Capítulo 3

(Domingo, dia 10, 8h05)

Entrei numa viatura policial, pela primeira vez, em uma manhã fria de domingo. Menos mal, o dia estava nublado e com leve garoa, o que implicava em poucos curiosos na rua. Ainda assim, vislumbrei uma vizinha olhando assustada a cena por detrás de uma cortina. Com certeza não fora a única a ter ouvido o alto, porém curto, toque da sirene da viatura; mas devia ter sido a única a se aventurar a sair da cama com aquele frio.

Não fui algemado, até porque não estava sendo preso, pelo menos não até aquele momento. Segundo disseram, o delegado queria me interrogar. Mesmo não sendo uma prisão, eles me lembraram que eu tinha o direito de permanecer em silêncio e que, se quisesse falar na presença de um advogado, tal direito seria a mim garantido. Me senti num filme policial americano. Não sabia que por aqui também andavam dizendo tais frases. Também não me disseram o porquê de me levarem. O delegado me explicaria, alegaram, arrematando:

— Como se você não soubesse!

Pareciam convictos de que eu cometera um crime. Resolvi acompanhá-los sem opor resistência. Aleguei que, com certeza, tudo não passava de um mal-entendido e que certamente haviam me confundido com alguém. Ignoraram minhas palavras. Agora já me sentia o próprio Joseph K., no livro de Franz Kafka, O Processo.

Chegando à delegacia de polícia, me conduziram à sala do delegado. O doutor da lei estava bem vestido, o bigode cuidado com esmero, sentado calmamente atrás de sua mesa. Apontou para uma cadeira:

— Por favor, sente-se.

Já havia resolvido não dizer uma única palavra. Ele que dissesse, se quisesse. Mas, no fundo, gostaria de dizer: "O que significa tudo isto? Pensam que não tenho o que fazer? Como pode, uma pessoa influente como eu, ser praticamente presa assim, sem mais nem menos, em plena manhã de domingo (como se houvesse dia para ser preso). Isto é um absurdo! Quero já a presença do meu advogado e uma explicação para esta palhaçada. Onde já se viu? Onde está a justiça deste país? Vocês estão todos ferrados! Vou à imprensa, assim que me liberarem, pois vão me liberar. Quando virem o tamanho da besteira que estão fazendo, aí já será tarde. Vão se arrepender até o último fio de cabelo, isso eu lhes garanto. Com certeza não sabem de quem eu sou filho... Não, sabem, não é? Pois, se soubessem, eu nunca estaria aqui, feito um bandido. E com certeza também não sabem que sou íntimo de seus superiores; uma simples palavra minha e amanhã vocês estarão no olho da rua. Vou ainda mover um processo contra todos vocês, por abuso de poder, danos morais, e o que mais eu puder".

Bem, tudo isto é o que eu gostaria de dizer e até poderia, se fosse realmente filho de alguém importante, como um coronel da Polícia Militar; ou se realmente conhecesse alguém acima daqueles que me prendiam, como, por exemplo, o secretário de Segurança Pública do Estado. Mas, diante do meu total anonimato, preferi me calar e nem falar o necessário, se possível.

— Tem advogado?

— Não senhor.

— Se quiser tem o direito de responder às minhas perguntas apenas na presença de um e o Estado tem o dever de lhe garantir defesa gratuitamente.

— Sei, sim. Mas pode me perguntar o que quiser.

— Sabe por que está aqui, não sabe?

— Sinceramente, não sei.

— Ah, não sabe? Pois então vou refrescar a tua memória. Onde estava ontem, por volta de dez horas da noite?

Nem pestanejei, como talvez fosse de se esperar:

— Estava no apartamento de uma senhora chamada Dona Alda, na Rua Vitória. O número e o nome do prédio, não me lembro, mas o apartamento era o 71, no sétimo andar.

O delegado surpreendeu-se com a resposta, nem tanto com a presteza, pois isso, a meu ver, não poderia ser encarado como atestado de inocência. Em sendo culpado, seria lógico eu ter deduzido que tal pergunta me seria feita e daí, com certeza, eu já teria uma resposta na ponta da língua. Ele se surpreendera não com a presteza, embora isso também fosse um ponto a meu favor, mas com o conteúdo — ficou estampado em seu rosto redondo. A última coisa que ele esperava ouvir seria eu admitir que estivera no apartamento de D. Alda, assim, tão de bate-pronto, isto talvez por já acreditar de antemão na minha culpa. Senti que ele titubeou, por um instante, como se já não soubesse o rumo que daria ao interrogatório. Tinha um roteiro pronto, do qual eu fugira por completo. A precisão de minha resposta e o fato de eu admitir algo que ele provavelmente não esperava, pareciam tê-lo feito acreditar, por um instante, em minha inocência. Prosseguiu:

— E o que estava fazendo lá?

