INÍCIO DE GRANDES MUDANÇAS

Capítulo 22


          Eu estava na janela, sentado no beiral, olhando um pouco do que dava pra ver, já que agora com as telas de proteção, não me restava muito pra olhar. Mas eu não me importava muito com aquilo. Nada que estivesse do lado de fora me chamava atenção ou me interessava. Naquele dia, eu senti um aperto no peito, uma sensação muito ruim! Chegava a subir até a garganta e se instalava no meu pomo de adão, quase rasgando a pele. Eu mal engolia a saliva e a sensação só piorava conforme as horas iam passando.

Suspirei longamente, olhando para o horizonte retalhado pelos telhados cor de brasa. De repente, Klaus pulou em meu colo, miando baixinho e alisando o pulso da mão que segurava a rede de proteção, tentando chamar minha atenção:

- O que foi, meu bebê? Hum? Tá fominha, amorzinho?

Alisava seu dorso e seus pelos negros se arrepiavam. Aquilo me acalmava e conseguia controlar minha respiração.

Olhei de volta para a rua deserta e quase tive um ataque cardíaco. Meus olhos se fixaram num carro parado, duas casas da minha. O carro dele!

"Meu Deus... não pode ser, meu Deus!"

Desci de qualquer jeito da janela e saí correndo, atrás de meus pais. Precisava contar o que acabara de ver. Poderia até ser minha imaginação aprontando alguma ou algum carro que não tivesse absolutamente nada a ver com tudo aquilo! Mesmo assim, não ia arriscar. Até então, a polícia não achou Fabrício e meu maior desespero era um dia ele bater na minha porta e me levar de casa.

Eu praticamente tinha pesadelos todas as noites e mal conseguia estudar para as provas do Enem e enfim, entrar pra faculdade. Isto também era outro problema, pois meus pais queriam que eu saísse do mundo pedagógico ou um curso que acabaria me tornando professor. Queriam que eu fizesse administração, coisa que a princípio não era meu sonho, mas eu tinha uma dívida com eles e eu queria dar algum tipo de alegria e orgulho para os dois. Faria o tal curso e mais adiante, quem sabe, um dos meus cursos preferidos; Psicologia ou Filosofia.

Mas, naquele momento, minha maior preocupação, que me deixou agitado, era o tal carro. Eu desci as escadas tão rapidamente, que tive a impressão de ter pulado vários degraus:

- Mãezinha! Pai! Venham aqui, por favor! Mãeeeeee!!!

Minha mãe surgiu do quintal com uma roupa úmida em seu ombro. Logo percebi que estava estendendo as roupas no varal e meu pai com dois alunos, seu escritório. Ele dava aulas particulares desde que se aposentou. Me arrependi de descer aos berros. Sabia que era uma regra o silêncio quando ele estava dando aula. Me arrependi assim que terminei de gritar. Mas, agora era tarde. Lá estava os dois, me olhando, na expectativa de saber o que estava acontecendo:

- Desculpa, pai. Mas tem um carro igual ao do...

- Onde, meu filho? Onde? - Minha mãe jogou a roupa no chão e foi em direção a porta da frente de casa.

Meu pai pediu desculpas aos dois meninos que ali estavam e acompanhou a esposa para fora de casa. Fiquei na porta, olhando na direção de onde deveria estar o carro.

Não tinha nada lá.

Me senti tão idiota! Eu queria entrar num buraco ali mesmo, de tanta vergonha. Meus pais olhavam, sem entender nada para os dois lados da rua, sem sucesso. Foi meu pai que veio até mim, com seu olhar calmo:

- Pedro. Você tem certeza, filho?

- Tenho! Eu vi! Tava logo, ali! Eu vi, pai! - Eu apontava na direção de onde deveria estar o tal carro, mas não tinha nada ali.

- Vem, meu filho. Vamos entrar, está bem? - Minha mãe, enlaçou a mão na minha cintura, me puxando para dentro de casa, delicadamente.

Eles não acreditavam em mim.

