A neurocientista doutora Kaila Medeiros viu quando guardas fortemente armados  conduziram Germano, Everaldo e Jaime pelos corredores do laboratório.

Os três tinham expressões derrotadas, a mesma expressão que  ela também assumiu, diante do inevitável desastre da sua empreitada junto aos amigos. 

Ela também viu quando a mãe recebeu mais duas autoridades que certamente tinham ido aplaudir o seu sucesso. 

Joana Medeiros tinha  a mesma expressão de arrogância e ostentação que Kaila vira tantas vezes a mãe usar diante do marido. 

A mãe estava certa, concluiu Kaila mordendo mais uma barra de chocolate na tentativa de calar as críticas  que dirigia a si mesma...Ela realmente era uma inútil...incapaz...imatura...alguém de quem a mãe tinha motivos de sobra para se envergonhar.

Era muito bom ter aquela reserva de doces  ali para momentos  como aquele, em que ela não tinha mais ninguém com quem desabafar, ou mesmo trocar uma ideia...menos ainda pedir apoio ou obter algum conselho que lhe indicasse que caminho deveria seguir. 

Kaila já sabia o que viria depois de ter cedido a sua compulsão alimentar...aquela sensação de  que ela estava a ponto de explodir e ao mesmo tempo aquela plenitude por se sentir confortada pela comida.

Diante de si mesma, ela  não tinha necessidade alguma de fingir. Ela estava sendo ela mesma, uma  fraca, covarde,  alguém que nunca conseguiria nada na vida...alguém que nunca chegaria aos pés de Joana Medeiros!

Em algum lugar na mente de Kaila, ela sabia que precisava agir logo, se quisesse garantir que os três recém-capturados não desapareceriam das vistas de todo mundo também. Qual a dificuldade de forjarem mais três atestados de óbito? Nenhuma!

Covardemente, em sua defesa, preferiu jogar a culpa pelo fracasso da missão de resgate em seus aliados.

Por que Jaime não havia chamado a mídia para denunciar Joana Medeiros e  por um fim naquilo tudo?

Por que Germano não havia usado o vírus para detonar com tudo a ponto de nenhum registro oficial  mais existir de que algum dia aquele projeto havia existido?

Aquela tranquilidade toda no local era a maior prova de que Joana tinha vencido mais uma vez e seguia em direção ao seu tão sonhado objetivo: o Prêmio Nobel de Medicina! O primeiro Prêmio Nobel que o Brasil receberia!

O nome de Joana Medeiros estaria para sempre escrito na história! A primeira brasileira a trazer um prêmio desses para o Brasil realmente era um feito a ser comemorado por todos...mas não por Kaila! 

Por que Jaime havia falhado, se bastava apenas ele postar  uma mensagem pra mídia? Por que Germano havia falhado, se a vitória estava tão perto...a um toque no celular? Acima de tudo, por que Everaldo, que sempre havia duvidado da índole dela, não fizera nada pra impedir aquilo?

Naquele momento, ela sentiu ódio dos três que haviam colaborado de alguma forma...pela inação... para que Joana Medeiros seguisse em frente!

Kaila abriu outra caixa de bombons e foi logo metendo dois na boca, sem mesmo ter terminado o anterior. ..engasgando e quase sufocando na tentativa de calar as vozes que urravam em sua mente por não terem parado a mãe dela  a tempo!

Três tolos  agora, muito provavelmente, pagariam com a própria  vida, ela sabia...Ao falharem, eles haviam assinado a própria sentença de morte, por terem menosprezado a ambição e o poder de destruição de Joana Medeiros! 

A neurocientista, porém,  sabia que ela era a sua maior  inimiga, tanto por estar tentando explodir com  tanta comida...quanto também por se esforçar para  ignorar o que se passava a sua volta...Tentava se alienar, mesmo sabendo que se condenaria pelo resto da vida por ter sido omissa e cúmplice daquilo!

Ela havia feito a sua parte! Ela os havia colocado ali dentro! Eles tinham a faca e o queijo na mão e sabiam com quem estavam mexendo! Eles eram  três...ela apenas uma e uma das psicólogas com quem havia estado afirmou que ela era a maior vítima da mãe! Isso tudo não era o bastante para lhe dar a absolvição? Parecia que não!

Kaila pegou o celular com mãos trêmulas... Ela ligaria para um advogado amigo dela para que ele viesse defender os três...se é que ela tinha algum amigo...Será que ela era amiga de alguém? Certamente de Jaime e Germano parecia que não!

No momento seguinte, ela jogou o celular longe e agarrou a própria cabeça...O advogado não teria poder de fazer nada para libertar Jaime, Germano ou Everaldo...Nem mesmo daria tempo!

Não haveria necessidade de denunciar ninguém, se Joana Medeiros simplesmente usasse o seu poder para fazer os três sumirem do mapa! Quantas pessoas simplesmente desapareciam no mundo todos os dias? Eles logo fariam parte das estatísticas...simples assim!

A neurocientista  largada num canto sentiu as vistas turvas, talvez porque houvesse comigo chocolates ao rum suficientes para deixá-la bêbada...ou talvez porque a glicemia já houvesse subido o suficiente para que ela começasse a perder os sentidos...e vieram mais pensamentos confusos que não levavam a lugar algum!

