SONHOS E ESCOLHAS
Capítulo 21
Passado um mês tendo sessão de terapia com a doutora Dany, já me sentia menos fragilizado, mas ainda tinha muitas dificuldades em expressar meus sentimentos ou sair sozinho na rua.
Ao chegar no consultório desta vez acompanhado do meu pai, esperei que ela surgisse e me convidasse a entrar. Entrei assim que ela abriu a porta para que eu passasse e fui me sentar no mesmo lugar habitual, que sinceramente tinha a melhor paisagem do mundo.
- Olá, Pedro?
- Oi, Dany.
- Como se sente hoje? Alguma novidade?
Suspirei, olhando para o céu. Não sabia o que dizer e falar de novo dos meus pesadelos, parecia tão chato!
- Dany, eu continuo com os pesadelos! Não sei o que fazer mais!
- Podemos falar sobre isto. Como estás em relação aos seus pais e a questão da sua sexualidade?
- Acho que meu pai desconfia. Mas minha mãe! Pelo amor! Ela simplesmente me irrita! É tão homofóbica!
Falava, ao mesmo tempo que ia batendo com uma das mãos espalmada no braço macio e aveludado da poltrona, de maneira quase inconsciente.
Ela só me olhava, anotando no seu bloquinho cor de rosa. Era sempre assim, nas consultas. Ela dava o gatilho e eu falava sem parar, indo ladeira abaixo, sem perceber, já estava quase chorando sobre situações que pensava nem lembrar.
Respirei fundo, indo até a janela. Me concentrei num ponto qualquer, como fazia quando me sentia acuado ou perdido. Naquele momento era uma sacada cheia de samambaias. Minha mente estava acelerando na ideia de quantos tipos de samambaias existiam no planeta.
Virei para ela, que pacientemente me olhava em silêncio.
- Eu queria apagar tudo que me aconteceu, entende?
- Mas não pode. O que você pode é encarar e enfrentar seus medos, até que eles desapareçam.
- E como se encara um estupro coletivo, senhora Danyelle? - Falei num tom mais alto que desejei.
- Ajudando outras vítimas, por exemplo. É um começo, Pedro.
Senti que as lágrimas brigavam para sair e correr livre pelo meu rosto quente. Voltei e me sentei na poltrona, numa posição que me permitisse deitar. A cabeça num dos braços e as pernas sobre o outro, com as mãos cruzadas na barriga, encarando o teto de gesso branco.
- Eu não seria um bom exemplo e você sabe disto!
- Por que, Pedro?
- É sério que tá me perguntando isso?
- Sim. Por que não és um bom exemplo?
- Porque não tenho amigos! Falhei com os poucos que eu tinha! Porque não consigo conversar com o filho da minha vizinha, sem ter vontade de vomitar! Porque minha única companhia é meu gato antissocial! - Gesticulava nervoso.
Minhas lágrimas já estavam molhando o braço da poltrona, mas simplesmente ignorei.
- E mesmo assim, apesar de tudo, ainda te pergunto. Por que não? O que te impede de ajudar de alguma forma?
- Por que? Porque ainda não me sinto preparado, Dany. Simples assim.
- Então, não é que não sejas um bom exemplo e sim porque não estás se sentindo um bom exemplo.
- E qual é a diferença, afinal?
- A diferença é entre ser e estar, Pedro.
Sentei de forma correta, pensando em tudo que ela me disse. Uma frase apenas me fez pensar em tantas coisas que eu poderia ter feito e não fiz, por me menosprezar. Tantas oportunidades de ser feliz e deixei escapar por achar que não merecia ou porque não estava pronto.
Ela me alcançou a caixinha de lenços de papel, com o mesmo sorriso suave. Estiquei o braço, peguei a caixinha e baixei os olhos. Pensar na velocidade que minha mente trabalhava, me era exaustivo, mas naquele momento, foi-me uma benção.
- E a voz feminina? Continua ouvindo-a?
