CAPÍTULO 10-CAUTELA DE AMBAS AS PARTES




Kaila estava sem ação após ouvir o relato surreal da mãe!

Mesmo sabendo o quão longe Joana poderia chegar para atingir os seus objetivos, a filha imaginou que devia ter entendido errado...inconscientemente, ela torcia para ter entendido errado, pois seria difícil demais acreditar que a mãe seria tão monstruosamente  fria a ponto de fazer aquilo!

_Você sabe que eu faço tudo pela ciência! _ Joana falou, como se aquilo justificasse tudo. _Você sabe que dediquei a minha vida inteira à ciência!

_Acho que vou vomitar. _ disse Kaila tampando a boca sem conseguir encarar a mãe.

Joana deu um passo atrás, se afastando da filha e falou com repulsa:

_Imagino que tenha comido alguma merda antes de vir pra cá. Aliás, percebo que você engordou mais ainda...

Joana Medeiros, movida pela compulsão em humilhar a filha, percebeu rapidamente que deveria se controlar, afinal, precisava da ajuda de Kaila para desvendar aquele mistério.

_Se é que o dia lá fora está muito quente e você pode ter se desidratado. _ tentou corrigir. _Até eu estou meio enjoada hoje, confesso.

Kaila ignorou a fala  da mãe, até porque tinha sido um comentário focado não num desejo físico  de vomitar, mas no asco que sentia ao imaginar que a mãe tinha feito aquilo.

A filha permaneceu calada por um longo tempo, chegando à conclusão de que ela também precisaria agir com cautela, pois não tinha dúvida alguma de que a mãe pudesse dar um fim inclusive  nela, se sentisse uma ameaça maior! Nada iria parar Joana Medeiros...nada!

Kaila  percebeu a tolice que cometera ao agir no calor da emoção... A discrição, percebeu tarde demais, teria sido mais apropriada naquele momento! Ela  se repreendeu por não ter previsto algo daquela natureza...repreendeu-se também por não ter confirmado com Angélica o descarte das cobaias...e especialmente por ter deletado a informação de que a mãe certamente estava a par de cada passo que ela havia dado em sua pesquisa.

Joana Medeiros nunca havia escondido que uma descoberta como aquela mereceria um Prêmio Nobel de Medicina! 

A filha percebeu o quanto tinha sido tola por ter caído na armadilha da mãe! Havia fugido covardemente deixando o campo livre pra ela agir!

A pergunta saiu quase que inconscientemente, pois realmente não deveria ser o mais importante naquele momento:

_Você então matou as minhas cobaias?

Joana revirou os olhos indignada ao perceber  que diante de tudo o que havia contado à filha, ela iria perder tempo voltando naquele detalhe  insignificante.

Tentando se controlar, a mãe atravessou a sala em passadas largas, chegou perto de uma mesa onde havia uma garrafa de água e serviu-se. Tomou um pouco bem lentamente, como se tivesse todo o tempo do mundo, antes de falar:

_Isso você poderia já ter deduzido sozinha, afinal, se eu resolvi continuar com a sua pesquisa é porque eu tinha confiança no poder dela. Pode dormir em paz esta noite...Você não é a responsável pela morte das cobaias.

Kaila sentou-se e tampou a cabeça com ambas as  mãos:

_Mãe, pelo amor de Deus, eu sou a sua filha...Como pode ser tão cruel comigo me fazendo acreditar que eu falhei? 

Joana Medeiros não se alterou, pois intimamente continuava achando a filha lamentavelmente  fraca como o pai.

_Confesso que às vezes eu me esqueço disso e penso que você é filha apenas do seu pai, porque é sem visão de futuro feito ele. Pensa pequeno...não tem ambição de crescer!

Kaila não se conteve, pois estava machucada demais pra não desfazer aquele nó na garganta!

_Eu também às vezes suspeito  que você não  é a minha mãe e confesso que me sentiria  a pessoa mais feliz do mundo se descobrisse que não sou a sua filha!