Quatorze homens haviam sido envolvidos naquela pesquisa como cobaias forçadas por causa dela, pela incompetência dela, pela irresponsabilidade dela...Qual tinha sido a ideia inicial mesmo?

kaila sorriu consigo mesma, lembrando-se da sua ambição inicial...descobrir a cura para o Alzheimer! Que gesto nobre tinha sido, ela admitia!

Quem ela achava que era pra sonhar com algo tão grandioso? Joana Medeiros?

_Garota, você realmente é ousada como a sua mãe! _um de seus professores  tinha lhe dito. _ Uma descoberta como esta merece o Prêmio Nobel de Medicina!

Ela agora podia admitir pra si mesma que havia passado a noite em claro olhando para o teto de seu quarto se enxergando recebendo aquele prêmio.

Mais de cem anos da criação do prêmio e nenhum brasileiro ainda o tinha recebido...ela julgou-se capaz de trazer o primeiro Prêmio Nobel para o Brasil, essa era a verdade. ..assim como agora a sua mãe o fazia.

Kaila Medeiros admitiu que era tão ambiciosa quanto a mãe...a ponto de sacrificar tudo apenas para alcançar os seus objetivos...por que então fizera a tolice de incentivar Germano e Jaime a destruírem aquele projeto? A resposta estava bem ali, mas ela não ousava deixá-la vir...

Ela sentiu o estômago se revirar mais uma vez, devido à quantidade de açúcar que ela havia ingerido em tão pouco tempo...será que já tinha alcançado cinco mil calorias? Será que Deus iria ter misericórdia e deixá-la finalmente explodir, espalhando chocolate pelas paredes do laboratório?

Kaila foi até o banheiro e vomitou repetidas vezes. Depois, lavou o rosto e olhou-se no espelho. 

A imagem que lhe retornou tinha um misto de imbecilidade e covardia...frustração e submissão...mas também havia uma ponta de mágoa e um ódio que ia crescendo aos poucos, só esperando autorização para explodir!

Ela podia ficar ali escondida de tudo e de todos...esperar tudo se acalmar...só sair quando a mãe já estivesse com tudo sob controle...simples assim! 

Tudo voltaria ao normal no dia seguinte, era o que ela esperava...aos poucos, foi se sentindo anestesiada a ponto de não sentir remorso pelo que poderia acontecer com Germano...Jaime...Everaldo...Lutar por eles agora seria lançar-se contra a mãe, certamente...tantos pensamentos confusos...tanta indecisão...

Ela realmente queria ver até onde a mãe era capaz de ir em busca daquele prêmio? Já não vira o bastante? Parecia que não!

O que Joana Medeiros seria capaz de fazer com a própria filha, caso ela estivesse em seu caminho? 

Uma distração... uma tentativa de consolo... Ela tentou pensar no quanto haviam avançado com a sua descoberta...ressonância límbica...telepatia...até onde Ed e Max poderiam chegar? 

Eles eram o futuro da raça humana, essa era a verdade e tudo graças a ela!

Ela percebeu  a chegada de uma  funcionária  do laboratório que se assustou, quando a viu pálida daquele jeito:

_Kaila, você está bem?

Ela lavou o rosto mais uma vez, antes de responder:

_É só um mal-estar passageiro, nada mais. Deve ser o calor.

A funcionária sorriu, enquanto retocava a maquiagem e ajeitava os cabelos meio histérica:

_Quem não está fora do normal hoje, não acha? A sua mãe vai ser indicada ao Nobel de Medicina e com certeza vai trazer o primeiro Nobel para o Brasil! Doutora Joana Medeiros fazendo história! E eu vou contar pra todo mundo que estava aqui, trabalhando pra ela,  num momento como este!

A garota começou a elogiar Joana Medeiros e Kaila percebeu que os elogios saíam tão espontaneamente que ficou claro que aquilo não era simplesmente porque estava em frente à filha da poderosa. Ela idolatrava a neurocientista!

Kaila ficou calada analisando a postura daquela garota que continuava a elogiar Joana  e se sentiu mal novamente e aquilo era simplesmente sufocante e insuportável!

Não importava se ela possivelmente fosse a única funcionária a admirar a chefe...não importava que ela citasse a todo momento que um dia queria ser como a doutora Joana...a mulher perfeita...a mãe perfeita...a cientista perfeita!

_Menina, você deve ter nascido virada pra lua, pra ser filha de quem é! Confesso que morro de inveja de você, Kaila! Sua mãe é tão linda, tão elegante, tão charmosa, tão poderosa, inteligente...e, claro, você será conhecida para sempre como a filha da mulher que trouxe o primeiro Nobel para o Brasil! 

Aquilo soou como uma provocação incontrolável  sobre a neurocientista e o ódio de Kaila finalmente explodiu!

_Kaila! _ a moça gritou assustada, quando a outra saiu do banheiro com grosseria jogando a porta longe provocando um estrondo enorme que ecoou pelos corredores.

Kaila queria poder um dia falar pra todo mundo que fez aquilo para salvar os amigos...ou mesmo para libertar as cobaias...ou  que lutava por justiça...ou mesmo que queria denunciar todas as injustiças que a mãe havia praticado ao longo dos anos roubando projetos...abusando de funcionários...mas ela sabia que a verdade era outra e era essa verdade que a fez colocar um ponto final naquilo tudo!

Joana Medeiros não iria mais deixar a filha como coadjuvante de sua própria vida! Kaila queria ser a protagonista daquela vez!

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