UM AMIGO PARA SEMPRE

Capítulo 18

      Era dia de visitar o cirurgião dentista, que arrumaria o pedaço do meu dente que havia quebrado na violência. Já faz uma semana que eu estava em casa e não tinha vontade de sair da cama. Queria ficar deitado, sem me mexer e também sem sonhar, pois, os pesadelos eram constantes.

- Meu filho, tu precisa fazer a tomografia bucal, para sabermos como está seus dentes e reconstruir este pedaço, querido.

- Mãe! Eu não quero ir! Eu não ligo!

Minha mãe apenas me olhava, sem saber exatamente o que dizer. Apenas suspirou, resignada.

- Eu sei que está difícil pra ti, meu anjo. Está também para mim e seu pai.

A voz doce dela mais o afago em meus cabelos, me fizeram chorar. Eu sabia que estava provando do sentimento de auto piedade imensa e não percebia que estava tentando me anular para o mundo externo.

Me fazia sentir um lixo.

- Quando se sentir melhor, me chame. Tá bem?

Assenti, secando as lágrimas e suspirando. Sabia que precisava reagir, mas não conseguia. Sabia que precisava consertar meu dente, mas não conseguia. Sentei na beira da cama, desanimado e dolorido. As dores me acompanharam por um longo tempo e até fazer minhas necessidades fisiológicas eram um tormento e um constrangimento. Sempre precisava da minha mãe, nessas horas.

"Quando tudo isto vai passar, Deus? Quando vou ser eu novamente?"

Era o pensamento que dominava minha mente.

(- Quando parar de sentir pena de si mesmo e seguir sua missão.)

- Saí da minha cabeça, moça! Me deixa sentir pena de mim, por favor? – Falei, sozinho.

(- Você precisa sair. Encontrará seu melhor amigo, hoje.)

- Não tenho amigos. Não quero saber de ninguém! Cala a boca! – Gritei.

(- Você precisa encontrá-lo, Pedro...)

Simplesmente ignorei e fui para a janela, espiar a rua. O mundo se resumia na minha visão quadrada pela janela do meu quarto e isso me confortava.

Fiquei assim, olhando para o céu e os vários tons dos telhados e o morro verdejante ao longe. O mesmo morro que eu cansei de fazer trilhas com meus primos e meu pai e tios.

Suspirei. Suspirei até que toda as lágrimas se escondessem. Baixei os olhos, pensando no que escutei e resolvi que já estava na hora de dar um passo. Chamei minha mãe.

- Me chamou, filho?

Minha mãe surgiu do nada, diante de mim na soleira da porta, com seu avental florido e o olhar carregado de aflição materna. Fiquei olhando aquela mulher que adorava passar a imagem de durona, mas que amava sua família e era o alicerce da casa.

Sorri.

- Eu vou me arrumar, mãe. Vamos ao dentista, afinal! Me ajuda?

Ela veio na minha direção, sorrindo e pediu para me abraçar. Desde que ocorreu, eu não conseguia receber nenhum tipo de afeto, independente de quem fosse. Era insuportável e nojento.

Encostei minha cabeça no colo de seu peito, ouvindo o coração dela acelerar e sentindo seus braços mornos, enlaçar meus ombros delicadamente

- Eu te amo, meu filho.

- Também te amo, mãezinha. – Sorri pequeno.

Ficamos assim, por mais alguns minutos, até que me afastei, sentando na única cadeira que havia no meu quarto.

- Vou deixar a senhora escolher, mãe. Já faz mó tempão que não deixava a senhora me vestir! – Ri da situação.

- Pois eu daria meu dedinho pra te ver gurizinho de novo!

- Não tô muito longe disso, viu! – Sorri, tentando ser engraçado.

- Pois logo tu vais tá bem! Voltará a andar no teu velho skate, estudar, escutar música e até ir à praia comigo e teu pai!

- Será, mãe? –Falei, tristonho.

Fiquei olhando para ela, que escolhia um tênis confortável e me olhava cheia de um amor legítimo.

- Juro! – Falou convicta.

- Jura jurado de dedinho mindinho dobrado?

Ela riu, assentindo e me ajudando com a calça de abrigo e os tênis.

- Prontinho! tu tá tão bonito filho!

Ela me deixou passar na frente e saiu logo em seguida, fechando a porta do quarto. Fomos descendo a escada devagar e, pude ver meu pai ansioso, com aquele sorriso largo, como se pudesse curar toda a dor do mundo.

- Bora, Feio? – Disse, se levantando do sofá.

- Bora, Feioso!

