em ficar se remexendo nas minhas entranhas.

Depois do que aconteceu com Vitor, estas sessões de tortura noturna se tornaram mais intensas e no fundo, sabia que deveria procurar alguma ajuda. Acho que, na época eu sentia que era como uma punição, por não ter salvo a vida dele e ia levando a vida em silêncio.

Sendo assim, usava meu tempo para ler muito, estudar, jogar com os amigos, dar meus passeios e tentar ocupar a mente da melhor forma.

Tinha dias que eu ouvia minha intuição tão clara e alta, que eu olhava para os lados, em sala de aula, para saber se não era algum colega. Tinha vezes que apenas sussurrava. Mas todas as vezes, ela me falava para tomar cuidado.

Mas, com o que exatamente?

Mas naquela noite lendo o livro, me sentia totalmente extasiado com as poesias de Quintana! Sonhava um dia poder escrever algo que descrevesse meus sentimentos e emoções, mas como elas eram de uma bagunça sem limites dentro da minha cabeça, só me restava rir e tentar algo de suspense e não poesia! Eu sempre ria, ao lembrar destes dias. Não me imaginava um dia escrevendo ou sendo elogiado por algo vindo de mim e, muitas vezes, vinham poesias do nada. Como se estivessem prontas e surgiam em sonhos, já escritas. Na maioria das vezes eu me sentava e passava para meu caderno inseparável todas as poesias que eu sonhava. Lia e relia, surpreso com a beleza das palavras. Sempre pensei que não poderia ter nascido de um cara como eu. Totalmente sem invisível para o mundo. A vontade estava lá, dentro de mim latejando, mas não me sentia preparado.

Já tinha ouvido falar que um poeta nascia de uma boa história de amor ou desilusão. Eu ria. Não me imaginava amando ou sendo amado!

- Filho, vem jantar? Eu fiz sua comida preferida e seu doce predileto.

Olhei em direção a voz da minha mãe, que me sorria. Devolvi o sorriso, fechei o livro, sem antes colocar o marcador de texto feito pela minha avó materna.

Larguei como uma preciosidade sob a cama e saí de lá, na companhia dela, que enlaçou o braço na minha cintura, falando sobre o último capítulo da novela das oito.

(1015 palavras)

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