Capítulo 1

(Sábado, dia 9, 21h30)

Passara na casa do meu irmão, no centro da cidade, por volta das oito e meia da noite. Conversamos cerca de uma hora, regados a um bom vinho português. Ele me pedira que trouxesse alguns materiais hidráulicos para a reforma em sua cozinha. Quando já ia me despedindo, me lembrei de uma coisa: Dona Alda!

— Dona Alda? Mas quem é Dona Alda?

— É uma mulher que mora aqui perto. Vou lhe contar.

Expliquei em detalhes como ela se comunicara comigo, por telefone. Meu irmão achou a história muito esquisita.

— E você vai até o prédio dela?

— Pensei em ir agora mesmo, já que estou tão perto. E depois, vou apenas dar uma olhada no banheiro.

— Cara, isso lá é horário pra isso? Eu, hem? E vai que é uma dessas velhas taradas.

— Apesar da maneira estranha como ela me encontrou, pareceu uma pessoa normal. Ela disse que abriu a lista telefônica na letra H e escolheu alguns nomes que tivessem a ver com hidráulica. Daí, chegou na Hidro-Azevedo. Achou o nome bonitinho e ligou. Não devem existir segundas intenções. Foi ontem que ela ligou, perguntando quando eu poderia passar por lá para analisar um ruído estranho no banheiro.

— Mas será que já não está tarde?

— Acho que não. São vinte e uma e trinta. Ela mesma me disse que eu poderia ir à noite, se quisesse, que ela preferia. Posso usar seu telefone?

— Claro.

Disquei o número que anotara na agenda do celular. Logo ela atendeu.

— Alô? Dona Alda? Sou eu, Lauro. Sim, é justamente por isso que estou ligando. Vou dar uma passada aí para dar uma olhada. Estou perto, tudo bem? Perfeito então, até mais.

Coloquei o fone no gancho. Meu irmão sorriu, ironicamente:

— Problema no banheiro... Sei. Essa história está muito mal contada. Quem não te conhece, que te compre. Vamos, vai. Quem é a gata?

— Não tem gata nenhuma. É só uma senhora com problemas no banheiro. O prédio é antigo. Suponho que o problema é na válvula de descarga. É o fechamento brusco, que causa o golpe de aríete.

— Está falando grego pra mim.

— Golpe de...

— Deixe as explicações para Dona Alda. Eu quero saber outra coisa. Como sabe que ela é uma senhora? Não pode ser uma jovem? Você só falou com ela pelo telefone. Nunca a viu.

— A voz me parece de uma senhora idosa.

– A voz pode enganar. A única referência que você tem é a voz. E isso não quer dizer nada. Pode até ser um travesti.

— Nada a ver!

— Mas vai, já está atrasado para o encontro com sua "Alda". Espero que tenha sorte e seja uma tremenda loira.

As suposições de meu irmão eram bem sugestivas. Imaginei como seria interessante Dona Alda, ou melhor, Alda, abrir a porta, vestida numa camisola vermelha, transparente, deixando entrever as roupas íntimas, dizendo: "Entre, Lauro. Que bom que você chegou. Sabe, preciso urgentemente que você verifique não só a válvula, mas o encanamento todo". Duvido que qualquer outro não pensasse a mesma coisa.

Cheguei. Estacionei o carro defronte ao prédio, um edifício bem antigo. A rua estava deserta. Estava frio. Não havia ainda movimento de prostitutas e de homens à sua caça, embora alguns costumassem caçar outro tipo de presa também. A portaria praticamente não existia, instalada num saguão estreito, na verdade, um corredor, que se estendia por uns dez metros até o hall dos elevadores.

— Boa noite. Gostaria de subir ao apartamento de Dona Alda. Ela me espera.

— Ah, ela avisou. Seu nome é...

— Lauro.

— Tudo bem. Pode subir. Sétimo andar, apartamento 71.

O elevador já se encontrava no térreo. Entrei e apertei o botão. As especulações de meu irmão ainda ecoavam em minha mente.

Já diante do apartamento 71, toquei a campainha, fechando os olhos, respirando fundo. A porta foi aberta alguns segundos depois, para minha imensa surpresa. Me deparei com uma maravilhosa mulher negra, de olhos grandes, cabelos alisados artificialmente. Estava praticamente nua. Me agarrou, me dando um suculento beijo, com seus lábios vermelhos e carnudos. Puxou-me para dentro, me jogou no sofá e pulou sobre mim.

Mas isto fora apenas um devaneio, naqueles segundos em que permaneci de olhos fechados diante da porta 71. O meu desejo por mulheres negras, nunca satisfeito, foi que me fez ter um surto de alucinação. Ao abrir os olhos, porém, com o ruído da porta sendo aberta, surgiu com a verdadeira Dona Alda. Não muito velha, mas nem um pouco jovem. Devia beirar os sessenta anos, mas aparentando menos. Estatura mediana, cabelo castanho claro, bem curto, olhos verdes. Vestia roupa simples e discreta. Calça bege, nem um pouco justa e uma blusa de seda vermelha — nem um pouco transparente. No pescoço, um lenço de cor bege. Me recebeu com um sorriso, apertando minha mão com sua mão fria:

— Como vai? Entre, por favor.

Entrei. Trocamos as primeiras impressões. O apartamento possuía decoração discreta e não era amplo. Ela foi logo me conduzindo ao banheiro:

— Nem nos conhecemos, mas sua visita é profissional. Por isso, venha por aqui, por favor.

