CAPÍTULO 6-DEPRESSÃO
Everaldo sabia que ajudar Ed em seu período de luto seria também uma forma dele mesmo se recuperar daquela perda irreparável.
Ele e os colegas iriam receber os seus salários em dia, até que fosse definido pela justiça o que realmente fazer com os ex-funcionários da fábrica de produtos de limpeza.
Sem estar trabalhando, Everaldo decidiu mudar-se para a casa onde Ed e Max moravam.
O ideal, ele sabia, seria o viúvo vender a casa que guardava tantas lembranças e se mudar para outro lugar, mas evidentemente não teve coragem de propor aquilo pra Ed, já que o luto ainda era tão recente.
Foi sofrido não perceber qualquer reação de Ed quando viu o amigo chegar com as suas coisas e anunciar que lhe faria companhia por um tempo.
Ed simplesmente abandonou o emprego na fábrica de biscoitos e se isolou do restante do mundo dentro de casa. Ele havia recebido uma boa quantia em dinheiro, pois secretamente, Max estava pagando um seguro de vida em seu nome.
O viúvo de Max estava mudo desde o dia do velório coletivo que tinha sido feito numa praça de esportes da cidade.
Ver os treze caixões lacrados tornou tudo mais traumatizante ainda.
Famílias inteiras se debruçavam sobre os caixões acariciando as fotos de seus entes queridos que haviam sido afixadas do lado de fora.
Num canto da quadra, parecendo alheio a tudo o que acontecia a sua volta, Ed havia caído num mutismo de cortar o coração com o olhar fixo no que deveria ser o último refúgio dos restos mortais do seu amado.
_O Max não está morto, Everaldo..._Ed continuava a repetir num fio de voz batendo no próprio peito. _Eu sinto ele aqui...dentro do meu coração...Se algo tão monstruoso tivesse acontecido com ele...eu teria sentido! Ele está vivo, eu tenho certeza de que não é ele quem está ali dentro...estão enganando a gente...ele não morreu, Everaldo!
O amigo não se surpreendia com aquelas afirmações, pois também familiares dos outros mortos gritavam que aquilo não estava acontecendo...que queriam que abrissem o caixão para que eles mesmos pudessem confirmar que era o ente querido que realmente estava ali.
Everaldo entendia que todos, inclusive ele, ainda estavam em estado de choque...Filhos...pais...mães...esposas...todos desolados... estava difícil acreditar que aquela tragédia havia destruído treze famílias num piscar de olhos, no que parecia ter sido um vazamento acidental de um produto químico! Talvez, nunca descobrissem o verdadeiro culpado por aquela tragédia, pois os possíveis suspeitos estavam ali dentro daqueles caixões. De que adiantaria agora apontar um culpado? Só aumentaria mais ainda a dor daqueles que ali estavam.
As horas se tornaram dias...os dias se tornaram semanas e logo se completava um mês após a tragédia!
Naquele trigésimo dia, no cemitério onde fora depositar flores no túmulo de Max, Everaldo jurou para o amigo falecido que iria dar um basta no suicídio silencioso do seu viúvo!
Ed tampou os olhos, quando Everaldo abriu as cortinas deixando a luz do sol entrar no quarto escuro e triste.
_Já chega disso! Está insuportável este cheiro nesta casa! Você vai para o banho agora, porque isso aqui já está podre, Ed! _Everaldo falou em tom firme.
Ed encolheu-se na cama, agarrado aos lençóis onde ele e o homem que amava haviam passado a última noite.
Havia proibido Everaldo de arrumar a cama...havia proibido Everaldo de lavar as roupas de Max e usava aquelas roupas naquele momento, tornando o odor do quarto realmente insuportável.
Ed não queria comer...não queria sair do quarto...não queria tomar banho...simplesmente havia desistido de viver!
_Você está simplesmente podre e vai para debaixo do chuveiro agora, Ed! _ repetiu Everaldo já arrancando os lençóis de cima do amigo.
Ed havia expulsado de perto dele amigos e parentes que haviam tentado consolá-lo, inclusive Everaldo, que só permaneceu ao seu lado porque realmente havia feito aquela promessa ao falecido.
Ed resistiu agarrando-se aos lençóis e gritou grosseiramente:
_Me deixe em paz! Suma daqui! O que eu faço ou não da minha vida é problema meu e você não tem nada a ver com isso! Sai!
Aquilo não intimidou Everaldo:
_Você me disse que vocês dois fizeram uma promessa de que um sobreviveria sem o outro e não daria cabo da própria vida!
Ed revoltou-se mais ainda:
_É justamente por causa dessa porra dessa promessa que eu ainda estou aqui!
_Não por muito tempo, porque ninguém conseguiria sobreviver nesta zona que você fez neste quarto! E esta morrinha nem se fala! Isso é suicídio sim, Ed!
_Me deixe, já disse! Vá embora daqui e vá cuidar da sua vida!
Os dois começaram a brigar pelos lençóis sujos e pelas roupas de Max que estavam espalhadas pela cama, tornando tudo um verdadeiro caos!
_Assim a minha vida não estivesse atrelada a sua pra sempre!
_Não precisa fazer isso...A decisão é minha e de mais ninguém!
_Preciso sim, porque eu jurei no túmulo do Max que nunca te abandonaria e é justamente isso o que eu farei! Não vou deixar que você quebre a promessa que fez pra ele, Ed! Você precisa reagir!
_Reagir pra quê, Everaldo? Pra quê? A minha vida acabou, não percebe? Nada mais faz sentido pra mim!