Expliquei. Desta vez pareceu não acreditar. Bem, o motivo de minha estada naquele apartamento às dez horas de uma noite fria de sábado, numa rua conhecida desde longa data por local de prostitutas, realmente era inacreditável. Mas havia testemunhas de que eu falava a verdade. Se ele quisesse, eu as apresentaria. Perguntei:

— Aconteceu algo com Dona Alda? Ela está bem?

— Coisa nenhuma! Está morta. Entraram no apartamento dela, roubaram tudo o que ela tinha, se é que tinha alguma coisa, pelo menos o apartamento estava todo revirado. Depois a mataram com uma faca.

— Meu Deus! Que coisa horrível! Quem terá feito uma coisa dessas?

Ele riu:

— Não foi você? Pensava que sim. Terá que provar sua história, claro, embora o que me contou não lhe garanta um álibi, muito pelo contrário.

— E como o senhor soube que eu estive lá?

O delegado riu mais uma vez:

— Quem é o interrogado aqui? Eu ou você?

— Sou eu. Mas é que se trata de uma pergunta inevitável, o senhor entende.

— Entendo. E respondo. O porteiro nos disse.

— Mas... Como souberam onde me achar? Quero dizer, o porteiro sabia no máximo o meu nome. Embora Dona Alda tenha autorizado minha subida, ele nunca me viu antes na vida.

— Foi o cartão.

— Cartão? Que cartão?

— Pense um pouco...

— Ah, sim, o cartão. O cartão da minha loja, que dei a ela. Vocês o acharam.

— Sem dúvida. Estava sobre a mesa de centro, na sala.

— E quem encontrou Dona Alda morta?

— A filha. Ela chegou logo depois que você saiu. Encontrou a mãe e avisou a polícia. Depois, o porteiro acabou dizendo que você estivera lá. Com o cartão da sua loja, e seu nome nele, foi fácil localizá-lo.

— Daí, vocês deduziram que eu a matei.

— Queria que pensássemos o quê? Você foi o último a falar com ela. Alda estava morta há pouco tempo. Não foi difícil deduzir que só você poderia ser o assassino. Não menos difícil encontrá-lo através do cartão.

— Caramba! Que enrascada! Bem que meu irmão me falou que aquela não era hora de ir na casa dos outros!

— Acho que seu irmão tinha razão. Mas não pense que o fato de você admitir tudo tão prontamente, quero dizer, não o crime, mas que esteve lá no horário deste, será considerado por mim como prova de inocência, pois pode ser uma estratégia sua para demonstrar que não é culpado.

Me ajeitei na cadeira. Não me encontrava nem um pouco à vontade.

— Bem, mesmo que eu tivesse matado Dona Alda, que motivos eu teria para isso? Nunca a tinha visto antes, apenas falei com ela por telefone, uma vez, antes de encontrá-la pessoalmente.

— Algum motivo você poderia ter. Não seria você algum tipo de lunático, que se aproveitou da mulher viúva para alguma finalidade sórdida, matando-a depois?

— Sem dúvida que não.

— Bem, tudo o que você me disse será checado. Vou liberá-lo, mas recomendo que não se ausente da cidade em hipótese alguma, para o seu próprio bem. Ainda é suspeito, por todas as circunstâncias. Me dê o endereço de todas as pessoas com quem eu possa confirmar sua história.

Dias depois, li nos jornais, a própria filha matara Dona Alda. Já não se davam bem há muito tempo. Ela, de forma fria e calculista, após ter matado a mãe, revirou o apartamento e tomou para si tudo o que pudesse haver de valor ali dentro, para simular um latrocínio. Depois, chamou a polícia, e mesmo eu me colocado em posição de principal suspeito, acabou por cair em contradição. Além disso, suas digitais foram encontradas na faca e encontraram ainda, uma roupa sua, manchada com o sangue da mãe, enfim, uma sucessão de erros típicos de um crime não planejado e de alguém que desconhece por completo os mais elementares vestígios passíveis de investigação por uma perícia criminal. Além, é claro, do lapso de tempo entre sua chegada ao apartamento e a chamada à polícia. Haviam decorrido vinte minutos — o porteiro se lembrava do horário da chegada dela, pois havia coincidido praticamente com a minha saída. Se eu tivesse matado Dona Alda e a filha a tivesse encontrado logo após eu ter saído, por que ela teria levado vinte minutos para chamar a lei?

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