CAPÍTULO 1-O INÍCIO DE TUDO




Para a renomada neurocientista  doutora Joana Medeiros, dirigir o maior centro de pesquisas do país já não era o suficiente. Ela queria mais, muito mais.

Joana Medeiros tinha sido a  responsável por alguns avanços importantes nas pesquisas em neurologia  no Brasil e achava que merecia um Nobel de medicina  por isso.

Seu nome até havia sido cogitado duas vezes para receber o prêmio, mas na última hora, era outra a pessoa escolhida  e ela novamente se sentia injustamente voltando para o fim da fila. Essas sucessivas frustrações por não ter sido escolhida a tornara uma mulher obcecada pelo reconhecimento máximo do seu trabalho, que ela acreditava que só viria depois que ela recebesse o tão almejado prêmio.

Agora, finalmente, surgia a maior oportunidade de sua vida: o seu laboratório estava com um novo projeto em andamento cujo objetivo era descobrir a cura definitiva  para o Alzheimer!

Joana achava irônico ter surgido aquela novidade justamente de onde ela menos  esperava. A sua filha Kaila, aspirante a ocupar o lugar da mãe um dia, conduzia  há mais de cinco anos uma pesquisa que prometia criar  uma droga  capaz de curar o Alzheimer!

Kaila Medeiros, também neurocientista,  havia informado à mãe que o  objetivo da sua pesquisa  era trazer a cura para aquela doença cruel, progressiva e  neurodegenerativa que apavorava tanto  as pessoas que iam envelhecendo e sofrendo  a perda de memória com o passar dos anos. 

_O que eu farei não será  apenas evitar que os neurônios morram! Também vou promover a regeneração e a multiplicação dos neurônios, tão essenciais para o cérebro! _ havia dito a garota exultante quando foi apresentar o seu projeto para a mãe.

A insaciável e ambiciosa doutora Joana Medeiros, porém, esperava muito mais do que isso e insistia para que  a filha fosse mais além, à medida que o tempo passava:

_Por que não tornar o cérebro humano não apenas  capaz de curar essa doença monstruosa  como também se tornar capaz de realizar tarefas que até então nenhum outro ser humano pode  realizar?

Geralmente a filha deixava a mãe falando sozinha, pois sabia que discutir com ela seria pior.

A mãe frequentemente aparecia como uma intrusa realmente inconveniente no laboratório da filha que não queria ser incomodada num momento tão importante como aquele!

_Mamãe, eu já disse, estou focada na cura do Alzheimer, isso não lhe basta? _Kaila falou tentando manter a calma.

A mãe olhou a filha com impaciência:

_Deixa de pensar pequeno, Kaila!  Por que nos conformarmos com o mínimo, se podemos ter mais?

Kaila não se deixava arrastar pelos sonhos mirabolantes da mãe.

A mãe  insistia:

_Estou realmente confiante no sucesso de nossas pesquisas, mas às vezes parece que você nem tanto!

Kaila queria protestar...Nossas pesquisas? A mãe não havia contribuído com nada! Pelo contrário...se ela não aparecesse a todo momento dando palpites errados, talvez a pesquisa estivesse mais avançada!

_Tenho certeza de  que estamos  diante do surgimento de um ser humano com uma  capacidade mental superior...um novo Einstein, talvez! _ a mãe falava sonhadora. _ Me diga logo o que mais podemos esperar, Kaila! Confesse que está me escondendo a melhor parte da sua pesquisa...algo que vai deixar aqueles idiotas de queixo caído!

Kaila revirou os olhos impaciente tentando se controlar para não apelar.

_Um idoso recuperando completamente  as suas memórias, quem sabe?! Já não seria maravilhoso?

A mãe perdeu a paciência com o que achava ser falta de  ambição da filha:

_ Você me diz quem sabe?  Kaila, a gente já está há mais de cinco anos nesta pesquisa e você ainda me vem com um quem sabe? Está querendo me dizer que ainda tem dúvidas se isso vai dar certo?

A filha, na verdade, já tinha algumas certezas bem sólidas, mas ainda  não iria revelar nada para a mãe, obviamente.

_ Sabe como é... Pesquisa em andamento...tudo pode acontecer...inclusive isso tudo pode não dar em nada! _ ela falou para desespero da mãe. _Vamos aguardar mais um pouco.

Joana Medeiros não havia chegado onde chegara apenas pelos próprios méritos, a filha sabia muito bem disso.

Muitos haviam sido os estagiários passados para trás e sendo dispensados quando estavam no final de suas pesquisas  e viam os créditos de suas descobertas caindo unicamente  sobre Joana Medeiros.