Joana se empertigou,  mas a expressão de seu rosto não se alterou. Porém, não deixou de tentar uma chantagem emocional com a filha...Um pouco de culpa sempre dava certo com Kaila. 

_Não pense que ouvir  isso não me magoa...te carreguei durante nove meses, acabei com a minha saúde, arrebentei o meu corpo...Meu Deus, eu fiquei horrorosa após o parto! _ Joana respirou de maneira dramática, antes de continuar. _Mas agora o nosso foco não é fazermos uma DR entre  mãe e filha...Temos algo mais importante pra resolvermos...  Não ouviu eu falar que estamos aqui com treze homens que tomaram a sua fórmula e que um deles está apresentando um comportamento completamente diferenciado dos outros?

Kaila não podia acreditar naquilo:

_O quê? Espere aí...isso então é mais importante do que as vidas de treze homens que estão detidos aqui como se fossem seus prisioneiros! Porque eles não viriam voluntariamente pra cá, se soubessem das suas intensões, mãe! O seu erro já começa aí!

_Não são homens, são cobaias, caso tenha se esquecido! Carregam no corpo algo que ainda  nem sabemos que reações poderão provocar! _Joana tentou ludibriar a filha. _De acordo com os testes feitos até agora, as cobaias apresentaram um poder de concentração mais apurado, mas isso qualquer complexo vitamínico é capaz de fazer! As cobaias...

Kaila apelou:

_Eles não são ratos, caso não tenha percebido...e repito que estou chocada...a minha fórmula ainda não estava pronta para testes em seres humanos! Sabe quantas etapas você queimou? 

Joana perdeu o controle:

_Será que não existe aí dentro de você nenhuma centelha de curiosidade científica para te deixar focada no que realmente interessa?

Mas aquilo não convenceu Kaila:

_Isso não podia ter acontecido...

A mãe a interrompeu:

_Mas aconteceu! Aconteceu! E se o incidente ocorreu, parte da culpa foi sua e você sabe muito bem disso! As suas ampolas saíram daqui ainda sob a sua responsabilidade...eu só recolhi a merda que você poderia ter deixado solta por aí! 

Kaila sabia que em parte a mãe estava certa...ela não poderia ter negligenciado a fórmula daquele jeito...tinha que ter verificado se o descarte realmente tinha acontecido! Se ela estava alterada pela suposta morte das cobaias devido a um erro seu, mais ainda a pobre Angélica que perderia o emprego por um erro da chefe. 

_Eu te odeio! _ a filha gritou.

A mãe pareceu não ter escutado e continuou:

 _O que você faria?

Kaila sabia o que a mãe falaria a seguir  e desejava que ela não o fizesse.

 _Você eliminaria as treze cobaias? 

Kaila não queria pensar naquilo...e por um momento, desejou que aquela informação nunca tivesse chegado até ela! Por que o seu vizinho tinha que ser tão intrometido a ponto de ligar para Angélica? Se ele não tivesse feito isso, nada daquilo estaria acontecendo e ela ainda estaria dormindo no escuro de seu quarto.

A mãe não se importava se a filha estava tendo uma crise de consciência...se a filha tinha ética profissional!

_Talvez você, irresponsável que é... as deixaria soltas por aí...perdidas no mundo carregando dentro de si...

A filha interrompeu a mãe nervosa:

_Carregando dentro de si um experimento que nem mesmo era pra ter sido usado em pessoas que não trazem traços de Alzheimer ainda, comece por aí!

_Já te disse que alguns demonstram terem melhorado a resposta cognitiva...

Joana parou, respirou fundo antes de continuar:

_Menos o Max, claro.  Este aí...

A mãe suspirou mais uma vez, visivelmente excitada:

_Este aí é o nosso menino de ouro...a nossa maior aposta! Não que a gente vá se esquecer dos outros, mas estou a ponto de apostar todas as minhas fichas naquele homem maravilhoso!

Kaila conhecia a mãe bem demais para que aquilo passasse despercebido. Revoltou-se mais ainda:

_Me diga que não está tão interessada neste homem por outros motivos também...