Peças antigas, azulejos azuis, tubo beirando à década de 1970, ou talvez antes. Examinei a válvula, dando algumas descargas. Parecia normal, fechamento não muito lento, mas dentro do esperado para uma peça tão antiga. Nenhum barulho, nenhum ruído.

— Parece normal. A senhora diz que faz um ruído?

— Sim, mas não é quando aperto a descarga. É um barulho muito chato. Não é muito alto, mas acontece quando menos se espera. Parece um avião que passe perto da gente. O som vai aumentando, aumentando, vira um estrondo, depois vai diminuindo, até desaparecer. Me irrita, sabe? Às vezes estou lendo, lá na sala, e lá vem ele. Às vezes estou dormindo, e acordo com ele. Mas, por que pensa que pode ser a descarga?

— Sabe, sou engenheiro e já trabalhei em firmas de projetos. Acabei por abrir a loja, o que se tornou muito mais rentável para mim. Pela minha experiência, isto que a aflige se chama, tecnicamente, golpe de aríete.

— É mesmo? Mas o que é isso?

— É o impacto da água em uma válvula, quando esta é fechada bruscamente. Este impacto gera ondas no líquido dentro da canalização, ocasionando variações de pressão. São estas ondas que causam os ruídos.

Percebi que ela não entendera. Procurei explicar com palavras menos técnicas:

— Imagine a água descendo rapidamente dentro da canalização. Se a válvula de descarga não estiver bem regulada, para fechar lentamente e interromper o fluxo d'água aos pouquinhos, se ela fechar de uma vez, isso gera um impacto. É esse tranco que gera o ruído, pelas ondas de pressão que se formam dentro do cano.

— Ah, agora ficou claro. Mas veja, até agora não ouvimos barulho nenhum. Gostaria que ouvisse, para saber se é esse tal golpe mesmo. E o que devo fazer para resolver o problema?

— O ruído não ocorre quando a senhora aperta a sua descarga, não é?

— Não.

— Então há de convir que o problema não é no seu banheiro. O problema é em outro apartamento, provavelmente o de baixo. São vários banheiros alimentados por uma única prumada hidráulica. Como o ruído se estende por toda o encanamento, podemos ouvi-lo em qualquer lugar. Como a senhora está muito próxima do problema, o ruído vem desembocar bem no seu banheiro. Talvez o shaft das tubulações, por ser oco, potencialize o som.

Alda estava fascinada e pareceu ter um estalo:

— Meu Deus! O senhor é um verdadeiro detetive! É isso mesmo. Só pode ser isso. O problema é no apartamento de baixo, o 61.

— E por que a certeza?

— Ora, porque o morador viaja muito. Ele mora sozinho, é solteiro. Quando ele não está, nunca escuto nada. Quando ele está, começo a ouvir o ruído. Puxa, que belo raciocínio. Descobrimos o mistério.

— E por acaso os raciocínios dedutivos são exclusividade da polícia? Os engenheiros também dão suas cacetadas.

— E o que faço para resolver o problema, então?

— Fale com o morador do 61 e explique o problema. Diga que um engenheiro a orientou. Posso mandar um encanador aqui, qualquer hora, para trocar as peças internas da válvula, o chamado "reparo". Se não resolver, aí teremos que trocar a própria válvula.

— Daí tem que quebrar a parede.

— Sem dúvida.

— Puxa, tomara que não.

De repente o som veio, crescente, quase ensurdecedor, pois estávamos dentro do banheiro. Apertei a descarga do vaso, o que fez o som praticamente sumir. Ela estava radiante:

— Olha ele aí! Está vendo?

— E como! É o golpe de aríete mesmo. Bem, se o sujeito não quiser trocar a válvula, acho que a senhora vai ter que arrumar um tampão de ouvido.

Ela riu:

— Ah, mas tenho fé. Não vai chegar nesse ponto. Ele é boa gente, mas o que o senhor fez, que o som sumiu de repente?

— Dando a descarga aqui, eliminei as ondas de pressão dentro do canalização. Como a sua válvula está regulada, o fenômeno não se repetiu.

— Fascinante! Como é bom falar com alguém que entende. Mas me diga uma coisa, por que golpe de aríete?

— Aí a aula já seria de história. Esse nome provém de uma antiga arma de guerra que era formada por um tronco, com uma peça de bronze semelhante a uma cabeça de carneiro numa das pontas. Era usada para golpear portas e muralhas de castelo. A senhora já deve ter visto em algum filme, um bando de fortões segurando um tronco e batendo na porta de uma fortaleza?

— Ah, já vi sim. E tem tudo a ver mesmo. E de tanto bater, acabam arrombando a porta. Uma hora dessas a válvula estoura também.

— Pior que isso. O próprio cano pode estourar, principalmente porque deve ser uma canalização em ferro galvanizado, a julgar pelo tempo de construção do prédio. O tubo já deve estar com a resistência bem comprometida, já deve estar todo enferrujado. Pode até romper.

— Então a coisa é séria mesmo. E pode até inundar um apartamento.

A conversa seguiu na sala de estar. Passado algum tempo, fui embora, deixando um cartão de minha loja sobre a mesa de centro. Desci, pensando se não deixara algo por fazer. Cumprimentei o porteiro no saguão e saí, apressadamente. Ainda tive tempo para dar um trocado a um mendigo que passava. Seria para que ele tomasse a última do dia. Quando saía com o carro, fui abordado por uma mulher bêbada. Era linda, tudo o que meu irmão supôs eu fosse encontrar em D. Alda.

— Me dá uma carona, gostosão, me leva para um motel, vai?

— Sinto muito, mas não posso. Tchau.

Ainda pude ouvir o grito dado do meio da rua, em alto e bom som:

— Frouxo!

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