_Isso não é novidade. _ um colega  havia dito conformado. _Pode ter certeza de que isso  é mais comum e mais antigo do que você possa imaginar, Kaila. Os grandes gênios não descobriram tudo sozinhos, mas tiveram a ajuda de outras pessoas, certamente. Registrar a criança nem sempre quer indicar que você é a mãe, entendeu?

Kaila poderia dizer que ela era a prova disso. Joana até podia ter carregado a filha  no ventre por nove meses, mas certamente quando a registrou não a tinha como a sua filha, mas simplesmente como  um estorvo em sua vida! Joana Medeiros repetia sempre que tinha sido obrigada a fazer  dietas penosas  e várias cirurgias para recuperar o corpo que tinha antes da gravidez e deixava claro que jamais perdoaria a filha por isso!

Lamentavelmente se sentindo rejeitada, Kaila se esforçava para orgulhar a mãe e provar que tinha valor, mas percebia dia a dia que a tarefa era praticamente impossível. Desconfiava que a mãe a trataria como um de seus colaboradores e também roubaria a sua pesquisa quando essa estivesse quase finalizada.

_Que merda é esta? _Joana perguntou interrompendo mais uma vez o trabalho da filha.

Kaila se repreendeu amargamente por ter deixado aquilo ali: o  nome com o qual havia batizado o seu projeto.

_Roger doze? _a mãe falou  com desprezo. 

A mãe nunca havia escondido que achava o pai de Kaila, Roger Medeiros,   um fracassado, um inútil incapaz de lhe dar o mundo!

A garota tentou se impor, ergueu o queixo e tentou falar com a voz firme:

_A pesquisa é minha, mãe e eu coloco o nome que eu quiser!

_O nome do seu pai junto com  a sua data de nascimento? Quanta imaturidade! _ela falou indignada. _Você só pode estar de brincadeira!

Kaila queria corrigir lembrando à mãe que a sua data de nascimento era no dia dezessete, mas desistiu. Doze era o dia em que o pai havia dito à filha que iriam embora do Brasil e que se mudariam  para os Estados Unidos, somente os dois, a fim de que ela terminasse os estudos.

_Papai, hoje é o dia mais feliz da minha vida! _ ela havia dito pulando no pescoço do pai. _Eu te amo!

_Também te amo, filha! E nunca duvide disso, minha princesa! 

Doze do doze, ela nunca se esqueceria, porque os dois haviam comemorado repetindo a data como se fosse uma promessa de alforria dos dois em relação à mãe fria e egoísta.

Tragicamente, uma semana depois, Roger  Medeiros, sessenta e cinco anos, médico aposentado há seis meses, teve um infarto fulminante!

_O Roger  Doze será uma homenagem ao papai!

Joana destilou o seu veneno mais uma vez:

_Com este nome ridículo, não me surpreenderia se você fracassasse mais uma vez e me matasse de vergonha, que é o que você faz de melhor. Não preciso te lembrar quanto dinheiro estamos investindo  nesta pesquisa, não é? _antes de sair, uma ameaça. _Você não vai querer me decepcionar mais uma vez...não dessa vez...para o seu bem. 

A filha queria gritar que estava prestes a descobrir a cura para o Alzheimer e a mãe se preocupava com as despesas e o nome do projeto? Sabia que mais tarde  a mãe usaria a sua influência para batizar a pesquisa com o nome que quisesse, mas, no momento, a filha queria acreditar que ainda tinha a posse daquilo tudo. 

Kaila sentia uma dorzinha no estômago imaginando que seria a sua ruina se algo ali desse errado e todo o investimento se perdesse.

Aquele projeto era a menina dos olhos do grande laboratório naquele momento. Outros setores até podiam estar envolvidos em outras pesquisas, mas não tão importantes quanto aquela!

Kaila percebeu  o gatilho mental  sendo acionado, como sempre! Ela precisava urgentemente  abrir a  gaveta para  pegar uma barra de chocolate para sentir aquele consolo descendo pela sua garganta e indo acalmar o seu estômago. Mas não faria isso na frente da mãe!

_Por favor, me dê licença que eu preciso trabalhar agora. _falou sem encarar a mãe.

Joana Medeiros decretou com frieza:

_Preciso dos  resultados ainda este mês.

A garota quase perdeu o fôlego:

_Ainda este mês? Isso é impossível!

A mãe não facilitaria:

_Se comesse menos e trabalhasse mais, certamente já estaria mais adiantada, mas insiste em continuar insanamente obesa, o que certamente já deve estar afetando a sua produtividade.

Joana sabia que um projeto daquela magnitude certamente estava dentro do prazo. Por que então torturar a filha daquele jeito?

Kaila sentiu mais uma pontada no fundo do estômago...precisava do chocolate...imediatamente!

