Capítulo V - Causa


"Se um homem não descobriu nada pelo qual morreria, não está pronto para viver."

Luther, Martin.



A adrenalina de se arriscar por uma causa era maravilhosa. Em uma tentativa de conseguir recompor uma parte do meu espírito que estava confuso e devastado, muito mais que uma causa para viver, tinha uma causa para morrer.

Era loucura, insanidade, mas poderia dar certo. Isso me bastava. Antes de ir, falei com minha mãe que, relutante, me pediu para não ir. Eu a respondi com:

— Sabe, mãe... Aprendi na escola esses dias uma frase que me faz estar disposto a ir até lá, mesmo sendo arriscado. Ela diz:

"Se um homem não descobriu nada pelo qual morreria, não está pronto para viver."

— Eu sei que sou só um garoto, mas se eu puder ajudar, eu vou.

Era quase madrugada quando me dirigia a casa de João. Ao caminhar, o som de uma sutil música em bossa nova parecia trazer uma atmosfera diferente ao ambiente. A luz da lua cheia resplandecia em uma poça de água e também, dava um certo ar de mistério ao ambiente. Uma caminhada longa, sem dúvidas. Enquanto me aproximava da casa, a luz do poste piscava por algum tipo de interferência. Os sons pararam, tudo parecia em silêncio. Naquela região, era terminantemente proibido roubar, isso havia sido definido pelos chefes do tráfico da região.

Com as chaves da casa nas mãos, observei de longe. Era uma casa que se destacava das demais, um duplex que parecia caríssimo para um bairro de classe média-baixa. Observei algumas plantas com uma temática minimalista na frente da casa, tudo parecia muito bem arquitetado. Não que isso fosse muito relevante, mas passei a tentar chutar quantos milhões haviam compondo aquela casa. A ideia de que "o crime não compensa" não parecia fazer tanto sentido naquele momento.

Olhei para os lados para ter certeza que ninguém estaria me perseguindo. Ao levantar meus olhos para o céu, uma estrela brilhou, me trouxe a sensação de nostalgia e esperança.

Respirei fundo. Inseri a chave na fechadura da porta e lentamente puxei a maçaneta. Estava bastante tenso, mas era uma missão simples. Apenas ir e trazer a caixa.

Luzes automáticas acenderam quando eu entrei na casa, fiquei impressionado com a tecnologia da casa.

Tudo parecia encantador, era uma realidade inversa à qual eu vivia todos os dias. A realidade, no entanto, podia não ser tão boa quanto aparentava, afinal, a vida era bem mais que móveis caros. Não fazia ideia das batalhas diárias que cada um enfrentava, mas certamente tinham boas condições financeiras.

Fui em direção ao quarto, que estava localizado no andar de cima. Enquanto subia as escadas, notei uma série de quadros na parede, pinturas que pareciam muito encantadoras. Uma imagem de um garoto sentando sob uma oliveira lendo um livro sob o resplendor de um céu noturno e estrelado me chamou atenção.

Havia também fotografias de pessoas idosas, acredito que os avós de João. Percebi que não deveria me distrair com coisas pequenas, então fui em direção ao quarto.

Adentrando o quarto, senti uma atmosfera muito incrível. Alguns jogos espalhados pelo chão, videogames em uma prateleira meticulosamente organizados por ordem de lançamento e gênero.

João tinha todos os jogos que eu gostava e provavelmente não sairia de casa se tivesse, ainda sim, sempre o via na locadora de jogos nos fins de semana.

Notei que, embora estar sozinho seja ótimo algumas vezes, a solidão pode ser um terrível fardo. Que demônios ele enfrentava dentro de casa todos os dias? Era algo que não podia responder.

A caixinha estava em uma gaveta, parecia simples, continha uma espécie de quebra cabeça para abrir.

Não tinha chegado ali à toa, gostaria ao mínimo de saber o que continha dentro, levei alguns minutos e depois de solucionar o enigma: era um relógio, um Rolex de platina.

Sabia que um relógio desse era basicamente, muito superior ao valor da minha casa. Acredito que ele devesse procurar pagar a dívida com isso, coloquei dentro novamente, embaralhei o quebra-cabeça e sai com pressa.

A atmosfera parecia curiosamente pacífica, mas essa calmaria, era apenas a calmaria antes da tempestade.

A luz automática da entrada acendeu, alguém entrou na casa. Imediatamente, passei a calcular uma rota de fuga, o quarto havia uma janela de vidro que funcionava, porém era uma queda de aproximadamente 3 metros de altura. Não era exatamente impossível, mas era óbvio que iria fazer barulho.

Era necessário que houvesse sutileza e algo que fosse rapidamente pensado, decidi tentar reproduzir uma cena de filme.

Era teoricamente simples, amarrei um lençol ao redor da cama e usei o lençol como corda de rapel enquanto procurava controlar a respiração para não fazer barulho.

Se houvesse alguém fora, era provável que estivesse na entrada, de qualquer maneira, eu tinha uma alternativa: correr.

A descida foi um sucesso, comecei a correr sem pensar muito. Próximo à casa havia uma bicicleta jogada e entrei em um conflito: roubar ou não roubar? Bom, a minha vida estava em risco e era provável que o pai do João poderia pagar pela bicicleta se tudo desse certo.

Mas, meus princípios eram mais importantes, não podia roubar. Era contra tudo o que estava defendendo, mesmo que fosse para uma boa causa. O certo é o certo, mesmo que ninguém veja.

Durante a correria para casa, não notei ninguém correndo atrás de mim. Memórias rodeavam minha cabeça, todas as partidas que joguei, todas as amizades que tinha, o sorriso da minha mãe, o abraço do meu pai, o sonho de mudar o mundo. Eu realmente não queria morrer, nem que fizessem algo contra quem eu amo.

Chegando, Rafael me viu com a caixa e deu um suspiro de alívio e expliquei a situação para ele.

Com um sorriso genuíno, ele viu meu estado de preocupação e falou:

— Você ajudou muito, garoto. — Falou enquanto fazia um pequeno cafuné na minha cabeça.

— Aliás, você vem?

O simples ato de me arriscar a pegar uma caixa me fez tremer de medo, mais que isso, fui convidado a atuar no centro da guerra. O que eu poderia fazer? Não fazia ideia, mas fui chamado.

— Não mesmo. — Respondi a ele.

Ele não insistiu muito, mas não gostei muito da experiência de ser procurado e talvez fosse um ato estúpido ir junto.

A hora do combate se aproximava e algo grande estava prestes a acontecer, mas eu tinha fé que ia dar tudo certo.

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