Ed começou a chorar inconsolável, enquanto Everaldo respirou fundo e manteve-se firme...sabia que não podia fraquejar naquele momento.
_Você fez um juramento e vai cumprir! Você tem que tocar a sua vida pra frente...voltar para o seu emprego...dar continuidade aos seus projetos...
_Que vida, Everaldo? Que vida? Que projetos? O grande amor da minha vida se foi e eu nunca mais serei feliz!
Everaldo resolveu tentar outra tática:
_O Max não iria gostar de te ver assim...
Aquilo não convenceu Ed:
_Nossos sonhos...nossos projetos...eu não quero mais viver pela metade! Éramos um só, Everaldo e não dá pra viver dividido ao meio...faltando um pedaço! O melhor de mim se foi com o Max! Eu não consigo seguir sem ele!
_Você viu lá no velório? Todos aqueles pais, aquelas mães, aquelas esposas, aqueles filhos...Que opção eles têm a não ser continuarem em frente?
_Continuam em frente porque têm pelo que lutar! Tem filhos...pais...Não me resta nada nesta vida!
_A sua família... _Everaldo tentou.
_A minha família era o Max, você não entende?
_Eu entendo que você fez uma promessa para o Max e vai ter que honrar o desejo dele de você sobreviver mesmo sem ele aqui!
_Não dá...não dá...o vazio que sinto dentro do peito me tira todas as energias...não tenho mais forças pra viver, não percebe?
_Percebo é que você está fedido demais, isso sim! Ande, faça o que quiser depois, mas que seja limpo e não imundo deste jeito!
Ed desistiu de brigar com Everaldo, afinal, sabia o quanto ele também gostava de Max e que ele também ainda estava se recuperando do trauma sofrido ao ver a fábrica onde trabalhava ir pelos ares.
Everaldo deixou Ed no banheiro, enquanto trocava as roupas de cama rapidamente, tentando expulsar aquele odor nauseabundo que parecia tresandar pela casa.
_Está tudo ali numa sacola, deixei pra você ver o que quer fazer com essas roupas._ disse Everaldo ao ver Ed voltar após o banho.
Ed tinha que reconhecer o quanto o amigo estava sendo bom pra ele.
_Você não precisa passar por isso tudo sozinho, meu amigo...eu estou aqui...eu também amava o Max e sinto muito a falta dele! E a gente vai enfrentar esta barra juntos, Ed!
_Eu sei. Ele também amava você...nosso melhor amigo...
Ed deixou-se amparar pelo outro mais uma vez e ficaram abraçados em silêncio por um longo tempo.
_Meu coração está em frangalhos, Everaldo...
_Eu sei, meu querido...eu sei...
Ed bateu forte no próprio peito:
_Mas aqui dentro eu sinto que ele ainda está vivo! É um sentimento muito forte! Ele está presente ao meu lado com uma força tão grande que eu quase posso sentir o seu toque no meu corpo!
Everaldo deixou ele falar, sem interromper:
_Na última noite em que passamos juntos, sentimos que algo mudou, sabe? Era como se a gente estivesse unido de um jeito que seria impossível de separar! Como se nem a morte fosse capaz de afastar a gente, entende?
Everaldo concordou, pois podia imaginar o que era ter um parceiro como Max, tão intenso em sua forma de amar, pouco antes dele partir...da forma como Ed havia contado.
_Eu deveria ter sentido naquela noite como se ele estivesse se despedindo de mim, mas não, sabe? Eu senti como se algo de novo tivesse surgido entre nós e não faz sentido algo tão forte terminar assim do nada! Especialmente porque...
Ed fez uma pausa com os olhos perdidos no espaço...mas mesmo assim, Everaldo não disse nada.
_A gente também prometeu um para o outro que quem fosse primeiro voltaria para buscar o outro assim que encontrasse um jeito. Mas ele não veio... Por que, Everaldo?
O que Everaldo deveria dizer? Que Max ainda viria buscá-lo? Que ele daria um jeito de tirar a vida do amante para que os dois ficassem juntos pela eternidade? Mesmo sabendo que era exatamente aquilo que Ed queria ouvir, não disse nada.
_Por que ele não veio me buscar, Everaldo...por quê? _insistiu Ed. _ Trinta dias...já não é tempo suficiente para ele cumprir o que me prometeu? Não entendo...Será que já me esqueceu?
Everaldo não queria dizer novamente que talvez Max quisesse que o outro continuasse sem ele... Não queria correr o risco de fazer com que Ed se revoltasse contra Max!
Uma palavra mal dita...uma insinuação de abandono do parceiro...ou mesmo de esquecimento tão prematuro do grande amor de sua vida e Ed, ainda tão frágil, se sentiria no direito de dar cabo da própria vida para por fim àquele sofrimento!
Everaldo continuou em silêncio, acreditando que por enquanto, seria mais seguro que Ed se mantivesse na esperança de que algum milagre pudesse acontecer.
_Nada mais faz sentido...nada mais tem graça... _Ed novamente desabou na cama. _Meu mundo acabou...e só voltará a ter sentido, quando o meu amor voltar pra mim...e que seja breve...
Everaldo acreditou que chegaria um momento em que ele precisaria chamar alguém...talvez um familiar...algum outro amigo...ou um profissional de saúde para por um fim àquela entrega de Ed.
Aquela noite, porém, daria um novo rumo à vida de Ed, o que deixaria Everaldo completamente desorientado sobre o que deveria pensar ou fazer.
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