Quando meu pai abriu a porta de casa, para que pudéssemos ir até o carro, recebi o bafo da rua. Minhas pernas simplesmente travaram e eu senti uma vertigem gigantesca. As minhas mãos suavam e um terror foi se apossando de mim, incontrolavelmente:

- Não consigo, pai! Não consigo sair!

- Ei! Olha pra mim! Filho! Olha só pra mim, ok?

- Pai...

- Dá um passo, primeiro. Tô segurando suas mãos. Não vou te soltar, Feio.

- Promete?

- Alguma vez eu a soltei? – Piscou.

Senti como se meu coração estivesse subindo pela traqueia. O pânico estava me dominando e sabia que iria expulsar o café da manhã inteiro se continuasse. Mas eu precisava.

Dei um passo para fora de casa. Taquicardia.

Dei mais alguns e vi que o carro estava a apenas dois metros de mim. Olhei o chão e tudo girava ao meu redor. Meu pai continuava segurando minhas mãos suadas nas dele e andando de ré até o carro, sempre me incentivando

- Tá indo bem, filho! Cê é meu guerreiro! Falta pouco, agora!

Quando cheguei até a porta do carro, soltei o ar, me apoiando no vidro. Minha mãe abriu e eu entrei, me sentando. As lágrimas querendo explodir pra fora, mas segurei firme. Não queria decepcioná-los.

Quando eles se sentaram, ficamos os três tentando se recompor, antes de partir em direção a clínica odontológica.

Fomos em silêncio durante todo o percurso e ao chegar, fiquei aliviado que tinha entrada para carros e dava direto para uma entrada lateral. Sai do carro e dei dez passos em direção às portas largas de vidro fumê com um sorriso enorme acima.

Ficamos lá o tempo suficiente para avaliar o estrago e a promessa de um sorriso perfeito. E eu só querendo voltar o mais rápido possível para meu quarto.

Quando estávamos retornando para o carro, nuvens grossas anunciavam chuva e apuramos para o interior do carro, no momento em que os primeiros pingos grossos começaram a cair, no chão de cimento empoeirado pelas fuligens dos carros.

Eu olhava as gotas batendo no vidro, imaginando a felicidade das plantas no nosso quintal. Sorri, abaixando os olhos em direção as minhas mãos unidas entre as coxas. Me sentia tão exausto!

Logo estávamos chegando em casa e meu pai avisou que entraria na garagem e assim eu entraria pela porta da cozinha. Isto me acalmou de imediato. Já deveríamos ter feito isto, na ida. Mas, provavelmente, nenhum deles pensou que eu iria reagir daquela forma.

De repente, ouvi um miado na porta da frente de casa e fiquei em alerta, pois a chuva estava bem forte e não sabia se era real.

- Pai! Espera! Fique quietinho!

Falei, enquanto esticava o pescoço, na tentativa de ver ou ouvir de novo.

- O que foi que...

Não esperei terminar a frase e nem de terminar de subir a rampa em direção a garagem. Pedi para parar e abri a porta do carro, antes que ele parasse por completo, saindo em disparada na direção da nossa entrada, procurando pelo dono daquele miado fraco e baixo. Estava todo molhado, mas não me importava com isto. Olhei mais de perto e vi algo pequeno, peludo e encharcado, todo encolhido num dos canteiros próximos à porta principal.

- Quem é você, pequenino?

Falei, me inclinando e pegando no colo um embrulho vivo de pelo negro e imensos olhos verdes, que tremia nas minhas mãos. As pulgas pululavam sobre os parcos pelos e feridinhas nas orelhas estavam em carne viva. Meu coração se compadeceu de tal forma, que beijei a testa dele, enchendo meu coração de um amor profundo e intenso.

- Vou cuidar de você, agora. Terá todo o meu amor, pequeno.

- Pedro! O que deu em ti, criatura? Olha como tu tá, agora! Vem pra dentro, filho! Todo molhado!

- Mãezinha? Olha só! Achei um amiguinho pra mim! Ele se chamará Klaus. – Abri o maior sorriso. – Mister Klaus.

Enquanto falava, saia da chuva, entrando pela garagem, protegendo-o debaixo da minha camiseta.

- Meu Deus do céu, Pedro! Este gato tá cheio de pulgas e vermes e sei mais o quê! Olha a cara dele, guri!

Eu não dei muita atenção às lamúrias de minha mãe. Tinha algo precioso e delicado em meus braços. Meu melhor amigo, dali em diante, seríamos inseparáveis.

Eu sabia que foi a moça da minha cabeça, minha intuição que me presenteara e eu seria responsável por ele, pelo resto da minha vida.

(1400 palavras)

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