Capítulo 4

Não consegui dormir direito. Meus pensamentos não se aquietavam, ora passavam por como seria minha nova cidade e escola, mas sempre voltava ou para o professor ou para o garoto argentino. Eu sabia que os dois nunca se viram antes, mas algo neles era comum e eu não fazia ideia do que era.

Fui para a escola com a aparência de um zumbi por não ter conseguido dormir o suficiente.

As garotas me deram sermão por ter tirado as tranças, que em suas palavras estavam maravilhosas, mas me elogiaram pela forma que sempre consigo fazer um coque perfeito.

E mais uma vez eu sentia que não deveria estar ali. Essa sensação me consome em todos os lugares, mas principalmente na escola com todas essas pessoas que simplesmente me acostumei com os rostos mas não com a presença. Eu queria sair dali, mas para onde iria?

Creio que essas meninas são a única coisa que não odeio nesse lugar. De certa forma, elas sempre tentam me deixar confortável.

Não gosto daqui, mas ao mesmo tempo não quero me mudar.

Não tem um motivo realmente relevante parar ir embora, afinal. Nós estamos bem aqui.

- Nossa, tá muito frio. - Carolina sussurrou atrás de mim quando já estávamos na sala. O professor estava atrasado ou havia faltado, mas ninguém se importou o suficiente para ir até a secretaria perguntar o que houve.

- Eu estou com calor. - disse a ela, dobrando minha blusa para guardar dentro da bolsa.

- Como assim? Olha a chuva lá fora, Ariana, tá ventando muito. Você deve estar na menopausa!

Não consegui pensar em uma resposta, apenas consegui rir. Não entendia como ela conseguia estar tremendo, além de não estar com frio eu também estava me sentindo com muito calor, estava quase suando apenas de olhar todo aqueles alunos enfurnados em seus moletons. Estava muito calor.

- Deve ser isso mesmo. - disse. Ela não riu, apenas apontou com a cabeça para a porta. O professor de biologia estava lá, esperando todos fazerem silêncio para poder entrar.

Ele olhava cada um dos garotos com desgosto, e não o julgo, eu também os olharia assim se fosse uma professora e ao entrar na sala de aula encontrasse meus alunos desenhando um compilado de pênis no rosto do coleguinha que estivesse dormindo.

Revirou os olhos e foi até a sua mesa, deixando um rastro de pegadas no chão por causa dos sapatos molhados.

- Bom dia. Prova na próxima aula. - ele disse, com um sorrisinho de canto que dizia claramente que todos nós estaríamos ferrados.

- Ele parece que se esforça pra gente não gostar dele. - Carolina sussurrou, e não consegui segurar o riso.

Ele olhou diretamente para mim.

- Posso ouvir a piada também, Ariana? - odiava o tom que ele pronunciava o meu nome, como se o cuspisse.

Fiquei calada, me esforçando para não rir, mas acha que ainda era possível ver um leve sorriso no meu rosto.

- Vamos, quero rir também.

- Que voz irritante, meu Deus! - Henrique, o garoto que se sentava ao meu lado cochichou, e voltou a dormir em dois segundos.

- Não foi nada, professor. - eu disse, agora tentando não rir da frase que meu queridinho colega deixou escapar.

- Está rindo para o nada?

- Sim. - meu colegas começaram a rir, eu mau tinha percebido que eles haviam ficado em silêncio para ouvir essa maravilhosa bronca.

Ele sorriu. Seu olhar era difícil de decifrar.

- Precisa fazer novas amizades, Ariana. - ele disse, e riram novamente. - Se tem tanta dificuldade assim em se socializar, posso ser seu amigo se quiser.

- Não vai ser preciso, professor.

Sorriu novamente e deu de ombros, se levantando para começar a passar a revisão para a prova.

Me senti aliviada por ele não ter prolongado aquela conversa.

Alguns alunos começaram a copiar o texto que ele passava, o que era um grande milagre.

- A bunda dele é tão redondinha. - Carolina cochichou no meu ouvido.

Comecei a rir tanto que minha risada já não tinha mais som. Estava quase ficando sem ar.

- Para de ficar tarando o professor, sua estranha!

Começamos a rir, o que despertou a atenção do professor. Nos olhou por cima do ombro e sorriu, balançando a cabeça.

- Pelo menos dessa vez não está rindo sozinha, Ariana.

Não soube se ria mais ou se apenas morria de vergonha.

Nunca vi uma aula passar tão devagar como essa, senti na pele cada minuto, o que estava me deixando ainda mais cansada. E além de tudo, tinha que aguentar Carolina reclamando do frio na minha orelha até que entreguei minha blusa a ela.

A segunda aula era educação física. Quase aconteceu uma chacina entre os alunos pois não poderíamos ir até a quadra com essa chuva. A professora nos trouxe jogos de tabuleiro e nos deu permissão para usarmos o celular. Todos escolheram a segunda opção. O que era um tanto decepcionante.

- Minha tia me respondeu, ela arranjou um horário pra você hoje. - disse Carolina olhando suas conversas no Whatsapp.

- Tudo bem, você vai comigo até o salão? - pergunto.

- Lógico, ela é minha tia favorita!

Pouco antes da terceira aula saí para ir ao banheiro. No pátio realmente estava frio, estava totalmente vazio. Até mesmo as salas estavam quietas, o que não é muito comum por aqui.

Novamente o argentino estava no bebedouro enchendo sua garrafinha extremamente chamativa.

- Bom dia. - ele disse, o sotaque era bem nítido, o que poderia ser considerado um charme.

- Bom dia... - respondi, sentindo como se pudesse fazer algo de errado a qualquer momento. Estava me segurando para não dizer mais nada e apenas seguir meu caminho, mas por impulso abri minha boca novamente. - Qual o seu nome?

Ele sorriu discretamente, o que foi fofo e estranho ao mesmo tempo.

- Pablo. - respondeu olhando nos meus olhos. Naquele momento desejei ser amiga dele, o modo como me olhava era naturalmente profundo, ainda mais do que o modo como Carolina me olha.

- Ariana. - disse, e estendi minha mão para cumprimentá-lo.

Quando encostou em mim pude sentir o choque de temperatura, eu estava muito quente ou ele muito gelado, mas como todos estavam agasalhados e eu não, creio que eu que esteja quente demais.

Ele olhou para a minha mão e a apertou.

- Você está muito quente. - falou, achando estranho.

- Ah... Bem, nem eu estou entendendo isso, todo mundo está com frio e eu não. Mas não estou me sentindo mau, então acho que não é febre.

Encarou minhas mãos novamente e se voltou para mim.

- Tenha uma boa aula, Ariana.

E se foi.

O jeito como pronunciou meu nome foi gracioso de certa forma, ao contrário do professor.

Ambos eram totalmente diferentes, mas eu sentia que tinham algo em comum, o meu interior gritava isso para mim. E se tivesse observado com mais atenção, teria percebido logo de cara o que era.

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