- Urum. Agora, tenho escutado à noite.
- Sua moça, estou certa?
- É! Eu sei que é minha intuição e é assim que eu a chamo. Você é psicóloga e nem deve acreditar nestas coisas de intuição! - Ri, constrangido.
- Lembra sobre nossa conversa há um tempo atrás? Nunca julgue para não ter o julgamento contra você mesmo?
- Pois é! Não julgar e sim respeitar. Eu lembro, sim.
- E então? Sobre realizar um sonho a curto prazo? Já pensou o que poderia fazer?
- Então! - Ri de nervoso. Não sabia o que dizer pra ela.
- Façamos assim. Vou dar uma folha e você vai escrever dez coisas que gostaria de fazer em dez dias e dez coisas que gostaria de fazer por dez anos. Aceita o desafio?
- Não seria em dez anos? Você disse por dez anos.
- Eu sei e é exatamente isto. - Falou.
Tirou uma folha do seu bloco e me alcançado, juntamente com a caneta
- Aceita? - Disse, sorrindo.
Olhei a folha à minha frente, sem saber o que fazer na hora. Suspirei, pegando a folha e a caneta, apoiando na coxa e pensando o que escrever. Por mais que eu tentasse, nada vinha à minha mente, de primeira. Olhava as linhas e margem, sentia a textura da folha e as ranhuras delicadas da caneta esferográfica e....nada!
- Não consigo pensar em nada, Dany! Eu não tenho nenhum sonho! Isto é ridículo!
- Por que você acha que não tens sonhos? Seus sonhos nunca saíram de dentro de você, Pedro. Só precisa ouvi-los, assim como ouves sua intuição. Eles estão adormecidos, só esperando que você desperte um a um. - Disse, encarando-o.
- E como faço isto?
- Só você pode responder. Está dentro de você todas as respostas para algumas das perguntas. Pode não ter as respostas que desejaria, mas mesmo assim, elas te levarão para algumas decisões na sua vida. Se não agora, com certeza, num futuro próximo.
- Eu duvido muito que há dentro de mim, respostas para as dúvidas que me tiram o sono!
- Por que duvida tanto assim de você?
- Porque eu me conheço! Pronto, falei!
- Então, me explica. Se você duvida de si mesmo, como pode me dizer que se conhece?
- Porque...
Ela me olhava tranquilamente, esperando que eu respondesse, sem pressa alguma.
- Ai, Dany! Eu sei lá! Só sei que sei que não há nada dentro de mim que responda às minhas perguntas!
- Então, você me diz categoricamente que não és capaz de responder quaisquer dúvidas que possam surgir em sua vida? Ou até que sejas capaz de pensar por ti mesmo?
- É! Isto mesmo. É o que tô tentando dizer!
- Mas, também duvida do que pensa ou do que és?
- Urum!
- Então, você me diz que não é capaz? E também duvida do que você pensa de você mesmo?
- Quer parar de dar nó na minha cabeça? Agora eu já nem sei mais o que pensar!
- Ótimo! Agora já pode escrever seus sonhos no papel, quando estiveres no seu quarto. Nos vemos amanhã?
- Como assim? Já acabou? Assim? Do nada?
Ela sorriu, assentindo com a cabeça e abrindo um belo sorriso.
- Quero ver esta folha cheia, na próxima vez que vier. Está bem?
- Tá, né? Fazer o quê! Tenho escolha? - Fiz uma careta.
- Claro que tens. Todo mundo tem o direito de escolher o que fazer, mas a responsabilidade de assumir estas escolhas.
Nos despedimos e saí com meu pai em silêncio. Meu pai resolveu quebrar o silêncio entre nós, já dentro do carro:
- Como foi hoje, Feio?
- Foi muito bom, pai!
- Nem vou perguntar porque!
- Exatamente, curioso! - Ri
- Bora comer um pedaço de torta de limão?
- Bora!
Rimos, cúmplices de uma gulodice compartilhada.
(1246 palavras)
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