Capítulo 4 - D O R

Por um momento, por um pequenino momento, eu achei que pudesse estar no meio de um pesadelo. Sabe aqueles pesadelos que nunca tem fim? Então, eu pensei que tivesse a chance de eu estar no meio de um desses. Seria muito mais fácil de aceitar isso do que a minha realidade atual.

Porque a minha realidade atual é fodida.

Meu irmão mais novo está morto. Seus olhos abertos encaram o nada. Eu sinto frio. Eu sinto dor. Eu sinto medo. Eu me sinto incapaz.

A morte está aqui.

Me debruço no seu corpo inerte e começo a chorar de soluçar. Percebo que Jhonny agora se encontra ao meu lado, tentando entender o que aconteceu, mas eu não o explico. Eu não poderia explicar a ele nem se eu quisesse pois no momento, eu não tenho forças para nada.

Me afasto de seu corpo e levanto da cama, tentando lidar com toda a dor que sinto dentro do peito. Ouço vozes abafadas de todo o mundo, mas eu não consigo me concentrar em nada, eu estou distante dali.

Eu estou tão distante que não percebi o momento que meu irmão pequeno se levantou. Eu não vi naquele primeiro momento, mas seus olhos estavam fundos e seu corpo, pálido e arroxeado. A primeira coisa que Caio fez quando se levantou foi morder o braço de Simone. Ela gritou desesperada. Ouvi Calixto dizer algo sobre a contaminação também, mas tudo só voltou mesmo ao normal quando atiraram na cabeça dele e mais uma vez meu irmão caiu morto no chão.

O caos ao meu redor foi inevitável. Todos falando ao mesmo tempo sobre a situação. Calixto apontava o dedo para mim e para o meu irmão de forma acusadora. Renan e Lurdinha lhe apoiavam. Ouço algo sobre nos jogar na rua, mas Isac e os outros não prestam atenção nisso. Eles acodem Simone, que está com o braço ensanguentado.

— Eu disse que isso ia acontecer! — Calixto exclama, apontando para o corpo do meu irmão no chão. Sua cabeça tem o furo de uma bala — Vocês não me escutam!

Ouço fortes barulhos no andar de baixo e na janela do meu quarto e percebo que os bichos asquerosos da profecia tinham ouvido o barulho da arma disparando. Eles estão ávidos, eles querem o nosso sangue.

— Agora temos que acabar com a Simone antes que ela se torne um monstro. — Renan diz, pegando a pistola que Calixto outrora segurava. Eu me coloco na frente de Simone, que ainda se encontra em choque. Ela encara seu bebê deitado e meu coração dói.

— Parem de tratar as pessoas como se elas fossem bichos! — Eu digo, encarando Renan e Calixto.

— Por sua culpa, a Simone foi infectada! — Renan aponta o dedo para meu rosto, mas dou um tapa em sua mão.

— Não toca na minha irmã! — Jhonny entra na minha frente e dá um empurrão em Renan, que cambaleia para trás.

— Parem! — Isaac grita. Olho para trás e vejo Simone cuspindo sangue exatamente como meu irmão fizera.

— Está começando, se não fizermos nada agora, ela pode nos matar ou nos infectar! — disse Calixto, em desespero.

— Eu sinto muito, Simone. — Eu digo, mas ela não me responde. O sangue se acumula no chão.

— AJUDEM AQUI! — A menina que meu irmão ficou grita de outro cômodo. Eu e os outros corremos a tempo de vê-la tentando segurar a porta. — Os bichos estão alvoroçados, não vou conseguir segurar isso sozinha.

Jhonny corre para ajuda-la assim como Milene e Rodrigo.

— Eu te ajudo, Eloá. — Os dois sorriem um para o outro.

Pego alguns móveis pesados para ajudar a conter os bichos quando gritos vindo do andar de cima nos assustam.

A porta para de tremer quando colocamos os móveis na porta. Renan aparece com uma mordida no braço. Três bichos marrons descem as escadas correndo. Um pula na direção de Renan, que cai no chão e começa a lutar com o bicho. O outro pula em cima de Eloá e o último vem na minha direção. Eu desvio antes que ele caia sobre mim, então eu corro para perto das escadas, onde encontro Jhonny tentando ajudar Eloá.

Ele luta contra o bicho marrom, mas ele arranca um pedaço do pescoço de Eloá. Jhonny dá várias pauladas no bicho, que só a larga quando Jhonny lhe acerta a cabeça. Ele cai no chão, morto e Eloá cai ao seu lado. O sangue se espalha rapidamente pelo estofado. Jhonny segura sua mão e sussurra algo em seu ouvido.

Seus olhos perdem o brilho e Eloá para de respirar.

O bicho que me atacou sumiu. Tento procura-lo, mas ele não aparece em nenhum dos cômodos.

Milene e Rodrigo correm para ajudar Renan, que consegue matar o bicho, mas agora se encontra com um braço mordido e um corte na perna. Ele manca em minha direção.

— Você vai ser a próxima. — Eu o empurro, mas ele me segura com força contra si. Simone aparece com a boca cheia de sangue e corre em nossa direção. Tento me desvencilhar dele, mas não consigo. Jhonny aparece ao meu socorro assim como Milene e Rodrigo. Eles conseguem me separar de Renan, e Simone cai aos nossos pés com o disparo da arma que Isaac aponta para a cabeça dela.

Nossos olhos se encontram.