Ser gordofóbica, infelizmente,  não era o pior defeito de Joana Medeiros!

A mãe era magérrima, mais parecia uma modelo e nunca havia escondido a repulsa que sentia pelos quilos a mais da filha.

Kaila começara com a compulsão alimentar assim que se deu conta de que a mãe não registrava que tinha uma filha. Comer para preencher o vazio da falta da mãe foi uma espécie de blindagem que a garota criou. Com a morte do pai, a sua compulsão alimentar só se agravou. Tentou várias dietas e em todas fracassou. 

A consciência pesada  por não conseguir calar a revolta por não ter  sido a mãe a morrer  no lugar do pai também incomodava Kaila, pois achava que aquilo não estava certo. Que tipo de ser humano ela era por desejar a morte da própria mãe? Um monstro, ela avaliava!

Tentou fazer análise para curar a compulsão alimentar...depois para se conformar pela perda do pai...e também por não conseguir calar a carência em relação à  mãe...e por fim por continuar achando que a mãe tinha sido a culpada pela morte do marido!

_Sua mãe não é a culpada pela morte do seu pai, Kaila. Ela te ama e tenho certeza de que você também a ama. _ havia dito a sua última psicóloga.

Aquela tinha sido a última frase inaceitável que a profissional havia dito para Kaila. Ela não só encerrou as sessões de terapia, como jurou pra si mesma nunca mais procurar o divã de um analista. Será que eles não tinham escutado ela falar que havia nascido de um monstro? Parecia que não. Talvez tivessem  em mente o estereótipo da mãe tradicional que seria capaz de dar a vida pelos filhos.

_Preciso de mais tempo...de seis a doze meses para terminar a minha pesquisa, mãe! _ disse a garota mesmo já sabendo que não adiantaria apelar.

Uma das suas analistas havia dito que talvez ela postergasse a conclusão de sua pesquisa porque intimamente não se sentia confortável em não ceder o seu sucesso para a mãe.

_Você disse que a sua mãe sem  sombra de dúvidas  lhe roubará a pesquisa e por isso você tentará evitar que isso aconteça adiando o término dela...mesmo que inconscientemente. Sabe que a sua mãe nunca irá te perdoar! Ela irá te abandonar e você sabe disso. Está preparada pra isso, Kaila?

Ela não havia conseguido responder àquela pergunta e havia se sentido mais deprimida ainda por se descobrir tão covarde diante do que achava ser uma grande injustiça. O mérito deveria ser dela e não da mãe!

Joana  não retrocedeu em sua decisão:

_Um mês e nem um dia a mais. Depois disso, se quiser continuar trabalhando aqui comigo, será em outro departamento e eu colocarei outra pessoa pra dar continuidade ao seu  trabalho.

Mais uma vez, Kaila quase perdeu o fôlego!

_A senhora  não teria coragem! Sabe que este é o trabalho da minha vida, mãe!

Kaila percebeu o ato falho tarde demais. A revolta da mãe foi instantânea!

_Me chame de senhora mais uma vez e não precisarei esperar um mês pra te demitir, pode ter certeza!

Era difícil se lembrar sempre de chamá-la de você quando estavam sozinhas.

A mãe havia dito que a filha não deveria se referir a ela como mãe, perto das outras pessoas e alegou que não queria que os funcionários pensassem que houvesse uma relação de favorecimento ali. Mas Kaila sabia que era insuportável para Joana Medeiros ser relacionada a uma pessoa como ela.

_Gorda deste jeito, até parece ser mais velha do que eu e aí tem a petulância de me chamar de senhora?  E veja se faz alguma coisa neste cabelo que está uma droga e te engorda uns dez quilos e te envelhece uns vinte anos!

Aquela era a deixa para Joana partir deixando a filha arrasada mais uma vez e quase sufocando ao abocanhar pedaços enormes de chocolate!

Kaila engoliu o último pedaço decidida... Se eram resultados  que a mãe queria, ela lhe daria,  mas não antes da filha registrar oficialmente  o sucesso de sua pesquisa. Não iria permitir que mais uma vez a mãe a fizesse de trouxa e destruísse a sua vida lhe roubando o sucesso daquela descoberta.

Os psicólogos estavam errados, a pesquisadora  concluiu! Joana Medeiros tinha sido sim a responsável pela morte do marido e seria também a responsável pela morte da filha, se ela não lutasse contra isso!

Roger Medeiros tinha hipertensão e já tinha tido um princípio de infarto.

Descobrir que a esposa estava se deitando  com  um estagiário que tinha idade para ser filho dela certamente havia elevado a pressão do marido num nível que lhe foi fatal! 

_Seu pai e eu só temos dois anos de diferença, porém, já me perguntaram se eu sou filha dele. _ Joana soltou perto do marido com um sorriso sádico.