Joana deu de ombros:

_Nunca escondi que sinto atração por carne mais nova.

_Ele tem idade pra ser o seu filho, mãe!

_Preconceituosa feito o pai... Ainda tenho o espírito jovem, estou cheia de energia...E ele promete nos levar bem mais longe do que imaginávamos! Até você ficaria excitada vendo o que eu vi! Aquilo foi diferente de tudo o que eu já vi! Vou lhe mostrar o resultado dos exames dele ...Tudo indica que houve alguma coisa ali que ainda não sabemos explicar...

Kaila sentiu repulsa ao ver o olhar cobiçoso da mãe. Ali não havia ética...não havia profissionalismo...não havia caráter...era simplesmente o monstro que ela sabia que a mãe era! Sem respeito...sem escrúpulos...mostrando o seu lado mais nojento!

_Estamos diante de algo grande, Kaila! _ os olhos de Joana brilhavam cheios de cobiça. _Estamos diante do futuro da humanidade e você sabe disso!

A filha percebeu  que estava vulnerável demais ali, naquele laboratório... nos domínios da mãe.

_Vai ser a descoberta da sua vida, filha! Vai ser o seu momento de glória! Vai dar as costa a isso?

Kaila viu a  loucura nos olhos que a encaravam esperando a sua resposta que, para a sua segurança, deveriam agradar a mãe.

_Deixemos as diferenças entre nós de lado, pelo menos desta vez, filha! 

Joana segurou as mãos de Kaila, o que acendeu um alerta na cabeça da filha: a mãe nunca estivera tão perigosamente ameaçadora quanto naquele momento!

_Você errou...eu errei...isso acontece! Mas a ciência tem que superar tudo isso...tem que ser maior do que tudo isso!

Treze homens...uma fórmula não concluída...uma pesquisa em andamento  no meio de tantos  erros...negligências...e a frente daquilo tudo, uma mulher perturbada pela ambição em alcançar o seu objetivo de receber um Nobel!

A mãe  não a deixaria sair dali de posse daquela informação...não mesmo!

O ápice do desespero da mãe finalmente chegou:

_Você estará no controle de tudo, filha! O seu nome vai entrar pra história, pense nisso!

Uma serpente se sentindo ameaçada e pronta para dar o bote fatal, se a sua vítima não agisse com cautela...caminhasse para o lado certo...era assim que Kaila se sentia...entre a cruz e a espada!

_Pela ciência, está bem? Pela ciência... Pela primeira vez, trabalharemos lado a lado...esqueça a hierarquia dentro deste laboratório, pois farei tudo o que você mandar, prometo._ Joana falou num fio de voz. _Você vai coordenar tudo e encontraremos a resposta para este mistério lado a lado...juntas...como deveria sempre ser...como mãe e filha unidas em nome da ciência!

Aquele não era o momento  de atacar...muito menos de agir contra o seu inimigo mais perigoso, Kaila sabia...a sua mãe!

A filha simulou submissão...rendição...derrota e uma pontinha de ambição, pois faria bem para que a sua farsa fosse convincente:

_Admito que tenho parte da culpa...preciso terminar o que comecei...

A mãe se entusiasmou:

_Isso, filha...isso...

Kaila queria saber o que realmente estava cegando a mãe de ver que ela mentia...a ambição ou algum distúrbio neurológico?

Joana estava cega...fora de si, pois achava que a filha iria ceder tão facilmente...ou talvez estivesse segura que conseguiria tirá-la do seu caminho, quando o momento certo chegasse! Talvez até estivesse realmente arrependida por ter se precipitado em afastar a filha tão cedo daquela pesquisa...mas não era tarde  demais para corrigir o erro.

Kaila suspirou resignada, curvou os ombros para a frente para parecer mais convincente ainda:

_Trabalharemos juntas...só desta vez, mãe...

Joana sorriu:

_Só desta vez.

E colocando a mão sobre o ombro da filha, a convidou cordialmente:

_Agora venha conhecer o Max, minha filha!


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