— Onde estão os outros? — pergunto, mas Isaac me ignora.

— Temos que sair daqui. Vamos para o porão agora! — Ele aponta para o lado esquerdo, onde percebo uma portinha pequena e estreita.

— Tem um bicho escondido por aqui! — alerto. Isaac olha para os lados, mas não vê nada.

Lurdinha aparece segurando o filho pequeno de Simone nos braços. Calixto vem logo em seguida. Percebo que ambos estão machucados, mas não há sinal de mordidas em Isaac e em Calixto.

— Trancamos o seu quarto. Alguns dos bichos estão lá. — Isaac disse, me olhando — O porão é uma das únicas partes seguras da casa no momento. Se tivermos que sair da casa, por lá o acesso vai ser mais seguro.

Nós o seguimos para o porão e ele logo acende a luz para que possamos descer. O local é mal iluminado e empoeirado. Meu nariz se irrita com a quantidade de poeira.

Rodrigo e Milene são os últimos a entrar, e quando um bicho marrom voa nas costas de Rodrigo, eu percebo que o bicho que me atacou estava escondido todo aquele tempo.

Ele começa a se debater e cai, levando Milene junto. Os dois rolam a escada e o bicho come as costas de Rodrigo numa velocidade assustadora. Isaac atira na cabeça dele e ele cai morto no chão. Milene se debruça no corpo de Rodrigo e começa a chorar. Na queda, ele bateu a cabeça e desmaiou.

Calixto atira na cabeça de Rodrigo, assustando a todos nós.

— Ele ia morrer de qualquer forma. Não vou correr o risco de ser infectado. — diz ele, que atira agora em Renan, que também tinha sido mordido. Renan cai morto aos seus pés e o chão do porão fica todo ensanguentado. — Desculpe, garoto.

Me abraço ao Jhonny e escondo minha cabeça em seu peito. Aquilo é demais para mim, não consigo mais ver tanta gente sendo morta na minha frente.

Lurdinha começa a cuspir sangue e a tossir com o bebê no colo, que começa a chorar.

— Até você, Lurdinha? — Calixto também aponta a arma para a cabeça dela. Lurdinha grita.

— Por favor, não atire em mim!

— Já chega, Calixto! — Isaac segura o braço de Calixto, que se debate em suas mãos.

— Deixa que eu faça isso. Por favor. — Lurdinha pede, com a boca ensanguentada. Milene segura a criança, que está suja de sangue. Calixto coloca a arma em sua mão e de olhos fechados e as mãos trêmulas, Lurdinha atira em sua cabeça. Seu corpo cai no chão inerte.

Me encolho nos braços de meu irmão com a cena. Jhonny cai no chão e começa a tossir sangue, assim como Calixto.

— O que está acontecendo? Eles não foram mordidos! — Arregalo os olhos e me ajoelho ao lado de meu irmão.

— Parece que estamos todos infectados. — Isaac diz, tossindo também. Me sinto fraca e tonta. Começo a tossir e vejo um filete de sangue sair de minha boca. Encaro meu irmão e Isaac e os outros, que tossem desesperadamente e penso que o fim do mundo realmente começou.

Todos nós iremos morrer.

Calixto, Milene e os outros são os primeiros a morrer. Isaac atira em suas cabeças para que não virem as criaturas mortas vivas que enfrentamos. Sobra somente eu, ele e Jhonny. Nós três estamos deitados no chão do porão encarando o teto cinzento e empoeirado. Eu já tinha tossido tanto que não faço ideia de como meu pulmão não tinha saído para fora.

Sinto que a minha respiração está cada vez mais ruidosa. Quanto mais inspiro e expiro, mais fraca me sinto. Era como se eu tivesse que fazer um esforço muito grande para respirar.

— Eu não acredito que realmente é dessa forma que iremos terminar. — Eu digo com dificuldade, sentindo o sangue escorrer pelo canto de minha boca. Viro a cabeça para o lado e vejo que Jhonny encara o teto com os olhos vazios.

— Devíamos ter roubado mais coisas daquele supermercado. — É o que ele diz para mim e meu coração se aquece ao perceber que meu irmão ainda está vivo. Dou uma risada e ele me acompanha em meio a tossidas. Seu rosto está pálido e sua boca cheia de sangue.

— Acho que nós não iremos para o céu. — Continuo a brincadeira, mas percebo que Jhonny não parece me ouvir. — Jhonny... — Cutuco seu ombro com dificuldade, é como se meu braço pesasse uma tonelada. Ele não me responde. Meus olhos se enchem de lágrimas e mais um acesso de tosse me preenche. — Por favor... Jhonny... — Me debruço com dificuldade em cima de seu corpo e noto que ele está morto.

Choro por mais uma perda enquanto meu coração, mais uma vez se despedaça. Lembro-me de como encontramos nosso pai, de como o nosso irmão menor deixou esse mundo e nada mais me faz tão infeliz do que ver que eu perdi a minha família naquele dia.

Pelo menos eu me juntarei a eles...

Pelo menos...

A minha linha de raciocínio é interrompida quando mais um acesso de tosse me preenche e eu derramo uma quantidade ainda maior de sangue. Noto que Isaac não está mais deitado, mas eu não me importo com nada pois já estou prestes a morrer. Meu corpo começa a ter espasmos e eu sinto que a minha hora está próxima. Antes de meus olhos se fecharem, vejo o rosto de Isaac em minha frente.

E aí eu morro.

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