Roger não conseguiu ficar indiferente ao comentário:

_Quem disse isso? Um dos seus estagiários querendo impressionar você?

A língua de Joana feria mais do que um chicote!

_Foi sim um dos meus estagiários, mas ele não queria apenas me impressionar. Queria também me levar pra cama, pois qualquer um percebe que eu não tenho homem em casa!

Roger Medeiros tinha perdido a cor ao escutar aquilo, especialmente tendo a filha ali presente!

_E você ainda  fala isso  perto de nossa filha?

A mãe argumentou, como se a filha não estivesse presente:

_Kaila já não é mais criança há décadas, Roger e além do mais, duvido que com este corpo ela vai entender o que é ser desejada por um homem. Sem contar que ela deve estar ocupada demais pensando na próxima coisa que  irá comer, pra registrar o que eu acabei de falar.

A pesquisadora se repreendeu mais uma vez por não ter se arriscado a desenvolver aquela pesquisa em outro laboratório, bem longe da mãe. 

_Essa disputa de egos ainda vai acabar com a relação entre vocês duas, filha. _ o pai havia dito um dia. _Desista de querer impressionar a sua mãe, minha filha! Nunca escondi que era contra você seguir os passos dela na medicina!

Joana disputava com a filha, isso era notório...mas depois de um tempo,  também a filha disputava com a mãe. Kaila sabia que aquilo não era saudável...que aquilo era nocivo, mas não conseguia se libertar!

Depois do sucesso daquela pesquisa, porém, a filha havia jurado pra si mesma que se afastaria pra sempre da mãe...mas não antes de fazer o seu nome...não antes de mostrar à mãe a sua capacidade! Queria ter  o gostinho de ver a cara da mãe descobrindo que tinha sido deixada pra trás...que não seria responsabilizada pela descoberta extraordinária da cura do Alzheimer.

Kaila começou a estender o seu horário trabalho  e negligenciou horas de sono, o que a deixou menos concentrada e mais estressada.

Aquele foi o primeiro passo para que a filha de Joana Medeiros acreditasse que havia errado na dosagem de um dos componentes da fórmula, o que provocou a morte de todas as cobaias!

A mãe logo foi informada de que as cobaias haviam morrido, o que praticamente deixava aquela pesquisa na estaca zero mais uma vez!

A filha estava destruída e  não soube explicar  o que havia acontecido...realmente ela estava desorientada, pois não entendia o que tinha ocorrido ali...tão perto de obter o sucesso, aquele vacilo imperdoável!

_Desapareça da minha frente, porque eu tenho medo de fazer uma besteira se continuar a olhar para a sua cara inútil! _ Joana Medeiros havia dito olhando com desprezo para o rosto pálido e ainda em choque da filha.

_Eu estava tão perto...não sei o que aconteceu... _ Kaila disse arrasada sem conseguir conter as lágrimas. 

_Eu vou lhe dizer o que aconteceu! Aconteceu que eu fui idiota o bastante para querer te dar uma chance de provar que servia para alguma coisa que não fosse  se entupir de comida na tentativa insana de explodir! Perdi a minha principal pesquisa por sua causa e nunca vou lhe perdoar por isso, Kaila, nunca! Deixe tudo isso aí que depois eu  resolvo o que faço! Agora vá logo! _Joana berrou antes de dar as costas pra filha.

Kaila praticamente surtou se sentindo traída por Deus e pela vida que lhe roubava a grande chance de provar o seu valor para a mãe! Ela não sentia que havia perdido apenas os últimos cinco anos de sua vida, mas a sua vida inteira! A mãe nunca a perdoaria por aquilo e faria de tudo para destruir a sua carreira, certamente!

Num gesto de desatino, Kaila recolheu as quatorze ampolas contendo a sua última fórmula e incumbiu a sua assistente Angélica  de descartá-las!

_Vá logo, ande! Dê um fim nisso, Angélica! _ suplicou Kaila, ainda temendo que a mãe tirasse algum proveito de seu trabalho fracassado.

Transtornada com aquela real possibilidade de ser dispensada junto com Kaila, a assistente  Angélica Rosa Ferreira cometeu um erro gravíssimo  que resultou  na mistura daquela  caixa  com outras caixas onde havia  um outro  medicamento que era fabricado pelo laboratório. 

A sequência de erros não parou por aí e um outro funcionário trocou os rótulos de duas embalagens e as quatorze ampolas se extraviaram! Ao invés de serem devidamente descartadas, elas  foram enviadas para uma fábrica de produtos de limpeza...onde seriam usadas  em quatorze funcionários que em breve teriam dentro do corpo a fórmula criada por Kaila Medeiros!




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