Capítulo 3
- Eu não quero que você vá embora, Ariana! - Carolina dizia enquanto soltava mais um tanto de linha branca no chão, não sabendo ao certo se chorava pela minha partida ou pela das minhas tranças.
- Eu também não quero ir, mas quando meu pai coloca alguma coisa na cabeça não tem nada no mundo que consiga tirar. - era difícil falar com tanto cabelo no meu rosto enquanto eu desmanchava mais uma trança, e Carolina puxava minha cabeça para trás para desmanchar as da nuca.
Não consigo entender porque ele nunca me conta o motivo das mudanças. Quando criança não via motivo para o questionar, mas agora vejo o quanto isso é estranho.
E por ele ser sempre tão calmo não acredito que possa ter feito alguma coisa de errado.
Pode ser uma coisa extremamente boba e estou me preocupando à toa. Mas o fato de confiar no meu pai e ele não confiar em mim para uma coisa tão simples me deixa incomodada.
- Não quero ter que começar tudo outra vez. - murmuro e nós ficamos em silêncio depois disso.
Minha mente começa a fantasiar sobre como seria minha nova casa, meus novos vizinhos, e se eu conseguiria fazer alguma amizade como a que tenho com Carolina.
Me sinto sufocada. Odeio tudo isso.
Eu apenas queria que tudo isso acabasse. Que em algum momento deixasse de ser apenas eu e meu pai. Sinto saudades da vovó e dos meus tios, apesar de nos mudarmos com frequência sempre era perto o suficiente do restante da família. No começo era divertido conhecer novos lugares e novas pessoas, eu realmente me sentia dentro de uma aventura, mas com o tempo tudo começou a perder a magia.
Mesmo aqui me sentindo deslocada, aos poucos me acostumei a chamar este lugar de casa.
Terminando de retirar as tranças fui para o banheiro tomar um banho enquanto Carolina pegava seus livros e cadernos para estudarmos.
A água estava fria, o que me causou um grande arrepio. Deixei a temperatura no máximo me permitindo relaxar em meio ao vapor. A água quente que corria pelo meu corpo era como massagem para a minha mente. Eu já estava exausta de tantas mudanças mas não me sentia no direito de reclamar pois a decisão final sempre seria do meu pai. E não importa o que acontecesse, nós sempre seríamos um time.
Fiquei imaginando como seria toda essa situação se minha mãe estivesse aqui. Mas pensar nela também era algo que me causava mal, que me deixava angustiada. "Não pense nela, ela não pensou em você", disse para mim mesma tentando me convencer de que eu nunca precisaria da minha própria mãe.
- Ariana, seu pai veio aqui avisar que vai ao mercado. - ouvi a voz de Carolina do outro lado da porta.
- Tudo bem. Já estou saindo! - respondi, terminando de lavar o cabelo.
Ao sair do banheiro fico analisando alguns retratos pendurados na parede do corredor, em um deles eu e Carolina estávamos no parque com seu irmãozinho mais novo.
- Eu vou sentir tanta saudade... - murmurei, vendo todos os sorrisos expostos naquela fotografia.
- Ariana, já está vindo? - ouvi Carolina gritar do quarto dela. Dei uma última olhada no retrato e com a maior calma do mundo, me sentindo uma tartaruga, me direcionei até a cozinha.
- Quer que eu leve um copo se suco? - gritei para ela.
- Mas é lógico que sim!
Peguei a jarra dentro da geladeira e na pia alguns copos limpos estavam secando. Ao contrário da água do chuveiro, as poucas gotas que ainda estavam naqueles copos eram geladas, assim que encostei nelas senti um arrepio. Nunca gostei de entrar em contato com qualquer tipo de água que não esteja na minha temperatura ideal. A luz do sol que entrava pela janela a minha frente incomodava meus olhos, quando estiquei o braço para fechar a cortina me deparo com meu professor de biologia do outro lado da calçada, andando calmamente. Paro por um momento para observá-lo e devo admitir que Carolina tem razão, ele é realmente bonito. A barba rala e o cabelo castanho são perfeitamente cortados, deixando bem evidente cada traço de seu rosto. Me assustei quando ele olhou diretamente para os meus olhos.
Ele apenas sorriu para mim e continuou andando devagar, sem pressa alguma.
Ao mesmo tempo que é bonito, é extremamente estranho.
Terminei de servir o suco e fui para o quarto onde Carolina tentava organizar seus cadernos e livros, ela estava muito perdida, o que era até engraçado de se ver.
- Não vejo a hora de me formar logo. - eu disse.
- Às vezes tenho vontade de largar tudo e ir vender minha arte na praia. - ela disse, folheando um de seus cadernos à procura de alguma matéria específica. - Mas aí eu me lembro que não sei fazer arte.
Eu não soube se ria dela ou se chorava com ela pois eu estava tão perdida quanto.
- Depois a gente se preocupa com isso, temos duas provas e um trabalho essa semana, é bom a gente manter o foco! - me direcionei ao seu computador para pesquisar sobre o tema do trabalho de história enquanto ela estudava sobre sociologia.
O pior de tudo é que eu sequer sabia se ficaria na cidade a tempo de fazer as provas. Mas ao invés de voltar a ficar incomodada com isso apenas consigo pensar no professor, em como ele andava de maneira estranha e comecei a pensar no porquê de ele estar andando por aqui, pois até onde sei ele também dá aulas no período da tarde.
Ignoro.
Sou sempre muito paranoica e não estou com tempo para isso no momento, um trabalho deve ser feito e eu preciso de nota.
Tentarei terminar logo para ir pra casa ver o quê tanto meu pai comprou no mercado. Provavelmente não seria nada de mais, mas nunca vou perder as esperanças de que do nada ele apareça aqui com uma caixa de chocolate.
- Ariana. - ouço Carolina me chamar um tanto alto demais, ou o ambiente que estava muito silencioso. - O que você achou do argentino?
Uma pergunta aleatória que nos distrairia totalmente dos estudos, algo bem típico de Carolina.
- Ele é bonito, mas é irrelevante. - respondo sem tirar os olhos do computador, mas tenho certeza de que Carolina estava me observando seriamente pensando se eu estava falando a verdade ou não, se me importava ou não.
Eu não fazia ideia do quão relevante ele poderia se tornar.
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