Entrei em casa, sentei em frente à mesa da cozinha. Me sentia tão derrotado! Saber que o causador de todo meu inferno ainda estava lá fora, livre e rindo da minha cara, me dava um temor monstruoso. Ele sabia onde eu morava e, eu sentia que ele estava me perseguindo. Eu sentia o medo tão intensamente que já não tinha vontade de ir às consultas da Dany.

- Mãe?

Ela estava preparando um chá para nós dois, respondendo de costas.

- Fala, filho.

- A senhora acha que tô louco? Que tô ficando louco?

Ela se virou, vindo até mim, me encarando.

- Nunca mais diga isso. Eu sei bem que tu viste um carro lá. Se era o dele, não sabemos. Mas eu sei que tu jamais irias ver algo que não estivesse lá. Agora, vamos tomar chá e respirar devagar?

- Mãezinha.... Me sinto tão frustrado e com medo! - Juntei os braços, pousando a cabeça entre elas, quase em lágrimas.

- Ei! Olha pra mim! Para agora com isto! Vamos tomar este chá, subir, tomar um banho e estudar. Tu tens um futuro pela frente e vais realizar teus sonhos, meu anjo! Ok? Queremos ele preso, tanto quanto tu. E vamos conseguir, ok? Olha pra mim e repita. Vamos conseguir, sim.

Levantei os olhos na direção dela e, foi quando lembrei da folha que a Dany me dera e eu simplesmente ignorei. Tomei o chá, calado. Ainda sentia aquela sensação ruim, mas empurrei para um canto da mente e resolvi preencher a folha, antes de ir tomar banho.

- Tens razão, mãe. Vamos conseguir. Preciso me agarrar a esta certeza. Eu vou subir e esquecer este surto psicótico!

- Foi bem assustador para os dois piás que estavam com teu pai! Tu viste a cara deles? - Tentei rir, pra esconder o medo crescente.

Rimos juntos. Beijei o rosto dela, dando um abraço demorado. Pude sentir o cheiro do seu shampoo adocicado, tão característico dela que me remetia à infância.

- Vou subir, mãezinha. Obrigado por tudo.

- Eu te amo, filho. Nunca esqueça isto, tá bem?

Sorri, subindo as escadas e desta vez, devagar, pensativo. Eu sabia que havia um carro lá na rua e, ele ter sumido de repente, não provava que eu imaginei tudo. Só confirmava que era realmente o falso Fabrício.

Entrei no quarto, fechando a porta atrás de mim. Me virei, olhei a janela e fui lá fechá-la, puxando as cortinas.

"Chega de loucura por hoje!" - Pensei.

Peguei a folha, sentado na cadeira da mesinha onde eu estudava e fixei meus olhos nela por alguns instantes.

"Sonhos a curto prazo? O que eu gostaria de fazer em um curto espaço de tempo?" - Refleti, mordendo a ponta da tampa da esferográfica.

Olhei para frente e subi os olhos, lentamente. Pousei o olhar na estante, onde repousavam "Manoel de Barros", "Mário Quintana", "Clarice Lispector", entre outros que eu amava.

Klaus pulou sobre a mesa, deitando seu corpo peludo e negro e me encarou com seus olhos verdes brilhantes, miando baixinho.

- É... Você tem razão, Klaus. Eu já sei o que quero fazer a curto prazo e, quem sabe a longo prazo também? Concordo com você, amigo.

Outro miado.

- Está bem! Já vou escrever. Bem que eu gostaria que você falasse de verdade. Assim, não me sentia tão solitário! Não que você não preencha meu tempo! Longe de mim, viu? - Sorri.

Escrevi na folha:

Sonhos a curto prazo: "Ser escritor". Sonhos a longo prazo: "Ser feliz". Olhei e sorri:

- É isto aí, Dany! Não tem dez sonhos, mas estes valem por dez mil! Que hoje seja o primeiro passo para grandes mudanças!

Naquela mesma noite, meu pai recebeu uma ligação da polícia com uma notícia que provou a minha angústia. O falso Fabrício havia sido capturado por excesso de velocidade, carro furtado e uso de drogas. Ele realmente estava na minha cidade, usando o mesmo carro.

Eu só fiquei sabendo disso dois dias depois.

(1298 palavras)

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